Com o olhar voltado para trás, temos o Webb. Com seu poderoso espelho segmentado de 6,5 metros e instrumentos capazes de enxergar luz infravermelha, ele teve seu desenvolvimento formal iniciado em 2003, a partir de propostas que se iniciaram nos anos 1990, não muito tempo depois do lançamento do Telescópio Espacial Hubble.
A ideia era dar um passo além, desenvolvendo um equipamento capaz de enxergar mais longe do que o próprio Hubble, fazendo uso de um espelho mais sensível e da observação em infravermelho, em contraste com seu antecessor mais famoso, focado em luz visível e apenas um pouquinho de ultravioleta e luz visível.
A razão para isso não é tão difícil de entender. O Universo está em expansão, o que significa dizer que o próprio espaço está se esticando. Quando a luz viaja por ele, se estica junto, aumentando seu comprimento de onda. Então, o que nasceu como ultravioleta e luz visível nos confins do cosmos, até chegar a nós, já foi convertida em infravermelho. Eis porque o Webb ganhou o apelido de "sucessor do Hubble": ele enxerga mais longe, por ser sensível a luz com um comprimento de onda que o antigo telescópio não consegue detectar.
A premissa é fácil de descrever, mas dificílima de realizar. Para ter a sensibilidade adequada, o telescópio não pode ficar próximo à Terra, onde a luminosidade do próprio planeta o impediria de atingir as temperaturas baixíssimas requeridas para enxergar sutis emanações de infravermelho vindas das fronteiras mais longínquas do Universo.
Além disso, um escudo térmico -na prática um toldo do tamanho de uma quadra de tênis- teria de ser aberto sob o espelho para bloquear o Sol e garantir as condições térmicas adequadas.
O tamanho do espelho requerido (para não falar no escudo térmico) não caberia na coifa de nenhum foguete disponível, o que exigiu um projeto complicado em que o telescópio seria lançado ao espaço como origami, desdobrando-se cuidadosamente de forma automática, por semanas a fio.
O investimento estimado para seu desenvolvimento, em 2003, era de US$ 5 bilhões. O cronograma sugeria então um lançamento em 2014. Diversos estouros no orçamento se seguiram, o projeto chegou à beira do cancelamento em diversos momentos, e só chegou a termo após uma guinada bem-sucedida em sua gestão, o que levou o engenheiro Gregory Robinson, que assumiu a gerência do projeto em 2018, a ser listado entre as cem mais pessoas mais influentes de 2022 na revista americana Time.
O lançamento ocorreu finalmente em 25 de dezembro do ano passado, seguido por sete meses de desdobramento do equipamento, instalação em órbita, resfriamento e comissionamento dos instrumentos. Em julho deste ano, conforme os primeiros dados de observações começavam a chegar à Terra, Robinson decidiu se aposentar, após 33 anos na Nasa.
O trabalho do Webb, contudo, mal começara, e logo de cara já trouxe surpresas magníficas, como a galáxia mais distante já vista.
O VOO DE ARTEMIS
De olho no futuro da exploração espacial, a Nasa finalmente pôs em prática pela primeira vez sua nova arquitetura para missões tripuladas além da órbita da Terra. Com o sucesso da missão Artemis 1, ocorrida entre 16 de novembro e 11 de dezembro, o caminho está aberto para voltarmos a ver humanos fora do poço gravitacional terrestre, em uma jornada lunar, pela primeira vez em mais de meio século.
Foi outro projeto que passou por muitas idas e vindas, dúvidas e questionamentos, ao longo de duas décadas.
O primeiro ensaio para a atual iniciativa veio na esteira do acidente com o Columbia, quando a Nasa apresentou o programa Constellation, que deveria levar humanos de volta à Lua até 2020.
A iniciativa foi efetivamente cancelada, por falta de verba, na administração Obama, e os elementos do atual programa Artemis foram o que o Congresso americano salvou da iniciativa anterior –um foguete de alta capacidade baseado em tecnologias dos antigos ônibus espaciais, o SLS, e uma cápsula para voo em espaço profundo, a Orion.
Provavelmente seria outro beco sem saída, não fosse o advento da entrada da iniciativa privada na prestação de serviços de transporte espacial. Graças a isso, foi possível contratar, a preço que cabia no orçamento, um veículo privado para o transporte de astronautas à superfície lunar. A Nasa fechou contrato de dois pousos com a SpaceX, com seu veículo Starship, e está em vias de fechar com uma segunda empresa. Aí vai faltar essas companhias concluírem o ciclo de desenvolvimento e entregarem o serviço contratado.
Enquanto isso, os elementos já prontos do programa Artemis andam em passo de tartaruga. Não bastassem os US$ 50 bilhões já gastos e os cinco anos de atraso, um comitê independente estimou que cada novo voo de um SLS com uma Orion custe à Nasa US$ 4,1 bilhões. A agência diz que será menos, mas no momento é improvável que atinja cadência inferior a um voo a cada dois anos.
A missão Artemis 2, que levará quatro astronautas em uma excursão de dez dias ao redor da Lua e de volta à Terra (lembrando um pouco a missão Apollo 8, de 1968), está marcada para 2024 –e talvez escape para 2025.
O primeiro pouso viria na Artemis 3, no momento apenas formalmente esperada para 2025. Seria otimista pensar mesmo em 2026.
Em paralelo, Nasa e parceiros internacionais (já estão nessa ESA, Jaxa e CSA, agências espaciais europeia, japonesa e canadense) executam planos para construir uma pequena estação orbital lunar, chamada de Gateway. Será mais uma destinação para tripulações em espaço profundo, além da superfície da Lua, o que oferecerá experiência e treinamento para uma futura viagem a Marte (algo que no momento só existe como noção, não como plano, entre as agências espaciais). A agência espera atingir uma cadência de voos anuais para o programa Artemis, na esperança de tornar a iniciativa de exploração lunar sustentável.
A novidade é que nem só de agências espaciais será feita essa nova era de exploração lunar. Empresas privadas seguem desenvolvendo módulos de pouso tripulados e não tripulados para o envio de cargas úteis à Lua, e já há pelo menos duas missões turísticas contratadas com o Starship, da SpaceX, à órbita lunar: uma bancada pelo bilionário japonês Yusaku Maezawa, num projeto chamado #dearMoon, e outra pelo americano Dennis Tito, que já foi o primeiro turista a visitar a Estação Espacial Internacional, em 2001.
Se no século 20 tivemos uma corrida para a Lua, agora a sensação é de que estamos tendo uma onda, envolvendo múltiplos países e participantes. Dá a impressão de que desta vez o movimento vem para ficar. Mas isso só o futuro poderá dizer. Independentemente disso, já é seguro afirmar que 2022 marcou o início de uma nova era para a Nasa.