"É um absurdo ter 36 jurados e não ter um negro sequer para avaliar uma manifestação que é, basicamente, de base africana. É preciso conhecer essa cultura para saber o que está sendo feito e como aquilo pode ser avaliado dentro de olhares voltados para a tradição que está sendo representada ali”, ressaltou Helena.
Para Helena, a tradição cultural negra africana no Brasil é sempre colocada de lado, considerada inferior, quando se tem um processo de mais de 10 mil anos que é de nível intelectual e erudito muito grande. “A gente trabalha com território, com a coletividade, com preocupação com a natureza, com as crianças. E tudo isso está dentro das escolas de samba”, afirmou.
Para Helena, a A escola de samba traduz a maneira de ser e viver dos africanos que vieram para o Brasil. “Nada disso é conhecido, nem entendido pelos jurados”, diz a professora Helena Theodoro.
Helena disse que o papel da escola de samba é contar uma história e lembrou que, além disso, traz problemas sociais, traz história do povo. Para ela, o júri formado pela Liesa não tem condições de entender o que está sendo transmitido ali. “A Liesa deveria ter outros critérios na escolha dos jurados. Temos tanta gente da velha guarda, tanta gente boa do mundo do samba que poderia estar julgando as escolas.”
Na opinião de Helena, escolas tradicionais, como Mangueira, Portela e Império Serrano não deveriam entrar em disputa e deveriam desfilar hors concours, ou seja, fora de julgamento, porque têm uma história representativa. A professora destacou que o carnaval do Rio de Janeiro é referência para o mundo e que as escolas de samba representam nitidamente o Brasil, assim como a feijoada, o samba, as baianas e outras manifestações de origem negra.
O radialista, compositor e sambista Rubem Confete, apresentador do programa Histórias do Confete, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), lembrou que a maioria de brancos entre os jurados dos desfiles das escolas de samba é um fenômeno que ocorre há algum tempo. “No tempo do Zacarias Siqueira [vice-presidente da Liesa, morto em 2020)], ele chegou a convidar amigo de praia. Pessoas sem a menor responsabilidade sentam ali naquele camarote e vão julgar o que não conhecem”, disse Rubem Confete à Agência Brasil.
Ele afirmou que o regulamento da Liesa é um verdadeiro tratado, construído em 1988 pelo médico Hiram Araújo. Na época, Confete já dizia: “Vocês estão construindo um tratado de difícil interpretação e convidam pessoas para, de repente, em duas ou três sessões, aprenderem aquilo. Não vai dar certo. Há muitos anos eu venho reclamando a respeito disso. Agora, outras pessoas estão vindo reclamar também.”
Para Confete, é difícil convidar um amigo para ser jurado, mesmo que tenha formação acadêmica, porque pode estar totalmente fora dos parâmetros da arte do samba. O júri deveria ser composto por pessoas que conhecessem as escolas de samba, os quesitos de que estão tratando, disse ele. “Isso aí porque, indiscutivelmente, o desfile é de uma grandiosidade incrível, e os jurados avaliam sem ter a mínima noção do que está acontecendo.”
Em nota encaminhada à Agência Brasil, a Liesa disse que se orgulha de “ter no júri oficial profissionais experientes e talentosos de variadas áreas de atuação” e que faz”ampla e rigorosa seleção com base em currículos, conhecimento de carnaval e histórico de carreira, sem que haja qualquer distinção à cor da pele ou identidade de gênero”.