O psiquiatra Flávio Falcone, que coordena o projeto Teto, Trampo, Tratamento, disse que um grupo de frequentadores da Cracolândia ateou fogo em objetos e fez barricadas na rua devido à violência policial promovida pela GCM ao longo do dia. “Eles fizeram o fluxo [concentração de pessoas da Cracolândia] andar o dia inteiro, sem parar. Impediram a distribuição de marmitas [por voluntários]. Não deixaram eles nem sentarem para comer a marmita”, disse.
A antropóloga e pesquisadora Amanda Amparo diz que a repressão policial se intensificou nas últimas quatro semanas, após a ação que dispersou a concentração de pessoas que ficava de forma fixa na Rua Helvetia. “A lógica da circulação se intensificou muito”, afirma. Além disso, há a notícia de que a prefeitura pretende promover internações forçadas dos usuários de drogas. “A ideia da internação involuntária está correndo. Está todo muito tenso, com muito medo, por causa disso”, acrescenta.
No último dia 11 de janeiro, o prefeito Ricardo Nunes disse que seria anunciado hoje (23) um novo programa para a região da Cracolândia. Na ocasião, o secretário municipal da Saúde, Luiz Carlos Zamarco, disse que os serviços públicos tinham dificuldades de promover a adesão por vontade própria das pessoas com problemas de consumo abusivo de drogas.
Além disso, Nunes defendeu, na ocasião, as ações em que a oferta de atendimento de saúde é feita após os usuários serem levados à delegacia, onde é feito um registro de ocorrência. Em seguida, a pessoa é enviada para fazer uma avaliação médica e ser encaminhada para uma internação para desintoxicação.
Amparo, que tem pesquisado justamente essa forma de atuação, afirma que essas ações não têm promovido melhora da qualidade de vida das pessoas vulnerabilizadas da região. “Não tem nenhum caso de sucesso mediado pela segurança pública para chegar até o equipamento de saúde”, ressalta.
Para ela, caso as internações forçadas passem a ser usadas de forma ampla, a situação tende a se agravar. “Vai existir uma série de problemas por conta disso, porque as pessoas não vão ficar paradas esperando ser levadas a contragosto” prevê.
A pesquisadora acredita que o ideal seria que as políticas para a região fossem baseadas na oferta de moradia. “Quando você vai conversar com os próprios usuários, é o que eles mais dizem, que se eles tivessem onde ficar mais seguros eles não ficariam na rua”, destaca Amparo.
A avaliação é compartilhada por Falcone. “A moradia é uma questão central na vida dessas pessoas, em que o crack é usado para esconder o real problema, que é social”, afirma.
Hoje, o prefeito participou de um almoço com o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Segundo a agenda do chefe do Executivo municipal, também estava prevista a participação do vice-governador, Felício Ramuth, responsável por gerir as questões relativas à Cracolândia pelo governo estadual, além do procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, Mário Sarrubo, e o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Ricardo Anafe. Porém, nenhum anúncio foi feito.
Nem o governo estadual, nem a prefeitura responderam à reportagem da Agência Brasil sobre a data de lançamento do novo programa.
Em relação ao tumulto da noite de ontem, a prefeitura diz que a GCM foi até a Rua dos Gusmões após a via ter sido fechada pelos frequentadores da Cracolândia. Ainda de acordo com a nota, a GCM foi recebida com pedras lançadas pelo grupo de pessoas. “A situação foi rapidamente controlada pelo efetivo da GCM e a via foi liberada”, resume o comunicado a respeito da operação.
A prefeitura diz ainda que desde dezembro intensificou o patrulhamento na região, aumentando o contingente de guardas municipais, motos e viaturas. “As ações da GCM visam garantir a proteção da população local, das pessoas em situação de vulnerabilidade e dos agentes públicos das Secretarias de Assistência e Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, Saúde e Subprefeituras durante a execução dos serviços municipais realizados na região”, acrescenta a nota.