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Mãe arrependida de dar filha para doação: "Pensei que não estava pronta"

Por Midia NAS em 22/02/2023 às 04:22:40

Juliana* descobriu a gravidez da primeira filha dois dias antes de entrar em trabalho de parto, em julho do ano passado, por meio de um exame de rotina. Ela conta que, durante o período de gestação, não teve sintomas aparentes de estar carregando uma criança no ventre, e a descoberta foi uma surpresa.

“Estava tudo completamente normal. A menstruação descendo regularmente e a minha barriga não teve alteração no tamanho. Eu entrei em pânico com a notícia da gravidez e não tive nem tempo de processar a informação. No calor do momento e sem saber o que fazer, informei que não ia ficar com a criança, pois não tinha condições financeiras também”, relembra.

Em 2022, 71 mães e gestantes procuraram a 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF (1ª VIJ-DF) com a intenção de fazer a entrega voluntária para adoção. Dessas, 39 desistiram de dar continuidade ao processo, uma delas sendo a personagem desta reportagem.

Infográfico com desenho de grávida

No caso de Juliana, a decisão de rever a entrega para adoção da filha ocorreu após a intimação da sentença extintiva do poder familiar. “Depois que a bebê nasceu, fiquei bastante pensativa e muito triste em entregá-la. É muito difícil dividir um quarto de hospital com outras mulheres que também acabaram de dar à luz e estão ali segurando seus filhos recém-nascidos e, no meu caso, eu estava ali só. Já estava sofrendo demais desde o primeiro momento”, relembra.

O arrependimento e o desejo de ficar com a criança aumentaram ainda mais depois que ela decidiu visitá-la na casa de apoio em que havia sido levada. “Mexeu muito comigo vê-la, comecei a criar um vínculo que não tive durante a gestação. Senti muita saudade dela nesse período longe. Eu já tinha passado por audiência com o juiz e confirmado a adoção, mas pouco tempo depois, fui atrás da Defensoria Pública e decidi que não queria entregar. Foi um tiro no escuro a tentativa”, conta.

A Justiça determina que a retratação pode ser concedida desde que a reconsideração seja manifestada dentro do prazo legal de 10 dias. Como a mulher foi representada pela Defensoria Pública do DF (DPDF), o prazo é dobrado.

Na ação em questão, a mãe colocou a filha para adoção em 30 de agosto de 2022. O pedido para reaver a guarda da criança foi encaminhado à DPDF, em 6 de setembro de 2022.

A petição do defensor público foi apresentada em 12 de setembro de 2022. O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) manifestou-se a favor da mãe e invocou o direito da criança à convivência familiar e comunitária, solicitando a modificação da situação e a entrega imediata da filha à mãe.

Na decisão, o desembargador relator ponderou que a autora deu à luz 27 de julho de 2022 e, “apesar de ter manifestado o não interesse em ficar com a criança”, deve-se se considerar a idade dela e os efeitos do estado gestacional e puerperal.

“Eu havia sido informada que já tinha uma família na lista apta para adotá-la. Colocar uma criança para adoção tem que ser uma decisão muito bem tomada, é difícil abrir mão da maternidade. No momento do susto, ao descobrir a gravidez, pode parecer que não tem saída, mas nós temos opções e uma rede extensa de apoio. Em primeiro lugar, manter a família unida, ou mostrar que a solução não é o aborto”, ressalta Juliana.

Por unanimidade, a Turma determinou a retirada do nome da criança do cadastro de adoção e pediu a entrega imediata para a mãe, em atenção à manifestação de vontade, ao equilíbrio emocional e ao melhor interesse da criança. O processo corre em segredo de Justiça.

Mais sobre o assunto

Durante esse processo, Juliana conta que também buscou acolhimento na ONG Santos Inocentes, localizada em Samambaia. Uma instituição católica que realiza diversos trabalhos em defesa da vida de crianças e mães do DF. “Consegui apoio psicológico com eles, eles me auxiliaram bastante durante esse período, até mesmo com o enxoval”, diz.

Juliana revela que só contou para a família da gravidez após conseguir reaver na Justiça a guarda da criança. “Até então, meu marido também não soube da gestação e nem que eu havia colocado para a adoção, decidi contar apenas depois. Eu queria ter uma filha, mas me assustei muito, estávamos em uma época muito difícil financeiramente. Sofri demais com a adoção”, detalha.

Entrega voluntária para adoção

Qualquer gestante ou mãe que, por alguma razão, não queira ou não possa assumir os cuidados maternos em relação ao próprio filho pode procurar a Justiça Infantojuvenil e formalizar o interesse de aderir à entrega voluntária, com a garantia do sigilo do ato.

No DF, o atendimento é feito pela Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (Sefam/VIJ-DF). A entrega voluntária em adoção é uma ferramenta legal prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Desde 2006, a VIJ-DF realiza um serviço pioneiro e específico com as mulheres que procuram a Justiça com vistas à entrega legal em adoção. Trata-se do Programa de Acompanhamento a Gestantes, iniciativa que promove o acolhimento e a orientação das participantes, por meio de uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais.

O psicólogo Walter Gomes, supervisor da Sefam, explica que a existência de um espaço psicossocial e jurídico para essas mulheres garante que ela tenha segurança pra construir com responsabilidade e segurança a melhor decisão quanto ao futuro da criança.

”Ela acaba se sentindo empoderada, pois tem uma escuta qualificada, consegue reorganizar os sentimentos tumulados, ressignificar a condição de vulnerabilidade através dessa assistência. O empoderamento serve tanto para que ela entregue quanto decida permanecer com o filho. Nosso papel é protetivo”, ressalta Walter.

A possibilidade jurídica de entregar um filho para adoção se apresenta como alternativa ética e legal a práticas de abandono, infanticídio, tráfico humano ou mesmo esquemas irregulares de entrega a terceiros.

“Quando você trabalha que a entrega em adoção não é um abandono, e sim que a mulher se deparou com um limite, em razão da sua própria incapacidade de suprir a necessidade da criança, ela se conscientiza da sua limitação e demonstra respeito e amor ao entregar para a Justiça. O importante é que ela receba esse suporte e tenha uma escuta sem julgamento”, pondera o supervisor.

Sigilo garantido

A garantia do sigilo judicial é outro fator encorajador. “Ele funciona como uma espécie de escudo para proteger as mulheres de eventuais julgamentos ou constrangimentos que, muitas vezes, são perpetrados pela família ou por vizinhos e amigos. As mulheres desejam ser acolhidas e respeitadas em sua intimidade, em sua privacidade e em sua dignidade”, diz o supervisor.

Em todas as etapas do acompanhamento psicossocial no âmbito da Justiça Infantojuvenil, é adotada uma abordagem humanizada, focada no respeito à intimidade, à privacidade e ao direito de fazer escolhas dessa mulher.

Canais de atendimento

As gestantes, parturientes, mães ou familiares que se encontrem em situação de potencial entrega de criança em adoção devem procurar a equipe interprofissional da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude (Sefam/VIJ-DF), localizada na SGAN 916, Módulo F, Fórum da Infância e da Juventude, na Asa Norte.

Outros canais de atendimento da Sefam são pelo e-mail sef[email protected] ou pelo WhatsApp 61 9272-7849.

(*) nome fictício para resguardar a identidade da família.

 

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