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Atrasos, batidas e bilhões: como o monotrilho virou o "mico" de SP

Por Midia NAS em 13/03/2023 às 05:35:32

Seria um trem elétrico, controlado por computador, em vias elevadas (e que, por isso, requeria menos desapropriações, barateando os custos). Dizia-se que o quilômetro do monotrilho custaria, em valores da época, até R$ 95 milhões, ante R$ 380 milhões do valor de um quilômetro de metrô. Além disso, a implementação de uma linha demoraria metade do tempo de uma linha do metrô convencional. Era o passaporte de São Paulo para a modernidade.

Passados 14 anos, uma outra realidade se impôs. O sistema é sinônimo de obras atrasadas, gastos exorbitantes e acidentes que colocam pessoas em risco. De seis linhas que foram prometidas à cidade, apenas duas resultaram em obras. E só uma está em funcionamento, até hoje parcial.

Acidentes em série

Nesta semana, ocorreram dois acidentes que, de acordo com as promessas políticas, jamais poderiam acontecer. Na terça e na quarta-feira (7 e 8/3), antes de a operação comercial da Linha 15-Prata começar, dois trens se colidiram (uma batida na quarta e outra na quinta), mas por sorte sem deixar feridos.

A impossibilidade de batidas era graças ao sistema de controle, chamado CBTC (Controle de Trens Baseado em Comunicação, na sigla em inglês), movido sem ação humana.

O Metrô ainda não informou quais foram as causas para as colisões desta semana. Mas esse caso tido como pontual é apenas um de uma lista ampla de problemas que expuseram a população a riscos:

  • Janeiro/2023: Uma trinca no trilho de concreto paralisou a circulação de trens durante uma tarde.
  • Setembro/2022: Uma placa de um dos trens caiu na Avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello.
  • Fevereiro/2020: Um pedaço de um pneu (os trens rodam sobre pneus) caiu na rua.
  • Janeiro/2019: Ocorreu a primeira batida entre dois trens, também antes do início da operação comercial. Uma peça caiu na rua.

Operação parcial

A Linha 15-Prata, única da cidade em operação, deveria sair da Vila Prudente, no começo da zona leste, e ir até o mais distante dos bairros da capital, a Cidade Tiradentes. Seriam 52 trens operando em sistema de carrossel, percorrendo uma distância de 23,8 km em 17 estações em 50 minutos.

A linha hoje tem apenas 11 estações e já custou R$ 5,2 bilhões. O governo planeja mais duas estações, que devem consumir ao menos mais R$ 1,8 bilhão.

Parte dos motivos de a linha não ir hoje até Cidade Tiradentes é porque o plano original contava com desapropriações que a Prefeitura teria de fazer. Sem confiar nas promessas da gestão Kassab, o sucessor Fernando Haddad (PT) não arcou com esses custos. Mas parte se deve também ao subdimencionamento do valor da obra, que se mostraram muito maiores do que o prometido.

Linha 17

Mas é a Linha 17-Ouro, na zona sul, que concentra mais problemas. Esta seria a linha da Copa do Mundo. Ligaria o Aeroporto de Congonhas à Estação Jabaquara do Metrô, em uma ponta, e ao Morumbi, na outra, onde fica o estádio do Morumbi, do São Paulo, na época candidato a sediar os jogos, em um percurso de 21,5 km com um custo, em valores corrigidos pela inflação, de R$ 6,5 bilhões.

A construtora Andrade Gutierrez, escolhida por licitação para a obra, deixou o projeto em 2015, um ano após a promessa de entrega do projeto, já no governo do atual vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), com menos de 30% das obras concluídas e entre uma de troca de acusações entre a empresa e o Metrô.

Olha da Linha 17-Ouro
Esqueleto de concreto da Linha 17-Ouro do Metrö

A empresa questionava a qualidade dos projetos, tidos como inexequíveis. O governo apontava atrasos da empresa na conclusão das ordens de serviço. Com a operação Lava Jato em andamento, a capacidade da empresa de manter a empreitada se esgotou.

Naquela época, a linha já havia sido reduzida para um traçado até a Marginal do Pinheiros, metade do traçado original. Hoje, o projeto é de um ramal de apenas 6,7 km que, segundo levantamento feito pelo Metrópoles, já consumiu R$ 4,04 bilhões, em valores atualizados.

De acordo com dados do Metrô, apenas 61% das obras civis já desse traçado editado estão concluídos – a Coesa, antiga OAS, empresa que toca o projeto, passa por um processo de desligamento conduzido pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), o que deve novamente causar paralisação da construção, em meio ao mesmo tipo de troca de acusações que a linha viu há oito anos.

Histórico de atrasos

Em 2009, o monotrilho era um projeto conjunto da Prefeitura de São Paulo, controlada pelo agora secretário estadual de Governo Gilberto Kassab (PSD). O secretário de Transportes era o agora ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. No lado do governo do Estado, o secretário José Luiz Portella foi o autor da proposta, conduzida por José Serra (PSDB).

As empresas do ramo exerciam grande influência nos políticos da época, que viviam um momento de expansão de gastos públicos. Kassab, por exemplo, chegou a conhecer um sistema em funcionamento no Japão, a convite da fabricante Hitachi. A canadense Bombardier tinha profissionais de relações públicas defendendo a proposta para jornalistas e acadêmicos que desconfiavam de tantas vantagens.

A cidade teve seis projetos em andamento, simultaneamente. As Linhas 15-Prata e 17-Ouro estavam com minutas de um edital de licitação circulando e o governo faria ainda a Linha 16-Bronze, que chegaria ao ABC, enquanto a Prefeitura teria ramais na Vila Sônia (zona oeste), na Avenida Celso Garcia (na zona leste) e no M"Boi Mirim. Conforme os técnicos iam se debruçando sobre a proposta, porém, os ramais foram morrendo.

No fim, Kassab repassou R$ 1 bilhão ao governo estadual para a Linha 15, e o governo federal usou recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Linha 17.

Primeira proposta

A “febre” do monotrilho de 2009 terminou com a execução de obras, mas não foi a primeira que acometeu a capital paulista.

Em 1958, a Monorail Inc. era uma empresa dos Estados Unidos que tentava emplacar o modelo pelo mundo e tinha como “vendedor” um ex-coronel do Exército daquele pais, S.H. Bingham, herói da II Guerra Mundial, que havia sido gerente geral e diretor da Autoridade de Trânsito de Nova York.

Bingham conheceu o engenheiro-chefe do sistema de Transportes Urbanos de São Paulo, Anders Starck, e chegou a levá-lo ao Texas para conhecer o sistema.

O ex-coronel aterrissou naquele mesmo ano na extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) com o primeiro projeto de monotrilho do País. Os jornais registraram que uma milha (1,6 km) da linha custaria US$ 3 milhões.

O primeiro sistema dessa natureza nas Américas seria inaugurado no ano seguinte, no parque Disneyland, na Califórnia. Na época, já havia um sistema em Tóquio, no Japão, e outro na Alemanha, que operava desde 1901.

O sistema de ônibus de São Paulo era tão superlotado em 1958 que, segundo estimativas de Starck da época, cerca de 25% dos passageiros sequer pagavam passagem: havia tanta gente nos ônibus que as pessoas não conseguiam chegar às catracas.

Hoje, a Linha 15-Prata transporta 1,5 milhão de passageiros por mês. É menos de um décimo do que transportam as Linhas 1-Azul e 3-Vermelha, as principais da rede.

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