Fonte: Agência Senado
O Projeto de Lei (PL) 3.713/2019 altera o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de 2003), que trata de registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. O relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), sugere a suspensão do porte de arma nos casos de violência doméstica, a criação de dispositivos de caráter antimilícia e a responsabilização de entidades ou indivíduos pelo desvio de arsenais.
O relator lembra que, entre 2019 a 2022, o número de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) registrados saltou de 117.647 para 813.377. No mesmo período, 905.858 novas armas foram inscritas em nome de CACs.
Alessandro Vieira lembra que, durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, uma só pessoa podia registrar até 60 armas de fogo, sendo 30 de calibre restrito. Um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicado em janeiro limitou o arsenal a apenas três armas por pessoa. Policiais e militares podem portar mais armas de fogo. O decreto reduz de 5 mil para 600 a quantidade de munições permitidas por armamento para os CACs.
O PL 3.713/2019 eleva de três para seis o número de armas de fogo de uso permitido por pessoa, com exceção dos CACs. O projeto permite ainda que proprietários de armamento comprem 100 cartuchos por ano. O decreto em vigor permite a aquisição de apenas 50 unidades anuais.
Pela proposta, cada interessado pode possuir até duas armas de cada tipo: arma de porte curto, de alma raiada (em que a bala gira em torno de si mesma e atinge uma distância maior) e de alma lisa (em que a munição alcança distâncias menores). O texto autoriza ainda a comprar uma unidade de cada categoria por ano.
Atualmente, é necessário ter mais que 25 anos para adquirir armas de fogo. A proposta mantém essa regra, mas cria uma nova norma para moradores da zona rural, que podem manter armamentos a partir dos 21 anos de idade. Mas apenas no caso de não haver delegacia ou unidade de policiamento em um raio de 50 quilômetros.
O texto permite a entrega voluntária sem aplicação de multa para armas em desconformidade com as normas ou que tenham sido adquiridas de acordo com legislações anteriores. O projeto garante ainda indenização a proprietários de boa-fé de armas, acessórios, peças, máquinas de recarga e munições adquiridos antes da publicação da futura lei. O texto também permite que armas irregulares sejam registradas em até 180 dias após a publicação da futura lei.
Para Alessandro Vieira, o relatório levou em consideração diversas propostas sobre o tema em debate no Congresso Nacional. “Hoje, apenas na Câmara dos Deputados, tramitam seis propostas de emenda à Constituição e 350 projetos de lei sobre o tema. No Senado, são 25 projetos de lei”, pontuou.
O Sistema Nacional de Armas (Sinarm) é vinculado ao Ministério da Justiça e atua em todo território nacional. O PL 3.713/2019 sugere que, por meio de convênios, o órgão atue em conjunto com as polícias civis dos estados e do Distrito Federal. A legislação vigente estabelece que essas parcerias são facultativas.
O Sinarm é responsável por cadastrar todas as armas de fogo e munições produzidas, importadas e comercializadas no país. Além disso, cabe ao órgão sistematizar autorizações e renovações do porte de arma expedidas pela Polícia Federal. Em casos de transferência, perda, furto ou roubo, o sistema deve atualizar as informações sobre os armamentos.
Outra função do Sinarm está ligada ao processo de apreensão de armas. Nessas ocorrências, a organização deve cadastrar e recolher os objetos apreendidos, bem como aqueles entregues voluntariamente. É de competência do sistema o cadastro e licenciamento de armeiros, produtores de armas de fogo e técnicos que trabalham com explosivos.
O órgão também reúne informações sobre o armamento no Brasil. De acordo com o projeto, o Sinarm deve compartilhar todos os dados com o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, além de possibilitar que órgãos de inteligência e investigação realizem consultas acompanhadas de justificativa prévia. Um cadastro único da Polícia Federal, que exclui o arsenal das Forças Armadas, deve integrar todos os registros sobre o tema.
Ainda de acordo com o projeto, o Sinarm precisa disponibilizar para as secretarias de segurança pública registros e autorizações de porte de arma e oferecer acesso à plataforma do Exército Brasileiro, para fiscalização dos colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs). Para a população em geral, o Sinarm deve divulgar levantamentos mensais com a quantidade e tipos de armas e munições registradas e apreendidas em cada município. Também seria possível pesquisar cadastros e características de armamentos no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas.
O PL 3.713/2019 prevê ainda a criação de um cadastro único da Polícia Federal, para concentrar os dados mais relevantes sobre aquisição, circulação, transferência de armas de fogo e munição. O objetivo é aumentar a rastreabilidade de armas e munições e reduzir a impunidade por crimes violentos praticados com emprego de arma de fogo.
No Brasil, o registro de armas de fogo e munições no Sinarm é obrigatório. O arsenal das Forças Armadas é a única exceção a essa regra. O certificado de permissão do uso será válido por cinco anos, de acordo com a proposta do relator. Atualmente, a validade é de três anos. A regularização permite que o proprietário use os armamentos em casa, propriedade rural e no trabalho, mas apenas quando o portador seja titular ou responsável legal pelo estabelecimento.
Para compra ou transferência de armas é necessário informar previamente ao Sinarm, que tem até três dias úteis para expedir a autorização. Para adquirir uma arma de fogo é necessário comprovar a necessidade da compra e seguir alguns requisitos, como não estar respondendo inquérito policial.
Outra exigência é apresentar certidões negativas de antecedentes criminais relativas ao domicílio do interessado nos últimos dez anos. O projeto diminui o prazo de análise de pedido de autorização para aquisição de arma de fogo, de 30 dias úteis para 30 dias corridos, a contar da data do requerimento do interessado. Fica vedada a aquisição de arma para quem tem antecedente criminal por crime doloso.
É preciso comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de armamentos. Essas confirmações são planejadas e emitidas pelo Ministério da Justiça junto à Polícia Federal. Para efetivar a aquisição de armas, é feito um exame toxicológico, que deve testar negativo em uma janela de, no mínimo, 180 dias. Por fim, é necessário comprovar a disposição de um cofre para armazenar os itens.
O registro das armas de fogo é solicitado à Polícia Federal e analisado em até um mês após o requerimento. Caso o certificado seja aceito, ele será emitido no prazo de três dias úteis. Caso contrário, o interessado pode apresentar recurso no período de dez dias.
A permissão para uso autoriza que os proprietários transportem as armas entre a residência e o local de trabalho, desde que o ambiente profissional siga algumas especificações. Para realizar esse transporte, não é permitido portar munição e é necessário que a arma esteja devidamente acondicionada.
O PL 3.713/2019 estabelece que donos de arma de fogo podem ser submetidos, de maneira aleatória, a um novo teste toxicológico. Caso o resultado seja positivo, o examinado terá o direito de posse ou porte suspenso pelo prazo de cinco anos.
Em caso de perda, furto ou roubo de armas ou munições, o dono tem 24 horas para comunicar à polícia e ao órgão emissor do registro, sob pena de multa. Quando são registradas duas ou mais ocorrências de perda ou roubo em curto espaço de tempo, o possuidor dos itens pode ter o cadastro suspenso.
No caso de um segundo furto em menos de dois anos depois do primeiro, o proprietário deve comprovar ao Sinarm, em até cinco dias da ocorrência do segundo e dos sucessivos furtos, a observância das cautelas necessárias para o armazenamento, porte e transporte da arma de fogo, sob pena de ter o registro e o porte da arma de fogo suspensos pelo período de 12 meses. Já a ocorrência de uma terceira perda, em prazo inferior a 48 meses da primeira, levará à suspensão pelo prazo de cinco anos.
Estão excluídos dessa regra: integrantes das Forças Armadas e das guardas municipais; policiais da Câmara dos Deputados e do Senado; agentes e guardas prisionais; membros das Polícias Federais, Civil, Militar e do Corpo de Bombeiros; agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da segurança da Presidência da República.
No caso de falecimento do proprietário de arma, cabe ao inventariante do espólio comunicar o fato ao Sinarm. Se nenhum dos herdeiros tiver interesse pela propriedade da arma, ela poderá ser transferida pelo inventariante a outra pessoa que atenda aos requisitos para posse de arma, mediante autorização judicial, ou ser entregue ao Sinarm, para baixa no registro originário.
O porte de arma de fogo é caracterizado como o deslocamento do proprietário com arma curta municiada e em condição de pronto uso, fora dos limites de casa, propriedade rural ou local de trabalho. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, ressalvados os casos legalmente previstos.
Enquanto a posse de armas é permitida para o cidadão comum no Brasil, desde que seguidas as regras para a comercialização e registro de armamento, o porte é restrito aos profissionais de segurança pública, membros das Forças Armadas, policiais e agentes de segurança privada.
O projeto amplia o porte para servidores inativos das Forças Armadas e das Forças de Segurança, agentes de autoridades de trânsito, membros das defensorias públicas, servidores do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), oficiais de justiça, policiais legislativos estaduais e distritais, agentes e auditores tributários, dentre outros. O projeto também atende a demanda das guardas municipais de portarem armas sem limitadores de quantidade de habitantes do município, mas condiciona essa prerrogativa a treinamento específico.
O porte de arma de fogo é condicionado à obtenção de licença expedida pelo órgão de representação do Sinarm. A licença para o porte é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo, de maneira fundamentada, pela autoridade concedente ou mediante ordem judicial, sendo válida em todo o território nacional.
Aos residentes de áreas rurais maiores de 25 anos que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar será concedido, pela Polícia Federal, o porte na categoria caçador para subsistência. A arma usada deve ser de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, desde que o interessado comprove a efetiva necessidade.
O caçador para subsistência que der algum outro uso à sua arma, independentemente de outras tipificações penais (por exemplo, as punições por algum crime cometido com a arma), responderá por porte ilegal ou por disparo de arma de fogo de uso permitido.
A licença para portar arma de fogo tem prazo de cinco anos, renovável sucessivamente. Servidores públicos militares e policiais, com direito ao porte de arma, devem possuir registro específico para suas armas particulares. Os servidores públicos civis com direito à licença de porte de arma funcional prevista em lei, quando portarem suas armas, devem sempre trazer consigo a licença de porte.
A arma não deve ser portada ostensivamente, e não pode ser portada quando o dono estiver em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas alucinógenas ou de medicamentos que alterem o desempenho intelectual ou motor. Cabe ao Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizar o porte de arma para os responsáveis pela segurança de dignitários estrangeiros em visita ao Brasil, do corpo diplomático e de representantes de organismos internacionais sediados no país.
A arma não poderá ser portada em clubes sociais, casas de espetáculos, clubes noturnos, danceterias, estabelecimentos educacionais, convenções, locais onde se realizem competições esportivas ou onde haja aglomerações, exceto nos clubes e associações de tiro desportivo credenciados pelo Comando do Exército.
As armas de fogo utilizadas pelos empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores serão de propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas instituições. Elas só podem ser utilizadas quando em serviço, sendo o certificado de registro e a licença de porte expedidos em nome da instituição. Os funcionários perdem a licença para porte de arma após 30 dias do desligamento das empresas.
O projeto define como colecionador de armas de fogo a pessoa ou empresa que se dedica ao colecionamento de armas, munições, materiais bélicos e acessórios correlatos, sem finalidade comercial, mantendo-os sob acervo privado ou coletivo. Atirador é a pessoa que pratica tiro esportivo com arma de fogo e munição, em suas variadas modalidades, vinculada a uma entidade desportiva formalmente constituída. Já caçador é a pessoa, vinculada a uma entidade ligada à caça, que realiza o abate de espécies da fauna conforme normas do Ibama.
A prática das atividades dos CACs depende do registro do interessado junto ao Comando do Exército, a quem compete a emissão de autorização específica, por meio de um certificado de registro, com validade nacional. O projeto determina que será expedido um único certificado de registro para cada interessado, onde devem ser registradas as atividades cuja prática lhe é autorizada, cumulativamente ou não. O certificado de registro terá validade de cinco anos.
O senador Alessandro Vieira buscou criar regramentos claros para desburocratizar a aquisição de armas e, ao mesmo tempo, colocar obstáculos para o uso fraudulento dessas categorias. A proposta também prevê a comunicação trimestral do Comando de Exército à Polícia Federal sobre armamentos, munições e registros relativos às atividades de fiscalização e controle de CACs e de suas entidades, e de importação e exportação. Para a concessão e a revalidação do certificado de registro, o interessado deve enviar um requerimento ao comandante da região militar de vinculação.
É vedada a concessão de certificado de registro a menor de 25 anos para as atividades de colecionador e de caçador. No caso de atirador, menor de 16 anos deverá ser autorizado judicialmente. Caso tenha entre 16 e 18 anos, deve ser autorizado pelos responsáveis. Qualquer menor de 18 anos terá a prática de tiro desportivo restrita aos locais autorizados pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável, quando estiver acompanhado por ele. A prática de tiro desportivo por maiores de 18 anos e menores de 25 anos pode ser feita utilizando arma de agremiação ou cedida por outro desportista.
Aos CACs, só é permitido o porte de arma de fogo curta de uso permitido, sendo autorizado o emprego de arma de fogo de seu arsenal para proteção, dependendo de obtenção de licença para porte.
Para trafegar com arma de fogo e munição em território nacional será preciso emitir guia eletrônica de tráfego, na qual constará o trajeto e horário do deslocamento pretendido, válido por 24 horas, de acordo com regulamento da Polícia Federal quanto aos aspectos de segurança, quantidade e acondicionamento.
O proprietário de arma de fogo que necessite deslocar arma e munição e não possua a licença de porte deve conduzir a arma acompanhada de seu certificado de registro e da guia eletrônica de tráfego, embalada em separado de sua munição e, quando possível, desmontada de forma que não possa ser usada imediatamente.
Compete ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar, mediante cobrança de taxa, a produção, a exportação, a importação, o desembaraço alfandegário e o comércio de armas de fogo, munições e demais produtos controlados. O objetivo é favorecer uma maior competição no mercado, sem criação de entraves para a importação, a ser disciplinada em regulamento. O Comando do Exército enviará trimestralmente à Polícia Federal relatórios com informações sobre a atividade.
É proibida a exportação de arma de fogo, de peças de armas e de munição por serviço postal ou serviço similar. Mas é permitida a importação de peças de reposição ou sobressalentes de armas de fogo por esse tipo de serviço, exceto armações, canos e ferrolhos, que necessitam de autorização do Comando do Exército.
O exportador de arma de fogo, munição ou outro produto controlado deverá apresentar ao Comando do Exército, para autorização da venda ou transferência, a Licença de Importação expedida por autoridade competente do país de destino, ou a Certidão de Usuário Final (End User Certificate) expedida por autoridade competente do país de destino, quando for o caso.
A Polícia Federal é responsável pelo controle e pela fiscalização de todos os armamentos em circulação no Brasil, com exceção dos pertencentes aos CACs e às Forças Armadas. Ainda assim, os policiais federais deverão atuar, de maneira suplementar, na fiscalização das armas destinadas a coleções, ao tiro desportivo e à caça. Já para inspeção do arsenal militar, cabe ao Comando do Exército enviar relatórios trimestrais com dados referentes aos artefatos, munições e registros.
Outra atividade de responsabilidade da Polícia Federal é a classificação das armas e demais produtos controlados, sejam eles de uso permitido ou restrito. A lei vigente atribui essa função ao presidente da República, mediante proposta do Comando do Exército.
O projeto de lei também estabelece quais são os produtos de uso proibido no Brasil. Em conformidade com convenção internacional assinada em Paris, em 1993, produtos químicos utilizados para construção de armas químicas são proibidos. Assim como brinquedos e réplicas de arma de fogo têm igualmente a circulação restrita. São ilícitos, também, armamentos com aparência de objetos inofensivos.
O texto atribui ao Comando da Aeronáutica e à Agência Nacional de Aviação Civil a tarefa de criar restrições ao porte de armas em voos e em aeroportos. Também é de responsabilidade desses órgãos o transporte aéreo de armamentos, como nos casos de viagem para fins de competição desportiva, por exemplo.
As empresas que comprarem armas devem implantar um sistema de gerenciamento de arsenais, o qual deve ser previamente aprovado pelo Sinarm. O mecanismo precisa possibilitar que armamentos sejam rastreados, bem como a pessoa responsável por cada artefato. Já os comércios especializados necessitam certificar que as munições vendidas correspondem às armas em posse do comprador.
No ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) chegou a discutir outro projeto de lei com mudanças nas regras sobre registro, cadastro e porte de armas de fogo. O PL 3.723/2019, apresentado pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro, foi aprovado na Câmara dos Deputados e era relatado na comissão pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Originalmente, o texto permitia a concessão de porte de armas de fogo para novas categorias, além das previstas no Estatuto do Desarmamento. O PL 3.723/2019 recebeu mais de 100 emendas na CCJ. O senador Marcos do Val apresentou um substitutivo ao texto, mas o projeto não chegou a ser votado. Com o início da atual legislatura, a matéria aguarda a designação de novo relator na comissão.