Com a aposentadoria do ex-ministro Ricardo Lewandowski de suas atividades no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ocorrida no último dia 11 de março, passou-se a especular os possíveis substitutos que poderiam ocupar a vaga do magistrado nas mais altas Cortes judiciárias do país. No entanto, a “dança das cadeiras” a qual os tribunais serão submetidos deságua em outra questão: os entendimentos dos demais ministros e os possíveis placares que os processos ainda a serem julgadas poderão ter. É o caso da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que apura suposto abuso de poder praticada pelo ex-mandatário ao convocar embaixadores para questionar as urnas eletrônicas e o sistema brasileiro de votação, em julho de 2022. Realizado no Palácio do Alvorada, a sigla de esquerda argumenta que o então pré-candidato à reeleição feriu a lei eleitoral e pede sua inelegibilidade. Após a manifestação do Ministério Público Eleitoral (MPE) no dia 13 de abril, em que o órgão defende a condenação do ex-chefe do Executivo, findou-se a fase da ação de investigação judicial e é esperado que o destino político do ex-chefe do Executivo seja selado ainda neste mês de abril. Segundo interlocutores próximos à defesa de Bolsonaro que conversaram com o site da Jovem Pan, a tramitação desta ação, que pode deixar o ex-presidente longe das urnas pelos próximos oito anos, ocorreu de maneira “política” e “supersônica”.
Na visão da defesa, a saída adiantada de Lewandowski — que se aposentaria de maneira compulsória apenas no dia 11 de maio, ao completar 75 anos — impactou de maneira direta os rumos da ação, e a mudança pode beneficiar Bolsonaro. Isso porque, em seu lugar, entrará o ministro Kássio Nunes Marques, indicado pelo ex-chefe do Executivo. Além disso, a saída de Lewandowski tende a diminuir a força de um quórum “amplamente desfavorável” ao ex-presidente. Na avaliação da defesa, os julgamentos que envolviam Jair Bolsonaro começavam com “quatro a zero”, dos sete magistrados. “Porque eram os três do Supremo — ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski — e o corregedor Benedito Gonçalves, sempre votando juntos em um bloco”, afirma o interlocutor. Com a saída do ex-ministro, esse grupo deve diminuir de quatro para três as cadeiras que tendem a ser contrárias ao ex-presidente.
Formado por sete ministros, o TSE é composto por três magistrados oriundos do Supremo Tribunal Federal, dois do Superior Tribunal de Justiça e dois juristas indicados pela Suprema Corte. Além destes, existem outros sete ministros substitutos. Em relação aos outros integrantes da Corte, há um entendimento de neutralidade para a defesa. Kássio é um ministro tido como “bolsonarista” e que, até o momento, não demonstrou nenhum compromisso com as pautas defendidas pelo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) — além de ter, no ano passado, suspendido a decisão do TSE de cassar o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR). Na ocasião, o magistrado indicado pelo ex-presidente beneficiou o parlamentar cassado em outubro de 2021 por ter publicado um vídeo, em 2018, no qual afirmava ter havido fraude nas urnas eletrônicas, de modo a prejudicar Bolsonaro. A decisão, que foi de encontro ao entendimento e precedente da Corte, é tido como um indício de que Nunes Marques poderá votar para manter a elegibilidade do ex-chefe do Executivo. Raúl Araújo, oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é visto com “independência” e isenção política por já ter votado em outras ocasiões de maneira favorável a Bolsonaro.
“Então vamos imaginar que, dos sete ministros, existam três, em tese, contrários ao Bolsonaro e dois que podem ser favoráveis. Quem é que vai ser o divisor de águas? Os dois ministros da classe dos juristas: Sérgio Banhos e Carlos Horbach”, disse a fonte ouvida pela Jovem Pan. No entanto, Banhos irá se aposentar do tribunal brevemente, em 16 de maio, já que este mantém o cargo de ministro a quatro biênios, e isso o credencia a ser o mais independente de todos os magistrados que julgarão o ex-presidente. Horbach, porém, ainda tem a possibilidade de uma última recondução à cadeira de ministro do TSE. Portanto, há a possibilidade de o ministro sofrer uma pressão política pelo governo petista por uma perspectiva de recondução ao cargo. “Aquele quórum de quatro votos contra o Bolsonaro, pode não ocorrer. Esse é um cálculo difícil. Mês de maio é um mês que define a situação. Essa velocidade que o processo empreendeu deu uma freada com a saída antecipada do ministro Lewandowski”, avaliou o interlocutor próximo à defesa do ex-presidente.
Embora o entendimento político da Corte seja apontado como o principal entrave para o sucesso da equipe que busca a absolvição de Bolsonaro, a avaliação dos envolvidos é de que o processo, do ponto de vista jurídico, é simples e não amedronta pelo fato de o ex-presidente não ter pedido voto ou atacado futuros adversários na disputa à Presidência. “Não há gravidade para gerar inelegibilidade”, argumentou. Para sustentar a convicção de que o viés político pode influenciar na decisão dos magistrados, a defesa alega que a Corte passou a permitir a ampliação da causa para trazer ao processo argumentos alheios à questão central da ação, como a minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que previa a instauração de um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral. “Já recorremos dessa decisão, existe um recurso paralisado que subirá ao Supremo, onde acusamos a Corte de utilizar ‘dois pesos e duas medidas’. No caso Dilma-Temer, o TSE não aceitou ampliação da causa para juntar achados da Lava Jato. Por que vamos permitir, agora, juntar minuta apócrifa de um decreto de Estado de Defesa de janeiro?”, questionou.
Na ocasião, durante julgamento da cassação da chapa formada por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), em abril de 2016, a ministra Maria Thereza de Assis Moura negou um pedido do Ministério Público Eleitoral para que fossem anexados no processo acordos de delação premiada dos executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, investigados no âmbito da Operação Lava Jato. Em sua decisão, a magistrada argumentou que o acordo ainda estaria em segredo de Justiça e, por isso, não poderia ser utilizado. Em outra solicitação, o PSDB havia requerido a inclusão de provas da investigação da Operação Acarajé, uma das fases da Lava Jato, que prendeu de maneira temporária o publicitário João Santana — condutor da campanha presidencial de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2006, e das duas campanhas de Dilma Rousseff, em 2010 e em 2014 — por ter recebido mais de US$ 7 milhões sob forma de propina. A ministra sustentou que o pedido da oposição foi realizado de maneira genérica. “Trata-se de pleito que visa averiguar a suposta ocorrência de fato, nominado pelos autores [PSDB] como fraude, consistente na disseminação, por meio de mensagens escritas tipo SMS, de falsas informações a respeito da extinção de programas sociais, bem como o alcance da referida divulgação, razão pela qual entendo não haja razão para indeferi-lo”, despachou a então ministra do TSE.
“A peça da acusação é muito frágil. A nossa estratégia sempre foi acreditar no direito e na Justiça, que o julgamento seria justo e que o processo não tem nenhum tipo de prova convincente à cassação”, expõe o interlocutor após ressaltar que recorrer ao Supremo Tribunal Federal é “obrigação”. Questionado se a defesa do ex-presidente acredita que haverá uma condenação com viés político, a resposta é enfática: “Eu e toda a torcida do Flamengo, a defesa nunca encontrou um ambiente tão desfavorável como nesse caso do presidente Bolsonaro e ele sabe disso”. Com a entrega da manifestação do Ministério Público Eleitoral, cabe agora ao ministro Benedito Gonçalves entregar seu parecer e liberar o caso para julgamento. Com isso, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, decide se inclui ou não o processo ainda na pauta a ser votada em abril. Além da ação que irá julgar Bolsonaro por suposto abuso de poder através da reunião com os embaixadores, o ex-presidente ainda é investigado por uso eleitoreiro de programas sociais durante a campanha eleitoral; criação de um “ecossistema de desinformação” nas redes sociais; três ações sobre suposto uso eleitoral do desfile de 7 de setembro de 2022; três ações que o acusam de abuso durante viagens oficiais; três contestações sobre a utilização do Palácio da Alvorada (residência oficial da Presidência da República) para a campanha eleitoral; denúncia de favorecimento a determinada emissora durante o pleito; campanha paralela a empresários e personalidades religiosas; e acusação de participação na disseminação de mensagens políticas pelo número do governo do Paraná.