A sua veia empreendedora se deve a uma herança matriarcal.
“Eu tive uma infância boa, comandada por mulheres porque fui educada por bisavó, por avó, por mãe. Sabe aquela história do provérbio africano de que "precisa de uma aldeia para educar uma criança?". Então, eu tive uma comunidade de mulheres que contribuíram para isso.?E foram essas mulheres negras empreendedoras que, de alguma forma, me ajudaram a construir uma voz”, conta Adriana Barbosa que teve o "empurrãozinho" empreendedor dentro de casa.
“O start do empreendedorismo começa dentro de casa. Eu lembro da minha bisavó criando coisas. Eu vendia. Ela resolveu fazer marmitex. Abriu até a porta da nossa casa para as pessoas comerem em casa. Eu tenho uma memória dela falando da estratégia de comunicação, de fazer as faixas e colocar perto de obras, de fazer os cartões.? Então, minha vó, sim, era muito empreendedora e se eu sou empreendedora hoje eu devo muito a ela que tinha esse tino comercial.”
A primeira vez que Adriana Barbosa sentiu a força da sua voz foi quando começou a fazer a Feira Preta. “Eu passei a me reconhecer, acreditar na minha voz, quando eu comecei ver as pessoas irem para a Feira Preta e de alguma forma compartilharem daquele sonho.”, conta a empreendedora que revela ter sido uma pessoa muito tímida e chegou até a fazer curso de oratória para falar em público. “Ter voz não estava posto para mim, foi um processo, foi uma conquista, poder ter voz.”
A lógica da sobrevivência e da "sevirologia" – arte de se virar nos trinta – como ela define, foi o que a levou a criar a Feira Preta.
“Eu era só uma garota tentando sobreviver, porque eu vendia minhas coisas em feiras de rua. À medida que eu participava dessas feiras, eu via pessoas como eu tentando sobreviver naquela lógica do se vira, né? Hoje, eu vejo a Feira preta como uma perspectiva intuitiva, ancestral, assim como a dos mercados africanos.”, analisa a empreendedora que – em suas viagens pelo Brasil e mundo – pode constatar que a mesma lógica de comércio, como nos quilombos, nos palenques da Colômbia, nas ruas do bairro do Harlem (NY) e no Senegal.
“É o modelo intuitivo. Para essa diáspora africana de alguma forma é uma continuidade. É como se fosse um bastão que você pega e vai dando continuidade”, conta com emoção a empreendedora que descobriu em um teste genético que parte do seu DNA, além de ter heranças indígenas, também descende da região africana da Costa da Mina, conhecida pelos seus mercados e regiões de comércio.
“O fato de empreender dentro do empreendedorismo negro é reconhecer o potencial de consumo que a população negra tem no Brasil e que isso foi sendo construído do ponto de vista do ativismo para o mercado.”
Potência e abundância são duas palavras que não só definem Adriana Barbosa, como também estão sempre presente em suas falas. “Precisamos criar uma nova narrativa das nossas histórias. Não somos só descendentes de escravizados. Na verdade, nossa história está para além disso. Só contaram uma parte dessa história. Não contaram do nosso processo intelectual. Então, a potência é poder de me conectar com abundância e a criatividade dos povos negros no Brasil.”
Uma consciência e letramento racial ainda muito recente para Adriana Barbosa, que cresceu num bairro de classe média da Zona Sul de São Paulo – sendo sua família uma das poucas negras que ali viviam.
“Eu começo a me deparar com um processo intelectual de me reconhecer como uma mulher negra e a potência do que é ser isso na minha juventude.?Quando eu vou para as baladas e começo a frequentar as reuniões do movimento negro. Aí sim, vem o processo do desenvolvimento intelectual e do letramento.”
Algumas vozes pretas influenciaram muito a trajetória de Adriana Barbosa. As primeiras delas foram as da sua bisavó, vó e mãe. Mas ela também reconhece a força cultural e ancestral dessas vozes, como das suas tias e do seu pai – que é músico – e criadores do Samba da Laje, famoso samba de comunidade na periferia da zona sul paulistana. O que, ela mesma chama, de mergulho na cultura brasileira.
“Eu quero contar com ela as histórias do possível. Sem as limitações que as nossas crenças, que o preconceito possa atender.”
É o desejo de Adriana ao falar da sua filha Clara e qual história quer criar com ela. “Eu quero construir com ela um caminho da potência. De que ela pode ser quem ela quiser. Fazer o que ela quiser.”
Assim como quer contar e desenhar novas histórias para a filha Clara, a empreendedora quer dar voz justamente para as crianças. “Se eu pudesse hoje compartilhar esse lugar de voz, certamente seriam com as crianças, com a juventude e com as meninas pretas.”
E, por mais desafiador que seja criar e construir novas trajetórias e narrativas, Adriana tem uma frase que a define, estimula e que ela usa para seguir em frente. “Tá com medo? Vai com medo mesmo. Até hoje, eu sinto muito medo. Sinto frio na barriga mas o medo não me paralisa.”
Este conteúdo foi originalmente publicado em Adriana Barbosa: “Eu não estou a passeio”, diz fundadora da Feira Preta no site CNN Brasil.