O time de Lula chegou a pedir uma verba extra de quase R$ 200 bilhões e queria que esse dinheiro fosse dispensado de cumprir o limite do teto de gastos por todos os quatro anos de mandato de Lula – por isso o apelido de PEC do Estouro ao texto.
Os valores e prazos foram redimensionados durante tramitação no Congresso, mas a conta bilionária seguiu alta o suficiente para deixar aceso o principal medo dos investidores e analistas do mercado financeiro: um aumento descontrolado nos gastos e a volta de um Estado inchado demais.
A PEC do Estouro foi aprovada ainda em dezembro com um gasto extra final de R$ 140 bilhões para este ano.
Um Bolsa Família turbinado e um aumento maior para o salário mínimo foram promessas de campanha de Lula e tiveram as verbas adicionadas ao Orçamento do ano pela PEC do Estouro.
O retorno do Bolsa Família veio no início de março: ele tomou de volta o lugar que tinha sido ocupado pelo Auxílio Brasil, marca do presidente Jair Bolsonaro para o programa, e com o valor mínimo e permanente de R$ 600, além de pagamentos adicionais de R$ 150 para as famílias pobres com crianças menores de 6 anos e gestantes.
O salário mínimo, por sua vez, ganhou ainda de Bolsonaro, no final do ano passado, seu primeiro aumento acima da inflação desde 2019, começando 2023 no valor de R$ 1.302.
Em 2022 era R$ 1.212, um reajuste de 7,4%, ou quase 1,5% mais do que a inflação do ano passado.
Porém, em entrevista à CNN, Lula anunciou que o mínimo subirá mais uma vez em maio, passando a ficar no valor de R$ 1.320 pelo resto deste ano.
De acordo com o presidente, a intenção é que o piso salarial nacional volte a ter aumentos acima da inflação todos os anos, como foi feito ao longo de seus primeiros governos e também de sua sucessora Dilma Rousseff.
A questão de economistas é como ele irá encaixar isso no limite apertado de gastos que o país tem, já que o mínimo aumenta imediatamente, também, salários de servidores e da maior parte das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), duas das maiores despesas do governo.
Em uma escalada aberta desde o início de seu mandato, Lula passou a fazer repetidos ataques ao Banco Central, em um pacote de críticas que incluem os juros altos, a lei que formalizou a autonomia da autarquia e o próprio presidente da instituição, Roberto Campos Neto.
Campos Neto foi o indicado de Bolsonaro para chefiar o BC e deve continuar à frente dele durante metade do governo do sucessor, graças às mudanças promovidas pela lei da autonomia.
Ela descasou o mandato presidencial do da chefia do BC e impediu o presidente da República de demiti-lo.
Lula já chamou de “bobagem” a lei da autonomia, de “vergonha” o alto nível dos juros e já conclamou o Senado a ficar “vigilante” com Campos Neto, a quem costuma chamar de “cidadão”.
Foi também Lula quem iniciou o coro para um aumento das atuais metas de inflação, proposta controversa que, de acordo com ele, ajudaria a baixar os juros a baixar.
O ministro Haddad fez ainda em 12 de janeiro o primeiro grande anúncio de um pacote econômico do governo, prometendo melhorar os gastos, incrementar a arrecadação e, com isso, conseguir tirar as contas do governo do vermelho.
A primeira medida efetiva nesse sentido, no entanto, veio só no fim de fevereiro, quando o ministro da Fazenda, a despeito da contrariedade da ala política do governo, anunciou o retorno, mesmo que parcial, dos impostos federais cortados no ano passado, ainda por Bolsonaro, dos combustíveis.
Com as recomposições, o litro da gasolina voltou a pagar R$ 0,47 de PIS/Cofins, o do etanol pagará R$ 0,02 e os aumentos devem valer uma arrecadação R$ 28 bilhões maior para os cofres públicos. Os impostos do diesel continuarão zerados até o fim do ano.
Foi em 30 de março que Haddad fez, finalmente, o prometido e aguardado anúncio do projeto do governo Lula para o novo marco fiscal que deverá substituir o atual teto de gastos.
O objetivo de ambas as regras é estipular limites para o crescimento das despesas públicas e, em última instância, impedir um aumento descontrolado da dívida pública.
Depois de remendos legais feitos nos últimos dois anos para poder gastar mais, o teto de gastos chegou ao fim da gestão de Bolsonaro e ao começo da de Lula com a credibilidade em baixa, um dos principais fatores que levou à rápida piora da bolsa, do dólar e dos juros futuros na passagem de um governo para o outro.
Coube ao novo governo apresentar uma proposta para substituir a regra anterior – e o grande receio era de que o chamado “novo arcabouço fiscal” fosse ou muito frouxo, ou pouco crível.
O teto de gastos limitava o crescimento das despesas do governo à inflação, o que significa que, na prática, elas não cresciam.
As medidas apresentadas por Haddad, depois do devido aval de Lula, passaram a vincular o crescimento dos gastos ao crescimento da receita, além de estipular metas de resultado primário, ou seja, de quanto o governo deve economizar do que arrecada a cada ano.
Entre as principais críticas feitas por economistas está o fato de que a nova proposta ficou dependente demais de uma arrecadação de impostos robusta para conseguir se pagar. A recepção geral, no entanto, depois de meses de suspense e receio, foi positiva.
No dia do anúncio, a bolsa de valores subiu quase 2%. O dólar, por sua vez, que chegou a ficar acima dos R$ 5,20 em março, recebeu uma dose de alívio e voltou a rodar em torno dos R$ 5.
O texto completo do marco fiscal deve, agora, ser redigido pela equipe econômica do governo para começar a tramitar, nos próximos dias, no Congresso Nacional.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Briga com BC, nova regra fiscal, impostos: os 100 dias de Lula na economia no site CNN Brasil.