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Brasil

São Paulo quer seu patrimônio de volta!


Exposto timidamente logo na entrada do Museu dos Transportes estava um dos carros mais importantes da história. – Douglas Nascimento / São Paulo Antiga

DOUGLAS NASCIMENTO
FOLHA DE S.PAULOSÃO PAULO (SP) – Imagine se o Museu do Louvre resolvesse ceder a Mona Lisa, sua obra mais valiosa, a outro museu. Ou que o MASP deixasse de exibir em suas galerias as quatro telas de Van Gogh, consideradas suas obras mais valiosas em acervo, ou ainda que o Abaporu, de Tarsila do Amaral, fosse considerado irrelevante para o Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires)? Certamente você pensaria que os diretores desses museus enlouqueceram.

Mas e seu eu te contar que aqui em São Paulo o Museu dos Transportes Públicos fez isso com um bem que é de longe o mais precioso e histórico de seu acervo? Pois é. Esta é a história que cerca aquele que é provavelmente um dos automóveis mais importantes do mundo.

A HISTÓRIA POR TRÁS DO CARRO

O veículo da fotografia é um Ford Modelo T ano 1919 cuja história se confunde não apenas com a história da famosa marca de Detroit, mas principalmente com a história do Brasil e da integração das Américas. Afinal esse veículo saiu do Brasil e foi até Nova York, nos Estados Unidos, abrindo o caminho que futuramente viria a ser a Rodovia Pan-Americana.

Com dois veículos doados por jornais – O Globo, no Rio e Jornal do Comércio em São Paulo – Essa verdadeira saga pelas Américas foi o fruto da ousadia de três brasileiros: Leônidas Borges de Oliveira, Francisco Lopes da Cruz e Mário Fava. A viagem que se hoje parece difícil mesmo com a rodovia já existindo, imagine no distante ano de 1928 quando o trio saiu do Brasil para uma jornada de 26 mil quilômetros.

Partindo do Rio de Janeiro com dois veículos Ford Modelo T os aventureiros ainda passaram por São Paulo para depois seguir ao exterior, entrando primeiramente no Paraguai. A partir daí foi uma jornada incrível pelas três Américas, em muitos lugares percorrendo uma média de apenas 7 quilômetros por dia. A lentidão era pelo fato de que não existiam estradas, pontes… nada. Eles precisavam abrir caminho.

Nesta aventura difícil e que durou uma década, o trio superou as adversidades do clima e da natureza chegando aos Estados Unidos. Na terra do Tio Sam foram recebidos por Henry Ford – que até tentou comprar os carros por uma verdadeira fortuna – além do presidente Franklin D. Roosevelt e do prefeito de Nova York, Fiorello La Guardia.

O industrial Henry Ford recebe os expedicionários brasileiros que percorreram as Américas, junto aos carros utilizados. – Divulgação

Os aventureiros e seus veículos retornaram ao Brasil onde foram recebidos como heróis, entretanto com o tempo suas histórias e jornadas foram um tanto quanto esquecidas por aqui. Contudo esses notáveis brasileiros são bastante reverenciados em outros países da América Latina. Atualmente o mais lembrado pelos brasileiros é o mecânico Mário Fava, que ganhou um museu próprio em 2018.

O QUE ACONTECEU COM OS VEÍCULOS?

Com o regresso de nossos desbravadores os veículos foram doados ao tradicional Museu do Ipiranga para que fossem exibidos aos visitantes. Entretanto os carros não foram bem guardados e aos poucos foram se deteriorando, já que ficaram em um local aos fundos do museu sob um teto de zinco.

Nas imagens os veículos Ford Modelo T quando estavam esquecidos no Museu do Ipiranga, em 1954. O da esquerda é o que sobreviveu. – A Vida na GM/Reprodução

De acordo com as informações obtidas com pesquisadores da área automobilística, a picape Ford Modelo T foi completamente destruída com o tempo e o outro automóvel sobreviveu por muitos anos em más condições, sendo repassado na década de 1980 para o Museu dos Transportes Públicos (popular Museu da CMTC) onde recebeu uma manutenção mínima para que pudesse ficar exposto até o ano de 2017, quando uma decisão absurda foi tomada pela prefeitura de São Paulo e a SPTrans: ceder o carro.

O EMPRÉSTIMO DO FORD T

Para a abertura do Museu Mário Fava, em Bariri (SP) faltava um grande atrativo: o carro que sobreviveu ao tempo e estava no museu paulistano. Assim foi feito um pedido a SPTrans para que o carro fosse cedido por um período de cinco anos para o novo museu. Dessas decisões absurdas que só parecem ocorrer no Brasil, o pedido foi atendido.

Na foto o Ford Modelo T 1918 pertencente ao Museu SPTrans dos Transportes Públicos exposto no Museu Mario Fava em Bariri (SP) – Reprodução

Foi firmado um contrato de comodato o qual tivemos acesso onde uma série de obrigações foram elencadas para que a empresa Bariri Empreendimentos Culturais executasse durante o período de vigência do comodato. Entre eles reforma do veículo, troca de radiador, troca do vidro traseiro etc. Um laudo de avaliação acompanha o documento do comodato, com diversas fotografias dos problemas mencionados. Algo preocupante também foi o valor em que foi avaliado o Ford T de R$ 120 mil, muito baixo para o ano de 2017 e mais baixo ainda se avaliado não como veículo, mas como um bem histórico.

Contudo passado cinco anos (o contrato vence no dia 8 de janeiro próximo) nada foi feito no veículo, que está exposto vergonhosamente com o radiador apodrecido, com uma espécie de napa imitando o couro dos bancos e o mesmo buraco no vidro traseiro. Isso sem mencionar que a reforma mencionada no contrato não foi realizada.

Radiador completamente apodrecido no Ford Modelo T exposto no Museu Mario Fava. Peça custa 280 dólares no exterior. – DivulgaçãoEste colunista entrou em contato com o Museu Mário Fava que lamentavelmente se recusou a responder as perguntas sobre a reforma do veículo, sobre as manutenções que eventualmente tenham feito e não quiseram responder quem estava respondendo pelo museu. De acordo com quem respondeu às indagações deste colunista interessa apenas “…as partes que lhe dizem respeito”. Parecem ter esquecido que o bem em questão é publico, portanto diz respeito a qualquer cidadão que indagar a respeito.

Mais educada e prestativa em resposta a este colunista, a SPTrans reafirmou que o contrato previa a reforma e recuperação do bem. Sobre ceder o veículo esclareceu que priorizam manter o acervo relacionado ao transporte público, como ônibus e bondes.

Vidro traseiro quebrado há anos, não foi reparado mesmo estando exposto no museu de Bariri (SP). – DivulgaçãoCARRO PRECISA SER DEVOLVIDO PARA SÃO PAULO

A decisão de ceder o veículo para outro museu não pode partir de um grupo de burocratas desconectados da área cultural da cidade. O Museu dos Transportes Públicos é o único museu municipal que não está vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, o que permite que aconteça algumas aberrações que mesmo vendo com os próprios olhos é difícil de crer. Aliás, conforme esta coluna reportou no final de 2022, de todos os museus da prefeitura este foi o único que não reabriu após o fim das restrições da pandemia.

Por isso é realmente necessário que com o fim deste contrato o veículo seja imediatamente devolvido para o Museu dos Transportes Públicos, bem como caso não tenham sido cumpridas as exigências que constam na documentação assinada, que os responsáveis pela falha sejam punidos com o rigor da lei. O ministério público precisa observar este caso de perto.

É importante lembrar que o carro jamais pertenceu ao Mário Fava não justificando assim que o carro fique em Bariri. Por fim, analisando a situação deste carro e do outro que estragou, teria sido melhor se vendidos para Henry Ford.

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