“Eu fui um agente infiltrado deles”, disse ele, em entrevista à Folha, na sexta-feira (2). O caso foi revelado pela revista Veja.
As supostas ilegalidades, segundo Garcia, foram informadas à juíza federal Gabriela Hardt em 2021. Em novembro de 2022, a magistrada rescindiu o antigo acordo de delação, atendendo a um pedido do MPF (Ministério Público Federal) de 2018. A defesa do empresário ainda recorre da decisão.
Garcia afirma que, embora tenha apontado atuação ilegal das autoridades envolvidas em sua delação, a juíza não tomou providências.
Segundo ele, seu relato foi feito durante uma audiência em 2021 e o conteúdo foi enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) somente em abril deste ano, por decisão do juiz Eduardo Appio —afastado do cargo desde 22 de maio sob suspeita de infração disciplinar.
Garcia diz que prestou depoimento à juíza para detalhar sua atuação como colaborador, “para que ela formasse juízo de valor antes de sentenciar uma barbaridade daquela”, isto é, o pedido de rescisão feito pelo MPF.
“Nessa audiência, surpreendi até os meus advogados, que não sabiam de nada, e coloquei tudo que eu fui obrigado a fazer. Fui agente infiltrado [de Moro e dos procuradores]”, disse ele, em referência aos anos seguintes ao acordo de delação, entre 2005 e 2006.
“Eles [procuradores] me obrigaram a andar com dois telefones deles com microfone aberto. Foi assim que eu gravei o [advogado] Roberto Bertholdo, um monte de gente, para eles. Quando eles pegavam conversas que interessavam, eles levavam ao Moro e ele esquentava as conversas. Fazia como se tivesse autorização judicial, com data retroativa.”
Garcia afirma que possui provas para corroborar as declarações e que pretende mostrá-las ao STF.
Hoje senador pela União Brasil, Moro disse em nota que o empresário faz um “relato mentiroso e dissociado de qualquer amparo na realidade ou em qualquer prova”.
A reportagem procurou Gabriela Hardt na sexta, por meio da assessoria da Justiça, mas não teve retorno.
Garcia afirma que passava frequentemente números de telefones para agentes da Polícia Federal de Brasília hospedados em Curitiba.
“Um agente tinha um Guardião, [sistema] que grava vários telefones ao mesmo tempo. Quase todo dia, a gente se encontrava às 6 horas da tarde em frente ao shopping Mueller. Eu pegava ele, ele entrava no meu carro, e eu passava números de telefone para ele grampear”, narrou.
Segundo o empresário, Moro e os procuradores tinham interesse especial no advogado Roberto Bertholdo, por causa da suposta influência dele com desembargadores do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Ex-assessor do MDB em Brasília, Bertholdo é um lobista conhecido e já foi acusado de suposto tráfico de influência e interceptação telefônica ilegal (inclusive de conversas de Moro). Ele também foi suplente de Garcia em uma disputa ao Senado.
Garcia cita o nome de Carlos Fernando dos Santos Lima e de Januário Paludo entre os procuradores que supostamente o obrigavam a gravar pessoas de forma ilegal. Ambos ganharam projeção na Lava Jato, anos depois.
Carlos Fernando, hoje aposentado, chamou de “palhaçada” as falas do delator. A reportagem ainda não conseguiu contato com Paludo, atualmente lotado na Procuradoria Regional da República da 4ª Região.
O nome de Garcia despontou na política paranaense na década de 1990, quando resolveu disputar o Senado com o apoio do então candidato a presidente da República Fernando Collor, de quem se dizia amigo. A candidatura foi malsucedida.
Em 1992, fracassou em outra eleição, dessa vez para a Prefeitura de Curitiba. Conseguiu se eleger deputado estadual em 1998, mas exerceu apenas um mandato e abandonou a política.
Em 2004, Garcia foi preso pela PF, acusado de gestão fraudulenta do Consórcio Nacional Garibaldi. Ele concordou em fazer uma colaboração premiada, no fim daquele ano, com procuradores da força-tarefa do caso Banestado junto à 2ª Vara Federal de Curitiba (atual 13ª Vara).
No acordo, homologado por Moro, que era titular do caso, Garcia narrou 30 situações ilegais, envolvendo políticos, advogados, empresários e autoridades do Judiciário. No documento constava que ele era “obrigado a providenciar a prova material” de seus relatos.
Garcia afirma que o pedido do MPF para rescindir seu acordo tem ligação com um episódio de 2018, quando forneceu gravações ao Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado), braço criminal do Ministério Público Estadual do Paraná.
Os áudios abasteceram denúncias contra o ex-governador Beto Richa (PSDB), hoje deputado federal.
Segundo ele, os procuradores insistiam em obter acesso integral a gravações que estavam guardadas com Garcia, com o objetivo de acrescentar elementos a uma investigação contra Richa, mas no âmbito da Justiça Federal.
“Não é que eu não queria dar. Mas eu estava exigindo que, para entregar o pen drive [com as gravações], eles anuíssem o meu acordo com o Gaeco, para eu ficar protegido. Foi aí que eles começaram com retaliação”, disse ele.
De acordo com Garcia, o então procurador Deltan Dallagnol, eleito deputado federal pelo Podemos e hoje cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), começou a fazer “um monte de arbitrariedade para que eu entregasse [o pen drive] na marra”.
“O Deltan mandou buscar toda a filmagem no andar onde fica meu escritório, no Curitiba Trade Center, para saber quem tinha frequentado lá. Eles tinham uma Guantánamo”, afirmou o empresário, em alusão à prisão mantida em Cuba pelo governo dos Estados Unidos.
Em julho de 2018, Garcia entregou o pen drive e celebrou o acordo com o Gaeco, com o MPF como anuente. Deltan foi procurado nesta segunda (5), mas ainda não respondeu.
Já o MPF sustenta que a rescisão do acordo foi pedida à Justiça porque Garcia mentiu, escondendo a propriedade da empresa Eldorado Corretora de Mercadorias Ltda., que vendia veículos importados. Para a Procuradoria, houve omissão de tributos decorrentes do comércio.
Em consequência da rescisão da delação, uma ação penal na qual Garcia é réu, e que estava suspensa, voltou a tramitar. A defesa do empresário classifica a decisão como “equivocada e abusiva”, já que a rescisão ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda há chance de recurso.
Outro efeito foi a transferência para a União do imóvel que Garcia deixou como garantia do acordo, no Curitiba Trade Center Office Building.