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PT não precisa ajoelhar no milho, mas mostrar que aprendeu com seus erros, diz Arminio Fraga

Por Midia NAS em 07/01/2023 às 16:47:16

Economista Arminio Fraga; ex-presidente do Banco Central e colunista da Folha aguarda ações concretas da nova equipe econômica – 17.10.22 – Rivaldo Gomes/Folhapress

ALEXA SALOMÃOFOLHA DE S.PAULOBRASÍLIA – Apesar de o novo governo lembrar com frequência os acertos das duas gestões anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não dá para fragmentar o governo do PT, afirma o economista Arminio Fraga. O partido mudou a rota na política econômica durante seu período à frente do Planalto, com prejuízos para o Brasil, e o fato de nunca ter admitido os erros dessa estratégia alimenta desconfianças até hoje.

Acho fundamental entender como um todo o período em que o PT governou. Não dá para ser seletivo e escolher apenas a parte que deu certo. Depois do Palocci [ministro da Fazenda Antonio Palocci, de janeiro de 2003 a março de 2006], a estratégia mudou radicalmente —e foi esse erro que desembocou no colapso da economia.”, afirma Fraga, que também é colunista da Folha.

“Mesmo que não se ajoelhe no milho e se faça um mea-culpa —dificilmente um político faz esse tipo de coisa—, seria bom que se mostrasse através da prática que as lições foram aprendidas.”

Os sinais, até o momento, vão numa direção que o preocupa, diz Fraga. Segundo ele, voltar trás na Lei das Estatais e utilizar bancos públicos e a Petrobras para fomentar a economia lembra medidas que fracassaram no passado.

Olhando para a frente, Fraga considera positiva a iniciativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de reduzir o déficit primário deste ano, mas está à espera das medidas de longo prazo que vão sinalizar o que é mais importante, os rumos da política econômica no Lula 3.

“Espero que ele apresente metas para os dois anos seguintes, que levem o saldo primário ao terreno confortavelmente positivo, que, na minha avaliação, teria de ser no mínimo 2% do PIB [Produto Interno Bruto].”

Antes da posse, no final do ano, o sr. afirmou que não se arrependia de ter votado em Lula, mas estava preocupado, especialmente por causa da PEC, que elevou o gasto em 2023. Qual é o estágio de preocupação agora que temos ministros empossados e discurso sinalizando diretrizes? Continua alto. Em grandes áreas, como educação, saúde e meio ambiente, a simples indicação dos ministros nos permite enxergar mudanças muito positivas. Em outras áreas, nem tanto. Na área que acompanho, por ser a minha praia, a economia, os sinais foram dados antes da posse, e não foram bons. A definição de uma estratégia maior está por vir, bem como que passos deverão ser dados e em qual sequência.

Mas o meu voto em Lula teve contornos claramente políticos. Foi um voto preocupado com a nossa democracia —e reafirmo que não me arrependo. Me preocupava mais com o que aconteceria à democracia do Brasil com Bolsonaro do que o que Lula faria na economia, mesmo não tendo clareza quanto a isso. Não há segredo que foi um voto muito mais político do que econômico.

Diria que, afora o primeiro mandato do presidente Lula, eu jamais votaria no PT, por causa do ideário do partido e também de suas práticas. Os sinais que foram dados pelo próprio presidente eleito mostraram, desde cedo, que não seria o modelo do primeiro mandato. Resta a dúvida se será como no segundo, sua versão turbinada no governo Dilma. Mas não importa, meu voto seria o mesmo.

Acho fundamental entender como um todo o período em que o PT governou. Não dá para ser seletivo e escolher apenas a parte que deu certo. Depois do Palocci, a estratégia mudou radicalmente —e foi esse erro que desembocou no colapso da economia.

Eu diria que até falta um pouco de humildade em relação a isso.

Mesmo que não se ajoelhe no milho e se faça um mea-culpa —dificilmente um político faz esse tipo de coisa—, seria bom que se mostrasse através da prática que as lições foram aprendidas.

Por exemplo. O buraco fiscal começou em 2014 e 2015. O colapso da economia que veio a seguir foi um colossal colapso de confiança. Hoje, parte da herança que o presidente Lula recebe veio dele próprio.

Tenho e sido cuidadoso com o pouco que falo e escrevo, esperando posicionamentos do ministro Fernando Haddad e de seus parceiros na economia para, então, fazer uma análise mais embasada. Mas há no ar sinais de que as coisas podem desembocar em outro desastre econômico, e isso de fato me preocupa.

Que sinais? Eu gosto de pensar [o cenário] olhando três grandes áreas em que o governo pode e deve atuar na economia.

Sem nenhum peso dado à sequência, penso que, primeiro, é preciso ter uma macroeconomia que tire do horizonte grandes saltos, riscos e crises. Muita gente diz aqui no Brasil, e não é de agora, que é preciso tirar a economia da primeira página dos jornais. Algo assim.

Depois, tem os aspectos ligados ao crescimento. Crescimento em economia tem a ver com demanda e oferta, mas se fala muito em demanda —naquele modelo “gasto é vida”, e pouca oferta. Isso deixa de lado um aspecto vital [para o crescimento], a produtividade.

Eu ainda não tenho uma visão clara do que o atual governo pensa sobre o tema, mas a gente ouve muita coisa que sugere a volta a um passado fracassado.

Por fim, também temos as urgentes questões sociais e as ligadas às desigualdades e à falta de oportunidades. Elas são importantes em qualquer lugar do mundo, mas em um país extremamente desigual, como o Brasil, resolvê-las é uma condição necessária para que o país possa evoluir. O não tratamento dessas questões empurra o país para o populismo e gera tensões frequentes.

Que fique claro aqui que as respostas à desigualdade são plenamente compatíveis com a aceleração do crescimento. Estou falando de investimento em educação, saúde, segurança e infraestrutura, o que inclui áreas como saneamento e transportes.

Quais seriam os sinais de uma volta ao passado fracassado? São vários pontos. Mexer no que promete grandes avanços, caso do marco do saneamento. Voltar para trás na Lei das Estatais. Usar, Deus sabe como, os bancos públicos. Usar a Petrobras em manipulações que quebraram a empresa no passado.

Será que isso vai acontecer de novo? O que a gente escuta indica que é bem possível.

Como o sr. avalia a prorrogação da desoneração dos combustíveis? Mais para mal. O tema tem várias dimensões.

A favor da volta do imposto temos a questão fiscal. A ordem de grandeza dos valores envolvidos é elevada. Eu incluiria também a questão ambiental. Ela não é muito mencionada, mas o mundo inteiro enxerga a tributação do carbono como uma ferramenta para evitar uma desgraça climática planetária.

Do outro lado está a ideia da inflação no curto prazo. Mas se a gente pensar, temos o bom funcionamento de um sistema de metas de inflação em vigor há 24 anos. O impacto direto do aumento no nível de preços advindo de uma mudança tributária deve ser, em boa parte, acomodado pelo Banco Central, que deve, sim, combater os efeitos secundários.

Suponho que houve receio em cutucar os caminhoneiros com a alta do diesel e que também se pensou nos custos para o sistema de transporte público. Mas, colocando tudo na balança, eu acho que teria sido melhor a volta plena do imposto.

O ministro Haddad afirma que vai reduzir o déficit deste ano revendo, entre outras medidas, o corte de desonerações concedidas na gestão Bolsonaro. Como o sr. vê essa iniciativa? Sob o ponto de vista macroeconômico, essa é a prioridade. Mas eu penso que nós temos que dar tempo ao ministro para ele mostrar qual é o caminho que ele enxerga como possível. Pessoalmente, eu espero que ele apresente metas para os dois anos seguintes, que levem o saldo primário ao terreno confortavelmente positivo, que, na minha avaliação, teria de ser no mínimo 2% do PIB. Esse aspecto da Lei de Responsabilidade Fiscal tem que ser preservado.

E mais, não sou dos que acham que uma boa política macroeconômica se resume a estabilizar a dívida no nível em que ela já está. A dívida está caminhando para 80% do PIB de novo, com uma taxa de juros real muito alta, de fato, e sem a menor chance de que haja uma mágica voluntarista para resolver a questão.

A meta de saldo primário? Sim. Eu acrescentaria também uma meta de gastos, que sempre podem ser sujeitos a chuvas e trovoadas de situações emergenciais. Essa meta pode e deve ser capaz de eliminar aspectos pró-cíclicos da política fiscal.

Esse é um tema que está no ar há muito tempo. Eu me lembro que o discuti com o ministro Palocci antes de ele tomar posse. Não foi possível naquela época. No entanto, entendo que está na hora de introduzir uma política fiscal que tenha elementos anticíclicos

Há duas componentes possíveis.

Uma primeira seria fixar no Orçamento o gasto e a previsão de receita. Se a economia crescer mais rápido, dá para acumular uma gordura, porque a receita vai ser mais alta do que se previa. Simetricamente, se a economia desacelerar, não se fará corte de gastos para compensar a queda na receita.

O outro ponto seria consertar e aperfeiçoar os mecanismos da área social, o que inclui mexer no seguro desemprego. No Brasil, ele não funciona muito bem. Eu não sou um especialista na área, mas há um consenso que as regras então ultrapassadas e, eu diria, até bagunçadas.

Qual o seu balanço sobre a composição da equipe econômica? Eu não quero fulanizar. Está muito cedo para fazer um balanço. Já vimos gente com uma formação muito boa fazer um monte de bobagens microeconômicas, e o contrário também. Pode acontecer qualquer coisa. Eu não sou da escola de Campinas ou da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Muitos deles pararam no tempo, fizeram muita bobagem historicamente, mas isso não quer dizer que vão fazer de novo. Eu acho que realmente é preciso respeitar as pessoas que estão lá e dar a elas uma chance para mostrar o que querem fazer de fato.

O sr. não quer funalizar, mas um que apanhou muito por causa de sua escola foi o economista Guilherme Mello [Secretário de Política Econômica, professor na Universidade Estadual de Campinas]. Acho que ele mesmo deve saber que faz parte. Qualquer um que está nessa posição sabe que vai entrar num turbilhão de críticas, frequentemente injustas e falsas. Se não estiver preparado para isso, é melhor fazer outra coisa.

O que se diz é que, no conjunto, a equipe é diversa. Vão trabalhar juntos Geraldo Alckmin, Fernando Haddad, Simone Tebet e Esther Dweck. Eles são muito diferentes. Bom, vamos lá. A ministra Simone Tebet tem se posicionado, eu diria, mais liberal na economia. O fato de ela ter tido Elena Landau como principal assessora deixa isso absolutamente claro. O vice-presidente Geraldo Alckmin é um quadro histórico do PSDB. Os outros sempre trabalharam mais do lado heterodoxo.

De qualquer forma, eu não vejo porque rotular as pessoas sem dar a elas uma chance de mostrarem o que pretendem fazer como um grupo. É bom ter um pouquinho de calma. Em breve veremos. Aí vamos ter debates substantivos. Eu já passei pelo governo. Sempre achei que o debate crítico era muito útil.


RAIO-X – Arminio Fraga, 65

Economista pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor na área pela Universidade de Princeton, é sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos. Foi diretor-gerente do Soros Fund Management, empresa de investimentos do empresário George Soros (1993 a 1999), e presidente do Banco Central do Brasil (1999 a 2002). Participou da fundação e preside os conselhos do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do IMDS ( Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social)

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