Ela define sua vilã como um "manual do que não fazer em sociedade". Não é para menos. Cegueta, piranha cega e ceguinha são algumas das várias formas capacitistas -isto é, preconceituosas contra pessoas com deficiência- com que Vanessa se refere a Maíra, sua irmã com deficiência visual interpretada por Sophie Charlotte.
O final da história delas vai ser contado na segunda fase de "Todas as Flores", que retorna ao Globoplay nesta quarta-feira após um hiato de quase quatro meses. A novela começa com a personagem de Colin sendo salva da ameaça de um câncer por sua irmã, que doa sua medula. Mesmo assim, Vanessa passa a ver Maíra como inimiga quando o homem rico com quem ela namora se apaixona pela irmã.
Disposta a recuperá-lo para casar e enriquecer, a vilã arquiteta um plano para que Maíra fique presa num campo cheio de mulheres sequestradas. Nos últimos 40 capítulos da novela, que serão lançados em blocos de cinco episódios toda quarta-feira, Maíra vai finalmente tentar se vingar da irmã e da mãe, Zoé, outra antagonista, essa vivida por Regina Casé.
"Os vilões desafiam nossos valores porque vão além dos limites éticos. É muito libertador cruzar as fronteiras cívicas e todos os códigos de respeito. Existe esse fascínio porque, no fundo, as pessoas sonham em poder agir livremente sem pensar no outro. Ainda bem que não é assim, senão não teríamos uma sociedade", diz Colin.
Vanessa nasceu de uma mistura de vilões icônicos da cultura pop, afirma a atriz. Ela deu um jeito de unir, por exemplo, a Malévola e o Jafar da Disney com o Norman Bates de "Psicose", filme dirigido por Alfred Hitchcock. Colin se inspirou em pessoas da vida real também.
"Quando a gente vê grandes líderes superpoderosos que pensam muito em dinheiro, percebemos o rastro de destruição que essas figuras trazem", diz.
Ela se recusa a dar nomes aos bois, dá uma risada nervosa e diz que é melhor falar de coisa boa, mas depois conta que estava falando de políticos.
"Vivemos quatro anos de um governo bolsonarista com ódio à diferença, à singularidade, às mulheres e às minorias que na verdade são maioria. A gente foi muito agredido e violentado", afirma Colin, que publicou uma foto vestindo uma camiseta do Brasil com o número 13 e o nome de Lula à época das eleições.
Primeira novela da Globo lançada direto no Globoplay, "Todas as Flores" representa uma mudança no formato do folhetim tradicional. Escrita por João Emanuel Carneiro, queridinho da emissora após o sucesso de "Avenida Brasil", a ideia era que a novela fosse exibida no horário nobre após o fim de "Pantanal". Houve uma dança das cadeiras, e "Travessia" acabou tomando o lugar.
Ponto para "Todas as Flores". O autor aproveitou que estaria no streaming para condensá-la em 85 capítulos, metade do que os folhetins das nove costumam ter, o que conquistou a crítica especializada e o público. Livre das amarras da televisão, ele também pôde aumentar as doses de cenas de sexo, outro ponto elogiado da trama.
Colin, que nunca protagonizou uma novela no horário nobre da Globo, mesmo depois de vários anos na emissora, diz não ter se desapontado quando soube que "Todas as Flores" seria levada ao streaming.
"Somos a prova de que o novo formato funciona. A gente tem que andar para frente mesmo. Precisamos dessa adaptabilidade, de poder assistir novela na hora que quiser, todos os capítulos de uma vez ou um só. Não tenho esse fetiche só pela televisão. Mas também não acho que a novela tradicional vai acabar."
Foi na Globo que Colin começou a carreira. Entrou na segunda temporada do seriado "Sandy & Junior", aos 11 anos, depois atuou na "Malhação" de 2002 e apresentou o programa infantil TV Globinho por três anos. Migrou para a Band para trabalhar em "Floribella", passou por uma novela da Record e voltou à Globo em 2013. Ela mantém contrato fixo com a empresa desde então.
Alcançou o auge só agora, com sua vilã de "Todas As Flores". Foi quase por acaso. É que Colin foi convidada a interpretar Maíra, só que os planos mudaram quando Sophie Charlotte fez o teste para a mocinha. Carlos Araújo, o diretor do folhetim, diz que os papéis ficaram claros com naturalidade quando ele imaginava as atrizes trabalhando.
Quem também construiu um relacionamento com a atriz é a diretora Luísa Lima. Elas trabalharam juntas em "Onde Está Meu Coração", série que rendeu a Colin uma indicação à estatueta de melhor atriz no Emmy Internacional do ano passado pelo papel de Amanda, uma médica que sofre com vício por crack.
"Foi meu primeiro trabalho como diretora principal, e o primeiro grande protagonismo da Letícia numa série com essa densidade. As duas estavam com muita gana. Quando a gente conversou pela primeira vez para 'Onde Está Meu Coração', a conexão foi imediata", diz Lima, que já tinha dirigido Colin em "Nada Será Como Antes", série lançada pela Globo em 2016.
Com olhos fundos e rosto fino, Colin precisa se descabelar, gritar e chorar o tempo todo nos dez episódios da série. Críticos de TV chamaram a interpretação dela de primorosa e disseram que a atriz tinha uma intensidade cada vez mais rara. Foi comparada à elogiada interpretação de Grazi Massafera como uma viciada em crack em "Verdades Secretas", papel também indicado ao Emmy Internacional.
"Ela estava completamente grávida, do início ao fim das gravações. Às vezes não se sentia bem, mas ia mesmo assim. Estava disposta a tudo. Houve momentos que a gente pensava 'meu Deus, calma, ela está grávida, será que é muita coisa?'", diz a diretora, lembrando que a atriz tinha supervisão de especialistas.
A personagem de Amanda foi construída a partir de visitas que Colin fez à cracolândia, hospitais, clínicas de reabilitação e encontros do NA, os Narcóticos Anônimos, onde foi levada por Fábio Assunção. O ator, que interpreta seu pai na série, já foi dependente químico.
Tanta vontade de se provar deu resultado. Colin diz que viveu em "Onde Está Meu Coração" um ponto de virada em sua trajetória, e ir a Nova York para a cerimônia do Emmy foi prova disso.
Ela afirma que sua carreira deu uma guinada também em "Novo Mundo", de 2017, quando interpretou Leopoldina, a primeira imperatriz do Brasil e uma das protagonistas daquela novela das seis da Globo.
Diz se achar talentosa, sim, mas considera que foi favorecida por um bom tanto de sorte. "Tenho vários amigos supertalentosos que não tiveram o mesmo espaço e privilégios que eu. Talvez tenha sido por causa do meu fenótipo. Tive muito suporte, mas só com isso também não teria conseguido."
TODAS AS FLORES
Quando Nesta quarta-feira (5), às 20h, no Globoplay. Às 18h nas próximas quartas-feiras
Classificação 16 anosAutor João Emanuel Carneiro
Elenco Letícia Colin, Regina Casé e Sophie Charlotte
Produção Brasil, 2022
Direção Carlos Araújo