HÉLIO GASPARI*
FOLHA DE S.PAULO
O 8 de janeiro teve dois momentos críticos. Um, diurno, deu-se com as invasões. O outro, noturno, esteve envolvido em brumas. Ele aconteceu quando o país, surpreso, viu que uma tropa do Exército barrou viaturas da PM de Brasília que pretendiam desmontar o acampamento montado em frente ao QG do Exército, onde pessoas pediam um golpe.
Durante mais de três meses acreditou-se que havia ocorrido uma queda de braço, com generais desafiando o governo. O comandante militar do Planalto, Gustavo Henrique Dutra de Menezes, saiu do silêncio e revelou que, naquela noite, falou por telefone com Lula, explicando-lhe o risco de uma operação noturna. Acertaram que o acampamento seria desmontado na manhã seguinte e assim foi feito.
A ideia de que o Exército havia escorraçado a PM injetou uma tensão desnecessária àquele ambiente carregado. O que poderia ter sido limonada virou limão.
Vitorioso nas urnas, Lula mobilizou uma equipe de 941 pessoas, divididas em 31 grupos temáticos que lidavam com 217 assuntos: 5 pessoas cuidavam da área da Defesa, 40 da Justiça e Segurança Pública.
Ao que se sabe, nenhum servidor civil ou militar do Gabinete de Segurança Institucional de nível médio foi substituído.
O major que no dia 8 de janeiro dava literalmente refresco a um invasor, passando-lhe uma garrafa de água, era o responsável pela segurança do palácio naquele domingo.
As invasões do MST, bem como a presença de seu líder João Pedro Stedile na comitiva de Lula na viagem à China, debilitaram a banda do agronegócio que se opõe aos agrotrogloditas bolsonaristas.
Madame Natasha adora uma CPI, mas teme que a Comissão de Inquérito do 8 de janeiro lhe lese os nervos, trazendo de volta a onipresente palavra “narrativa”, para designar o que se pode chamar de versão, entendimento e, às vezes, de opinião.
Um bolsonarista dizendo que Lula tolerou os planos e as ações golpistas não estaria apresentando uma narrativa, mas apenas dando sua opinião ou, talvez, sua versão.
* Jornalista, autor de cinco volumes sobre a
história do regime militar, entre eles
“A Ditadura Encurralada”.