A construção de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode ser a alternativa para encerrar a mais recente crise entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Desta vez, o impasse envolve o rito de tramitação das Medidas Provisórias (MPs) no Parlamento brasileiro. A iniciativa, de autoria do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é vista como um indicativo de trégua entre os líderes das duas Casas Legislativas. O motivo das rusgas entre Lira e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, é a posição contrária do deputado do Centrão à retomada das comissões mistas para análise e discussão das medidas provisórias. Desde 2002, as MPs editadas eram analisadas por uma comissão mista, composta por 12 deputados e 12 senadores, e número igual de suplentes, que discutiam e votavam o projeto, então enviado para os plenários. No entanto, durante a pandemia, os trabalhos das comissões foram suspensos, e as medidas provisórias passaram a ser apreciadas primeiro na Câmara e depois no Senado. A mudança seguiu sendo adotada mesmo após o fim da emergência sanitária, o que desagradou os membros da Casa Alta, que reclamavam da demora dos deputados na análise dos textos. Na prática, isso drenava os poderes dos senadores, que tinham prazos curtos para discutir mudanças mais aprofundada dos textos. No jargão político, os 81 parlamentares se tornaram meros carimbadores das decisões. “No dia a dia, o Senado tem sido prejudicado com o envio de medidas que estão prestes a prescrever”, resumiu ao site da Jovem Pan o senador Luis Carlos Heinze (PP-SC), expondo a problemática situação.
Com o arrefecimento da pandemia e a volta dos trabalhos presenciais no Congresso em fevereiro deste ano, Rodrigo Pacheco assinou um ato determinando a volta das comissões. Lira, no entanto, não seguiu o mesmo caminho. E há uma explicação prática para isso: o ritual atual dá mais poder ao líder do Centrão, que ganha poder de barganha para negociar a aprovação das medidas provisórias junto ao Palácio do Planalto. O imbróglio paralisou a tramitação das MPs e resultou na judicialização da questão: o senador Alessandro Viera (PSDB-SE) ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF),“em face da omissão do presidente da Câmara em retomar o rito constitucional das medidas provisórias”. À reportagem, ele disse esperar que “a Constituição seja cumprida” e afirmou que “acordos não superam o descumprimento da Constituição”, ressaltando que a ideia de uma PEC para mudar o rito das medidas provisórias “não faz sentido e não resolve o descumprimento já presente”. Em outras palavras, ele alega que a norma constitucional “deve valer para todos” e afirmas que, agora, caberá à Corte Suprema decidir se Arthur Lira “é o rei do Brasil”. “Impedir a formação de comissão mista e a realização de debates sobre temas relevantes para o país é mais um ato autoritário e ilegal de Lira”, acrescentou o senador.
Mais do que paralisar os trabalhos do Legislativo, a queda de braço entre Câmara e Senado arrastou o governo Lula para o epicentro da crise, já que há cerca de 15 medidas provisórias já editadas aguardando a apreciação do Congresso. Uma delas versa sobre a reestruturação do governo e caduca em abril. Se não for votada pelas duas Casas, no limite, a estrutura pública da gestão Lula 3 voltaria a ter a configuração do governo Bolsonaro. Em outras palavras, voltaria à estaca zero. Outra MP que aguarda o aval dos parlamentares é a da reoneração dos combustíveis. Em razão disso, os articuladores do Planalto entraram em campo para articular a criação de uma proposta que alteraria um trecho da Constituição, suprimindo a necessidade da formação de comissões mistas para análise das MPs. Na prática, a ideia acaba com as comissões mistas de forma definitiva e prevê alternância na prerrogativa das Casas em iniciar a análise dos textos. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AM), avalia que a PEC pode acabar com o impasse entre as Casas, que inviabilizou a votação das MPs. Lideranças do Planalto e senadores da base estimam, inclusive, que podem aprovar a proposta até o dia 5 de abril.
“Interessa para o governo a resolução o quanto antes dessa controvérsia”, disse o parlamentar. Ele assegurou não haver um temor de que as medidas caduquem e afirma estar “muito otimista”. “Estamos muitos próximos dessa solução”, acrescentou. No entanto, a posição não é consenso entre parlamentares da base. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), por exemplo, defende que a discussão sobre a PEC não afasta a necessidade de que a Constituição seja cumprida imediatamente e cobra a instalação das comissões, independente das futuras mudanças. “Tramitação das PECs não tem nada a ver com o cumprimento da regra constitucional. Esse cumprimento tem que se fazer imediatamente. Ele [Arthur Lira] não pode impedir que o Senado cumpra o seu papel”, diz. Renan e Lira, vale dizer, são adversários políticos no Estado de Alagoas.
O raciocínio de Calheiros é defendido por Fabiano Contarato (PT-ES), líder do Partido dos Trabalhadores no Senado Federal. À reportagem, o petista reconheceu que os parlamentares da Casa Alta não podem ser “dogmáticos e intransigentes quanto aos ritos estabelecidos”, mas disse que, atualmente, a ausência das comissões faz com que as medidas provisórias cheguem ao Senado “em vias de caducar, tornando a Casa um mero carimbador do que decidido pela Câmara”. Contarato também avalia a possibilidade de mudança na tramitação, mas afirma que qualquer modificação deve ser “balizada pela igualdade entre as Casas, sem depreciar a atuação do Senado ou da Câmara”. “O entendimento e o diálogo sempre serão as vias largas pelas qual a nossa democracia deve trafegar. A Constituição, contudo, deve ser seguida sempre, sem prejuízo de debatermos eventual alteração”, concluiu. Atual líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB), o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) disse ao site da Jovem Pan que participou da reunião de líderes na última quinta-feira, 16, que tratou sobre as MPs e que a tensão entre Lira e Pacheco está superada. “Fiz essa colocação com o presidente Pacheco. Ele me falou que está tudo bem, que realmente se afastou [de Lira] e teve uma semana que não se falaram, mas que eles se entenderam em relação à tramitação. Vai revezar, uma lá e uma cá. Até ontem não estava bem, mas a partir de hoje está tudo bem”, assegurou.