Esses diplomatas, que falaram sob reserva à coluna, creem que Lula assinará pelo menos um memorando de entendimento para a entrada do Brasil na chamada Nova Rota da Seda, também conhecida como “Belt and Road Initiative” (“Iniciativa do Cinturão e Rota”, na tradução livre do inglês).
Trata-se de um megaprojeto do governo da China que despeja cifras bilionárias em investimentos e projetos de infraestrutura pelo mundo afora e é um dos principais instrumentos da ofensiva chinesa para ampliar seu raio de influência no mundo e tentar fazer frente ao domínio dos Estados Unidos na geopolítica global.
A possível adesão do Brasil foi um dos principais pontos postos à mesa pelo governo chinês nas tratativas diplomáticas para chegar à versão final do comunicado oficial que sairá do encontro entre Lula e Xi Jinping, com uma síntese de todos os acordos acertados entre os dois governos.
O documento está alinhavado desde antes de o presidente brasileiro cancelar a viagem à China por motivos de saúde. É possível que, com o adiamento da visita, ocorram alguns ajustes pontuais no texto, mas o que há de mais substancial já está definido.
Lula se encontraria com Xi Jinping no último dia 28 de março em Pequim, mas cancelou a viagem por recomendação médica após ser diagnosticado com pneumonia. Nesta sexta-feira, o Planalto anunciou que a visita foi remarcada para os dias 13 e 14 de abril. O embarque para a Ásia está programado para o dia 11.
A possível adesão à Nova Rota da Seda é um tema delicado porque tem potencial para melindrar a boa relação que o Brasil mantém com os Estados Unidos, mais ainda nestes tempos de acirrada polarização global que opõem China e Rússia a americanos e europeus — a guerra na Ucrânia, como se sabe, tem pintado com cores fortes as diferenças.
O contexto explica o secretismo em torno da adesão do Brasil ao megaprojeto. Justamente em razão da sensibilidade do assunto e de seus possíveis reflexos diplomáticos, as tratativas sobre esse tópico da agenda com a China têm sido limitadas à alta cúpula do Itamaraty e a um grupo restrito de assessores presidenciais.
Indagada sobre as chances de a adesão do Brasil — ou ao menos a intenção de aderir — ser anunciada na visita de Lula a Xi Jinping, uma fonte da cúpula do Itamaraty limitou-se a dizer que esse assunto foi “um dos pontos do comunicado proposto” pelo governo chinês.
A questão é, antes de tudo, política e está diretamente ligada à guinada na estratégia da diplomacia brasileira a partir da posse de Lula. Sob a orientação do ex-chanceler Celso Amorim, conselheiro do presidente para assuntos internacionais, o Brasil já sinalizou que pretende voltar a apostar no fortalecimento dos Brics, o bloco de países emergentes do qual faz parte junto com Rússia, Índia, China e África do Sul.
O bloco foi pensado para funcionar como um polo alternativo de poder no tabuleiro da política global, historicamente dominado pelas nações mais ricas do mundo. Lula quer apostar nessa frente. A recente indicação, pelo governo brasileiro, de Dilma Rousseff para chefiar o banco de desenvolvimento criado pelos Brics, com sede em Xangai, tem sido apresentada como um gesto nesse sentido — a escolha de uma ex-presidente do Brasil para o posto é um sinal da importância que o país quer dar ao grupo.
Dentro do Itamaraty, há setores que veem nessa orientação um movimento muito mais ideológico, movido por resquícios da histórica visão antiamericana da esquerda, do que propriamente pragmático. Essas mesmas alas reconhecem, porém, que o estreitamento da relação com a China pode ajudar o país a destravar a economia.
O discurso do governo brasileiro para justificar a possível adesão ao megaprojeto chinês nem precisa ser ensaiado: caso ela se confirme, Brasília dirá simplesmente que quer aprofundar, sem preconceitos, as relações com todos os países que possam ajudar a alavancar a atração de investimentos para o país.
A despeito dos sobressaltos dos últimos anos, quando Jair Bolsonaro, movido por razões ideológicas, disparou sua metralhadora verbal contra a China repetidas vezes e esfriou a relação entre Brasília e Pequim, o Brasil mantém laços estreitos com a potência asiática, de longe o maior cliente das exportações brasileiras.
Ainda que a relação já seja suficientemente forte, o possível ingresso do país na Nova Rota da Seda seria um movimento importante para a China. Pela relevância do Brasil na América Latina, valeria como um troféu para o governo de Xi Jinping. Neste ano, o megaprojeto completa dez anos e a adesão brasileira seria uma maneira de marcar o aniversário com um anúncio de peso.
A Nova Rota da Seda conta hoje com 140 países. Duas dezenas deles estão na América Latina. Ao assinar um memorando de entendimento no início do ano passado durante um encontro com Xi Jinping, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, anunciou a promessa dos chineses de destinar US$ 23 bilhões ao país para obras e projetos.
Pelo programa, empresas e bancos chineses financiam e constroem estradas, ferrovias, portos, usinas de energia e redes de telecomunicações. Um dos objetivos declarados, especialmente no front da infraestrutura, é facilitar a criação de novas rotas comerciais no mundo — de preferência, por óbvio, rotas que facilitem a logística do comércio com a China, seja por terra, seja pelo mar. Os americanos veem na iniciativa uma maneira de a China expandir sua influência e impor aos países associados não apenas suas tecnologias como também os serviços de suas empresas.
A se confirmar o ingresso do Brasil, o que provavelmente só se saberá ao certo quando Lula estiver na China, a tendência é que uma das prioridades seja tirar do papel o antigo plano de conectar, com estradas e linhas férreas, a costa brasileira e a costa do Pacífico — algo que, evidentemente, pelas facilidades que traria para o fluxo de mercadorias com a Ásia, muito interessaria aos chineses.
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