Especialista alerta que serviço opera sem fiscalização em diversas cidades do país
Nos últimos anos, uma tempestade de acontecimentos fez explodir o uso de motocicletas. Na pandemia os aplicativos de delivery cresceram empurrados pelo isolamento social e no período seguinte, de aprofundamento da crise econômica, a moto voltou a ser opção de transporte de passageiros.
Lançado pela Uber no ano passado, o serviço de mototáxi já está presente em mais de 100 cidades brasileiras e o 99 Moto, em cerca de 70 municípios. Prometendo viagens até 30% mais baratas, a procura pelo aplicativo cresceu e elevou também os riscos de acidentes de trânsito.
“O grande problema é que, em várias cidades brasileiras, a ação desses motoristas não é regulamentada e, portanto, não é fiscalizada. Logo, não há como saber se motociclistas estão preparados e devidamente treinados para transportar passageiros de forma segura”, explica Alysson Coimbra, diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra).
Segundo o especialista em segurança viária, a grande questão é que os acidentes envolvendo motocicletas matam, por quilômetro rodado, 16 vezes mais do que os outros modais. “Historicamente, mais de 70% das indenizações por invalidez permanente do DPVAT foram pagas a motociclistas, o que dá a dimensão do problema para o Brasil. O desemprego e o empobrecimento da população estão levando os brasileiros a se arriscarem sob duas rodas para garantir uma renda mínima ou para economizar nos deslocamentos e o resultado disso pode ser desastroso”, explica Coimbra.
Depoimento de uma médica que consta no relatório final da CPI dos Aplicativos, da Câmara Municipal de São Paulo, revela as consequências da explosão dos serviços de delivery. Nos últimos 6 anos, a porcentagem de acidentes de moto no setor de traumas do Hospital das Clínicas da USP subiu de 20% para 80%.
Em Belo Horizonte, por exemplo, o serviço de transporte por aplicativos opera sem fiscalização. “Há um ano a prefeitura informa que analisa medidas para regulamentar e fiscalizar o serviço. Para operar de forma minimamente segura, esses profissionais precisariam passar por um treinamento adequado, que ensine procedimentos de segurança para transportar passageiros, mas isso não acontece. Não podemos prestigiar um transporte que, sob a justificativa de menor custo, coloca em risco usuários e coletividade, além do aumento dos gastos em atendimentos hospitalares para acidentados, que será cobrado de toda a população através de impostos”, diz.
Risco de Covid
O médico especialista em Medicina do Tráfego conta que outro risco é a contaminação por vírus, principalmente a Covid. “Estamos em um período em que os casos de Covid voltaram a crescer e nesse tipo de transporte é comum o compartilhamento de capacetes entre os passageiros. Sem dúvida isso é um perigo a mais a quem usa esse tipo de transporte”, completa Coimbra.
Vendas altas, perigo também
Além do aumento do desemprego e da precariedade do transporte público nas cidades brasileiras, as sucessivas altas nos preços de combustíveis fizeram a venda de motocicletas crescer 23,1% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2021. Segundo a Abraciclo, entidade que reúne fabricantes de motos, foram comercializadas 636,6 mil unidades no período.
“O já complicado trânsito brasileiro vem sofrendo diariamente com o aumento do número de veículos e a falta de políticas de mobilidade urbana. Não temos um transporte público de qualidade e as longas viagens acabam desestimulando as pessoas a usarem o serviço. O aumento da venda de motos reflete essa precariedade. Nessa briga por espaços com os demais veículos, a motocicleta é sempre a mais vulnerável. Precisamos de maior clareza, informações, regras, contrapartidas e adequações antes da permissão de livre funcionamento desse serviço”, resume Coimbra.