Em 1965, havia ainda a expectativa de realização de eleições para a Presidência da República, que não se concretizaram. Quando veio o AI5, acabando com os pedidos de habeas corpus, autorizando a invasão de domicílios sem autorização judicial, Thiago de Mello e sua esposa Lourdes Rodrigues entraram para a clandestinidade. Em 1969, ela foi presa, junto com o irmão Carlito, de 12 anos, que acabou sendo solto. A mãe de Lourdes, com a ajuda do diretor do Jornal do Brasil à época, Odylo Costa, Filho, conseguiu encontrar a filha, que estava grávida. Ela e Thiago, então, exilaram-se no Chile, Como os aeroportos estavam vigiados, eles foram de carro até o Rio Grande do Sul, atravessaram a fronteira para Montevidéu e daí seguiram para o Chile, através da Cordilheira dos Andes, narrou Isabella.
Já como exilado, Thiago recebeu a segunda leva de brasileiros integrada por Glauber Rocha, Carlos Minc, Silvio Tendler e Regina Linhares, entre outros. Quando Isabella nasceu, em Santiago, em 1970, a primeira pessoa a visitar a maternidade em San Isidro, "com flores na mão para Thiago e Lourdinha, foi Salvador Allende". Em 1973, com o golpe no Chile, os exilados brasileiros foram considerados subversivos. "Foi a volta do terror", comentou Isabella. Thiago de Mello conseguiu um salvo-conduto para a Alemanha, concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU), e viajou com o filho mais velho Alexandre Manuel, o Manduka, do seu casamento com a jornalista Pomona Politis.
"Estou, realmente, muito emocionada e grata à ABI e à Fundação Salvador Allende por poder agradecer tudo o que Allende fez para proteger centenas, milhares de brasileiros exilados no Chile, inclusive meu nascimento, meu pai Thiago e minha mãe Lourdinha". Isabella definiu o evento em memória de Allende como uma homenagem à democracia, "porque são histórias como essa que não podem mais acontecer", afirmou. Durante o evento, Isabella vai declamar poemas de Thiago de Mello.
"Eu estava lá e vi o Rio Mapocho rubro do sangue de estudantes e operários", contou o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Carlos Minc, em mensagem enviada à Agência Brasil.
Na mensagem, Minc convida a população e aqueles que defendem a democracia a participar do ato na ABI que homenageia a resistência de Salvador Allende à ditadura chilena. "A gente escapou de um golpe aqui, há pouco tempo, graças à nossa resistência. Vamos apoiar nossos irmãos chilenos que, agora, inclusive, estão prendendo os torturadores, coisa que a gente não fez e deveria ter feito aqui no Brasil. Vamos celebrar a democracia com música, com emoção, juntos".
Minc acentuou que este é um momento importante. "Não podemos deixar isso passar em branco."
A cantora Javiera Parra, neta da compositora chilena Violeta Parra, interpretará músicas compostas pela avó, que eram cantadas por todos aqueles que festejavam a vitória da democracia no Chile com Salvador Allende e o avanço social que ele desejava para o país. Javiera disse à Agência Brasil que é preciso continuar lutando pela causa de todas aquelas pessoas que perderam a vida e por suas famílias, "gente que desapareceu e até os dias de hoje não foi encontrada".
Para Javiera, houve, até certo ponto, um "retrocesso no Chile". Segundo ela, o retrocesso foi na capacidade de o país aceitar o que aconteceu: a derrubada da democracia, o genocídio, os crimes cometidos. "Até os últimos 15 anos, não havia negacionismo no Chile. Hoje em dia, existe negacionismo. Isso é muito duro para se ver e se assumir."
A cantora ressaltou que, apesar disso, a figura de Allende só faz crescer a cada ano em sua dignidade, em sua força, em sua constância e consequência, "porque ele foi um presidente eleito pelo povo do Chile, e isso o transforma em um presidente legítimo, que decidiu ficar em La Moneda e enfrentar o golpe com valentia. Sua figura cresce ano a ano para as novas gerações, que seguem vendo Allende como um ser humano íntegro e que merece respeito". Para aqueles que, como ela, tinham 5 anos de idade à época do golpe no Chile, Javiera afirmou que "o único que podemos continuar fazendo são homenagens à sua humanidade e à sua valentia".
Violeta Parra é considerada a mãe da canção comprometida com a luta dos oprimidos e explorados. É autora de clássicos como Volver a los 17, La Carta, cantada em momentos de enorme comoção revolucionária, nas barricadas e nas ocupações, e a lírica Gracias a la Vida, gravada no Brasil por Elis Regina, que renovou o ânimo de gerações de revolucionários latino-americanos.