Na última semana, Donald Trump foi acusado pela justiça norte-americana de ter pago US$ 130 mil (cerca de R$ 660 mil) para subornar a atriz e diretora de filmes pornô Stormy Daniels. O acordo tinha como objetivo fazer com que ela não divulgasse a informação de que teve relações sexuais com o político em 2006, quando ele já estava casado com Melania. Trump é o primeiro ex-presidente na história dos Estados Unidos a responder formalmente por um crime. O republicano irá viajar para Nova York na segunda-feira, 3, para se apresentar ao juiz responsável pelo caso. Segundo a imprensa norte-americana, a lista de acusações contra o ex-presidente inclui mais de 30 itens, que ainda não foram revelados. De acordo com especialistas em política internacional ouvidos pela Jovem Pan, são essas acusações adicionais que devem definir o futuro do ex-presidente. O caso construído contra Trump se baseia em uma fraude fiscal, o que prevê prisão nos Estados Unidos. Mas pelo fato de ele já ter ocupado a presidência, a probabilidade dele ser encaminhado à cadeia é baixa. Contudo, caso ele seja indiciado por outros crimes, de natureza grave e com provas substanciais, o ex-presidente pode acabar atrás das grades. O republicano ainda tem a possibilidade de transformar a narrativa da acusação para um caso de perseguição política e ganhar destaque para ocupar novamente a presidência norte-americana.
Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política, Igor Lucena esclarece a atitude do ex-presidente de fazer um acordo para que a informação não visse a público não é ilegal. Contudo, é na maneira como ele foi feito que se encontra a ilegalidade. “O pagamento foi declarado como uma despesa advocatícia contábil, não como hush money (suborno) ou um acordo de partes. Isso configurou um caso de fraude, a partir do momento que você tem uma declaração para as autoridades que não é correta do ponto de vista contábil. Nos Estados Unidos, fraudes são crimes sérios. Lá, crimes financeiros dão cadeia. Agora, a possibilidade dele ser preso é muito remota porque ele é um ex-presidente. Historicamente, um ex-presidente nunca foi condenado nos Estados Unidos, nem o Richard Nixon que sofreu impeachment. Neste caso, é provável que o juiz não o condene à prisão, mas coloque uma multa muito alta. É muito difícil que consigam condená-lo, a menos que as outras 30 acusações sejam muito sérias, o que a gente ainda não sabe. Mas, mesmo com a condenação por crimes graves, a prisão de Trump parece algo distante. Já do ponto de vista político, isso vai ser visto como um ataque ou invenção, a menos que você tenha provas cabais de crimes. Ele pode transformar isso em um caso de perseguição política, o que pode catapultá-lo para a presidência norte-americana. Com esse caso, a política dos Estados Unidos vai ficar mais bagunçada e radicalizada. Os oponentes de Trump no partido republicano com certeza vão se aproveitar da situação para mostrar que ele não é o ideal para liderar o partido”, analisa. Igor complementa que é necessário esperar a divulgação das acusações para avaliar o real nível de gravidade da situação.
Professor de história e filosofia política, Rafael Fersi observa que o caso de Trump pode abrir um precedente na história dos Estados Unidos ao levar uma investigação que historicamente tramitaria em uma esfera ético-política para o âmbito criminal. Ele adiciona que, uma vez que se abre um processo de indiciamento criminal, prisão se torna uma possibilidade. Entretanto, é necessário analisar se esta possibilidade é grande ou pequena. “Isto vai depender da plausibilidade do objeto e das evidências. Para os opositores de Trump e para o promotor de justiça, Alvin Bragg, da cidade de New York, o dinheiro que o ex-presidente teria pagado a Daniels seria um objeto plausível, mas para seus apoiadores e advogados não seria. De qualquer forma, o prejuízo para a imagem dele é grande. Na história dos Estados Unidos, o fator moral é um grande destruidor de reputações e da vida pública de ilustres personagens da política. É por esta razão que Trump chama as investigações de “caça às bruxas” e passa a olhar com desconfiança o sistema de justiça. Com relação ao partido, esta é uma situação ruim de todas as formas possíveis. Primeiro porque, sem Trump, eles perdem um nome forte nas eleições. Segundo porque é mais um escândalo moral envolvendo o partido. Mesmo que se prove o contrário, o estrago já foi feito na imagem do candidato e do partido, ao menos para as próximas eleições. Existe uma possibilidade real dos Republicanos voltarem ao poder Executivo com Trump mas, sem ele, esta possibilidade diminui proporcionalmente em relação à possibilidade dos democratas se renovarem no Poder Executivo”, avalia.
Especialista em direito internacional, Hanna Gomes explica que, pelo fato de Donald Trump ser um cidadão comum, sem cargo político, os procedimentos de investigação dos Estados Unidos preveem que ele seja detido para qualificação. O termo se refere a identificação de um réu em procedimento criminal, em que as autoridades tiram uma fotografia do investigado com marcadores de altura atrás e atualizam seus dados no sistema policial. Ele será informado de seus direitos durante o processo e será liberado em seguida para responder ao processo, por não se tratar de um caso flagrante. “O fato de Trump virar réu em um caso de crime privado, um crime comum que não é de ordem pública ou política em razão do cargo que ele ocupava, não impacta sua carreira política uma vez que na legislação norte-americana não há qualquer previsão de inelegibilidade por uma investigação ou condenação penal. A questão é tão inédita nos Estados Unidos que nunca foi projeto de uma legislação eleitoral específica. Lá, não há nenhuma legislação parecida ao Ficha Limpa que nós temos aqui no Brasil. O prejuízo é meramente moral e ético, atingindo também o Partido Republicano, do qual ele faz parte. Sendo um partido de viés conservador, pouco flexível com o eleitorado que representa, é bem possível que haja uma resistência à proposição de uma candidatura a qualquer cargo que ele tenha pretensão futuramente. Mas não há qualquer empecilho para que ele concorra à presidência nas próximas eleições”, esclarece.
Professor de Relações internacionais da Anhembi Morumbi, João Estevam, pondera que, apesar da situação representar um grande baque na política norte-americana, não deve haver repercussões de longo prazo, em termos institucionais, no sistema político dos Estados Unidos. “Porém, em termos de conjuntura política e relações entre Republicanos e Democratas, pode reforçar a ala mais ultraconservadora e radical do partido Republicano, ligada ao Trumpismo. É algo que precisa ser analisado no longo prazo, mas existe sempre essa possibilidade de desencadear um radicalismo. Precisamos observar as respostas das instituições norte-americanas de forma geral, não apenas jurídicas mas também administrativas ligadas ao Poder Exercutivo, e como o Partido Republicano vai responder. Devem vir fortes críticas às instituições judiciais, mas nada além disso. Existe ainda um poder moderador que pode impedir um maior radicalismo no partido. Mas isso não evita que algumas pessoas tenham uma reação mais radical. Temos observado uma divisão da opinião pública da ala conservadora norte-americana, mas ainda existe apoio ao Trump”, sintetiza.