A Finlândia se tornou nesta terça-feira, 4, o 31º país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Uma mudança histórica na política deste país que até a invasão da Ucrânia defendia a neutralidade e não integrava alianças militares. “Há pouco tempo era impensável que a Finlândia fosse um membro (da Otan) e agora é um membro pleno. Isso é algo histórico”, afirmou o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg. Com a adesão de Helsinque, “estamos removendo o espaço para erros de cálculo na Rússia sobre a disposição da Otan a proteger a Finlândia e isto torna a Finlândia mais segura”, acrescentou. O ingresso deste país nórdico proporcionará uma ampliação que dobrará o tamanho da fronteira da aliança com a Rússia, país que respondeu à adesão de Helsinque. “É um novo agravamento da situação. A ampliação da Otan é um ataque à nossa segurança e aos nossos interesses nacionais. Isso nos obriga a tomar contramedidas. Vamos acompanhar cuidadosamente o que está acontecendo na Finlândia, como isso nos ameaça. Com base nisso, medidas serão tomadas. Nosso Exército informará quando chegar a hora.”, disse o porta-voz da Presidência russa, Dmitri Peskov, a repórteres. Com a entrada da Finlândia, a Otan passa a ter 1.300 quilômetros de fronteira direta com a Rússia. O país apresenta à Otan um contingente de 280 mil soldados e um dos maiores arsenais de artilharia na Europa.
A adesão formal da Finlândia à Otan significa que o país está automaticamente protegido pelo famoso Artigo 5 da aliança, que considera um ataque a um dos países membros um ataque contra todos os integrantes. Durante décadas e apesar de sua história de tensões com a Rússia, a Finlândia optou por ser apenas um país associado da Otan, mas a ofensiva da Rússia na Ucrânia convenceu o país a abandonar sua política de não alinhamento automático e buscar a proteção da aliança. A data de adesão da Finlândia “é realmente um dia histórico, um grande dia para a aliança”, disse Stoltenberg ao lado do secretário de Estado americano, Antony Blinken. “Fico tentado a dizer que é algo, pelo que devemos agradecer ao sr. [Vladimir] Putin, porque precipitou algo que queria evitar”, disse o norte-americano. “Estamos muito satisfeitos por ter a Finlândia como o 31º membro desta aliança”, afirmou Blinken na sede da Otan.
Nesta terça-feira, a Finlândia terá sua bandeira hasteada na explanada da sede da Otan em Bruxelas, o que vai estabelecer de maneira simbólica o processo de integração à instituição. No ano passado, após a invasão da Rússia ao território da Ucrânia, os países da Otan convidaram formalmente Finlândia e Suécia a aderir de maneira total à aliança. A Suécia ainda precisa negociar, já que sua candidatura de adesão é vetada no momento por Turquia e Hungria. O ministro finlandês das Relações Exteriores entregou formalmente os documentos de adesão ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, cujo gabinete é o guardião do tratado fundacional da Otan. Em seguida, a bandeira da Finlândia será hasteada entre as da Estônia e França, no pavilhão especial na sede da Otan em Bruxelas.
Criada em 4 de abril de 1949 na capital americana de Washington, D.C., por 12 países: 10 europeus, além de Estados Unidos e Canadá, a Otan foi ganhando outros integrantes com o passar dos anos, como Grécia e Turquia (1952), República Federal da Alemanha (1955) e Espanha (1982), e se tornou ao decorrer deste tempo a principal aliança militar de defesa comum do mundo com 31 membros na América do Norte e Europa, incluindo a Finlândia. Seu objetivo principal era combater a ameaça soviética com base no princípio de solidariedade mútua, definido no Artigo 5º do tratado: “As Partes concordam que um ataque armado contra uma ou mais delas, que ocorra na Europa ou na América do Norte, será considerado um ataque dirigido contra todas elas”. A União Soviética (URSS, na sigla em inglês) respondeu em 1955 com a criação do Pacto de Varsóvia, uma aliança militar dos países socialistas do Leste Europeu.
Em 1977, a URSS implantou mísseis com ogivas nucleares, colocando a Europa Ocidental sob ameaça. A Otan respondeu, instalando mísseis Pershing na Alemanha Ocidental. A crise se estendeu até 1987, com a assinatura de um acordo histórico sobre a eliminação das forças nucleares de médio alcance. Com o fim da União Soviética em 1991, o Pacto de Varsórvia também se desfez. A Otan e ex-membros do bloco soviético, incluindo a Rússia, assinaram uma parceria para a paz em 1994, à qual se seguiu um pacto de cooperação em 1997.
Primeiro confronto
A Otan entrou em confronto pela primeira vez em 28 de fevereiro de 1994, quando derrubou quatro aviões sérvios em uma zona de exclusão aérea imposta pela ONU na Bósnia-Herzegovina. Sua primeira operação terrestre veio no ano seguinte, em dezembro de 1995, quando destacou 60 mil soldados na Bósnia. Em março de 1999, o tratado lançou uma campanha de bombardeio para impedir a repressão sérvia contra a população albanesa no Kosovo. O movimento levou à retirada dos sérvios daquele território, que ficou sob administração da ONU, com o apoio de 40 mil soldados da Otan para garantir a segurança. No mesmo ano, República Tcheca, Hungria e Polônia, ex-membros do Pacto de Varsóvia, juntaram-se à Otan.
Depois dos ataques em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos se tornaram o primeiro país a invocar o Artigo 5º. A Otan apoiou Washington em sua “guerra contra o terrorismo” e, em 2003, assumiu a liderança da Força Internacional de Apoio à Segurança no Afeganistão (ISAF, na sigla em inglês), na qual permaneceu até 2014. Em 2004, outros sete países da Europa Oriental aderiram ao tratado: Eslováquia, Eslovênia, Bulgária, Romênia, Lituânia, Letônia e Estônia. A entrada destas três últimas, ex-repúblicas soviéticas, incomodou Moscou. Albânia e Croácia ingressaram em 2010 e Montenegro, em 2017. Em 2011, orientada pela ONU, a Otan assumiu o comando da intervenção ocidental na Líbia, que levou à derrubada do coronel Muammar Gaddafi.
Tensões com Moscou
Após a anexação da Crimeia em 2014, o tratado suspendeu sua cooperação com a Rússia. Dois anos depois, enviou quatro forças-tarefa para Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia. Em outubro de 2019, a Turquia lançou uma operação militar no nordeste da Síria sem informar a aliança. O movimento foi criticado pela França, que denunciou que a organização estava com “morte cerebral”. Em 2020, a Macedônia do Norte se tornou o 30º membro da Otan.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, um país aliado da Otan, em fevereiro de 2022, a organização se recusou a enviar tropas, ou a criar uma zona de exclusão aérea, mas entregou bilhões de dólares em armas a Kiev. Em maio daquele ano, Finlândia e Suécia anunciaram sua candidatura histórica para integrar o acordo. No mês seguinte, a Otan aprovou o reforço de sua presença no flanco oriental, com quatro novos grupos táticos na Bulgária, Hungria, Romênia e Eslováquia, elevando seu contingente de “forças altamente preparadas” para mais de 300 mil militares. Nesta terça, a Finlândia passou a integrar a organização, porém, a Suécia ainda continua com seu processo de adesão. Contudo, a Turquia resiste a autorizar a adesão deste outro país nórdico com a alegação de que este país concede refúgio a líderes curdos suspeitos de participação na tentativa frustrada de golpe de Estado de 2016.
Em janeiro, o governo turco reagiu com fúria à decisão da Suécia de permitir que manifestantes extremistas de direita organizassem um protesto diante da embaixada da Turquia em Estocolmo, onde queimaram um exemplar do Alcorão. Os países da Otan programaram uma reunião de cúpula em julho na Lituânia. Os diplomatas da aliança esperam que o encontro marque a entrada da Suécia na organização. Nesta terça-feira, Blinken publicou no Twitter uma fotografia ao lado do chefe da diplomacia sueca, Tobias Billstrom, e escreveu que a “Suécia está pronta para aderir à Otan”. O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, fez um apelo a “todos os membros da Otan” para que façam o necessário para também incluir a Suécia e “defender a liberdade na Europa e no mundo”.
*Com informações da AFP