A Marcha das Mulheres Negras também abriu espaço para jovens lideranças, inclusive crianças. Alia Terra, de apenas 10 anos de idade, foi uma das ativistas que discursaram. "A gente está batalhando aqui com todas as mulheres, sempre unidas, contra todo tipo de violência e racismo e pelo bem viver", bradou, sendo ovacionada em seguida.
O ato seguiu pela orla de Copacabana com gritos de "vem para a marcha, vem!". As participantes carregavam faixas, cartazes e ostentavam placas como retratos de mulheres negras que lutaram pela defesa, respeito e empoderamento da população preta, como a escritora Carolina Maria de Jesus, a cantora Elza Soares, a intelectual Lélia Gonzalez, a líder quilombola no século 18 Tereza de Benguela, e a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em 2018.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, esteve na passeata e disse ser uma importante ressignificação ter tanta mulher negra reunida na orla de um bairro onde costumam apenas trabalhar.
"A gente está em marcha, a gente não está dispersa, pelo contrário. Que bom que a gente tem o governo federal à frente de políticas públicas eficazes, de saúde a educação, segurança, que é o mais importante. É a nona marcha. A gente sempre marchou e vai continuar marchando. Estar ao lado dessas mulheres, para mim, está dando um sentimento de acalanto e fortalecimento nesse lugar".
A ministra lembrou que a irmã sempre participava das marchas. "Mari, se estivesse aqui, com certeza estaria abrilhantando muito essa marcha, estaria aqui à frente. A Mari não estar aqui significa que toda e qualquer mulher para ter que estar aqui também corre perigo, então, enquanto a gente não conseguir descobrir quem mandou matar e por quê, significa que as mulheres negras, a democracia, quem está aqui à frente, corajosamente, colocando o seu corpo nesse lugar, onde historicamente não é para a gente, também corre perigo", disse Anielle.
A advogada Marinete da Silva, mãe de Marielle, lembrou que a marcha acontece no mês em que a filha faria aniversário. "Estamos aqui para, a cada dia, dizer que estamos assumindo cada vez mais esse poder e esse lugar de fala, que é nosso. Esse julho que nos representa. É o julho das pretas", disse.
Lembrando que no ano que vem acontecem eleições municipais, Clatia Vieira, uma das organizadoras da marcha, defendeu que as mulheres negras ganhem mais espaço na política. Ela levantou ainda outra bandeira do movimento: a esperança de uma negra ocupar a próxima vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal.
"Nós trabalhamos para isso, nós construímos. É nesse governo que as mulheres negras, pela primeira vez na história, vão sentar naquela cadeira, para que as nossas pautas sejam discutidas com a gente".
A próxima vaga na corte máxima do Judiciário brasileiro vai ser aberta em outubro deste ano, com a aposentadoria compulsória (75 anos) da ministra Rosa Weber. O nome do futuro ministro é uma escolha do presidente da República, e precisa ser aprovado pelo Senado.
Clatia Vieira lembrou que a marcha não é uma festa, e sim um movimento para enfrentar lutas. Números comprovam que a situação da mulher negra é desafiadora. Elas são 67% das vítimas de feminicídios e 89% das vítimas de violência sexual. No mercado de trabalho, são as que sofrem mais com o desemprego.
Leonídia Carvalho, é presidente do Quilombo Dona Bilina, em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. Para ela, o ato deste domingo é também pela soberania alimentar da população preta.
"Estamos lutando por várias lutas que foram pautadas ao longo da história, após a libertação [fim da escravidão], quando foram tirados do povo negro o direito à terra, à moradia, à plantação, à alimentação de qualidade. Essa marcha representa uma luta dessas mulheres que estão em casa, nas cozinhas delas e não têm o alimento de qualidade, é uma luta antirracista e pela soberania alimentar".
A manifestação contou com a participação de grupos de música, como o Filhos de Gandhi, que completou 70 anos.
Algumas das mulheres presentes na marcha fizeram questão de levar filhos pequenos, em um esforço para preservar e passar adiante o interesse pela luta antirracista.
Pulchéria Silva é de Volta Redonda, cidade no sul do estado do Rio de Janeiro, que fica a mais de duas horas de carro de Copacabana. Ao mesmo tempo em que acompanhava a marcha, ela amamentava o filho de 1 ano e 7 meses.
"Temos que nos posicionar, demonstrar para a sociedade a nossa conscientização, as nossas lutas e a valorização que vem crescendo, cada vez mais, da mulher negra", disse à Agência Brasil, afirmando acreditar que a presença do filho é uma forma de fazê-lo crescer com consciência nas raízes dele.
O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha (25 de julho) foi criado pela Organização das Nações Unida (ONU), durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. No Brasil, a data também é uma homenagem à Tereza de Benguela, conhecida como Rainha Tereza, que viveu no século 18, no Vale do Guaporé, em Mato Grosso, e liderou o Quilombo de Quariterê.
O Dia Internacional da Mulher Africana, celebrado em 31 de julho, foi criado em referência à Conferência das Mulheres Africanas, em 1962, na cidade de Dar Es Salaam, na Tanzânia.