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Solda contra as drogas: mulheres em tratamento aprendem nova profissão
Luciana é uma das 35 milhões de pessoas que sofrem de transtornos relativos ao uso desenfreado de substâncias psicoativas e necessitam de tratamento. O dado consta no Relatório Mundial sobre Drogas, realizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).
No Distrito Federal, há 12 comunidades terapêuticas com tratamento gratuito a dependentes químicos custeados pela Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do DF (Sejus). Das clínicas, apenas uma recebe mulheres. De acordo com a Sejus, atualmente 11 acolhidas estão em tratamento contra o vício em drogas.
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Luciana experimentou cocaína com 40 anos por influência de um namorado usuário de drogas. Ela contou ao Metrópoles que depois da primeira vez, achou que poderia usar o estimulante sem ter prejuízos, mas acabou se afastando da família e dos filhos de 12, 21 e 23 anos. A mulher trabalhava há 10 anos em uma empresa de vigilância quando foi demitida por faltar duas semanas de serviço enquanto usava a droga.
“A cocaína não roubou só o convívio com a minha família, ela me deixou no fundo do poço. Eu cheguei em um ponto que vivia para usar e usava para viver, porque não conseguia mais enfrentar a realidade. Acabei me afastando da minha família por vergonha e deixei meus filhos sem notícias minhas. Tinha um emprego bom, que também tive de abandonar”, lamentou.
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Luciana Mendes, 42, está na casa há 4 meses Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Espaço fica em São SebastiãoFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Luciana começou a usar drogas aos 40 anosFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Mulher deve receber alta em marçoFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Ela tem três filhos que esperam ela sair do reabilitação Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Luciana é vigilante Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
0Luciana conta que os dois irmãos também eram viciados em drogas. O mais velho, de 43, está internado para tratamento; o mais novo, de 30, morreu após uma overdose. “Sempre cuidei dos dois. Lutei a vida toda por eles e era totalmente contra as drogas, mas a gente nunca sabe o dia de amanhã, né? Nunca imaginei que me viciaria também”.
Com dois anos de usuária, a mulher chegou a vender carro, casa e apartamento para comprar droga. Ela relata que vivia em um relacionamento abusivo com o namorado e que diversas vezes foi ameaçada para conseguir mais dinheiro e alimentar o vício dos dois. Quando percebeu que não tinha mais nada, Luciana pediu ajuda ao ex-marido para buscar tratamento.
Empreendedorismo
Em busca de apoio, ela e o ex companheiro acharam à comunidade terapêutica Salve a Si, localizada na área rural de São Sebastião. O local oferece moradia, alimentação e todo suporte que a acolhida precisa para coibir a recaída. Agora, um projeto do espaço oferece às mulheres um curso de soldadora de estruturas metálicas para estimular a reinserção social.
O fundador da Salve a Si, Henrique França, explicou à reportagem que o projeto funciona como um estimulante de empoderamento feminino e oportunidade de inserção no mercado de trabalho, muito importante no tratamento. Além disso, as acolhidas irão construir o próprio galpão de atividades coletivas da clínica.
“Enquanto mulher não dependente química, o seu papel social se desenvolve entre os estigmas da maternidade, fragilidade, fidelidade, entre tantos outros, mas esse papel se modifica quando a dependência química nas mulheres é percebida pela sociedade, incluindo o espaço familiar, que passa a julgá-la como irresponsável, promíscua, amoral, incapaz de cuidar da família e dos filhos. Devolver o empoderamento feminino, a auto estima e o autocuidado à essas mulheres é fundamental para o tratamento”, finalizou Henrique.
Veja mulheres em aula prática
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Deuzeny Araújo, 26, também faz parte das mulheres acolhidas Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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A mulher está na casa há quatro mesesFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Mulheres da Casa Maria de Magdalena recebem aulas de serralheriaFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Thaís de Moura, 30 anos, é uma das acolhidasFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Vânia Cortes, 53, está no local por causa do vício em cocaínaFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Maria Betânia dos Santos, 49, participa do curso de soldador de metalFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Mulheres acolhidas na casa recebem curso de serralheria, que facilita a inserção no mercado de trabalhoFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Casa Maria de Magdala é uma comunidade terapêutica localizada no núcleo rural de São SebastiãoFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
0Apesar de já ter uma profissão, Luciana diz que pensa em seguir como soldadora quando sair da clínica. “A possibilidade de aprender algo novo é muito boa. A gente tem realmente a chance de voltar para o mundo com uma nova vida. Eu não sei se vou conseguir seguir na atividade que eu já exercia, então ter uma nova formação é uma felicidade para mim e para todas aqui”, comenta vigilante.
A professora de psicologia na Universidade de Brasília e pesquisadora em autonomia e trabalho feminino, Carla Antloga, explica que o empreendedorismo é um caminho para inserção da dependente química em tratamento no mercado de trabalho.
“Empreender no Brasil é desafiador. Para mulheres, é ainda mais duro. Para adictas é preciso ter um projeto que seja bem estruturado, pensado e responsável, para que essa mulher consiga realmente se estabelecer nesse universo. É realmente um caminho bom, mas em um cenário muito complicado”, explica Carla.
Auditório
O curso de soldador de estruturas metálicas acontece duas vezes na semana para as acolhidas da Casa Maria Magdala. O projeto acontece desde novembro e as meninas já estão na parte prática.
Além de aprenderem todas as técnicas, as alunas estão animadas com a possibilidade de construírem um auditório para a clínica. O espaço será utilizado para aulas de corte e costura, aparelhos de academia e outras atividades coletivas.
“Não temos um espaço como esse que será construído agora. Vai nascer das mãos delas e estão todas muito animadas. É importante se sentir parte do processo, é importante a atividade para ocupar a cabeça e será fundamental ter essa atividade que elas podem exercer quando saírem daqui”, ressalta Henrique.
Veja espaço da casa de acolhimento
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Espaço acolhe mais de 20 mulheres de 18 a 59 anosFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Elas cuidam de uma horta no localFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Todos os dias passam por terapeutas, psicólogos e grupos de apoioFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Tratamento pode durar até um ano no localFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Espaço também recebe mulheres grávidas e com crianças de até um anoFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Tratamento é totalmente gratuito Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Henrique é o fundador e terapeuta das mulheresFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Casa se mantém com doaçõesFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
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Mulheres praticam atividades físicas no localFoto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
0Atualmente, a Salve a Si, conta com duas unidades. O centro de tratamento para dependência química feminina, inaugurado em 2020, em plena pandemia, tem 26 leitos, com 25 ocupados. O espaço também recebe grávidas e mulheres com filhos de até dois anos.
As pacientes contam com cinco refeições por dia, além de assistência 24 horas de diversos profissionais, como conselheira e assistentes sociais. O tratamento é 100% gratuito e pode durar de seis meses a um ano. A casa ainda depende de doações para se manter.
Quem quiser ajudar a Salve a Si pode fazer doações na seguinte contas:
Banco do Brasil
Agência: 2887-8
Conta: 25.050-3
CNPJ: 11.208.669/0001-90
A Organização Não-Governamental (ONG) também disponibiliza uma plataforma on-line para as doações (clique aqui).
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