Publicação do Ipea diz que apenas filhas adolescentes contribuem para a redução das responsabilidades reprodutivas das mães
As mulheres desempenham uma carga maior de trabalho doméstico e de cuidados não remunerados em comparação com os homens, segundo um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no início deste mês. De acordo com a publicação, o simples fato de ser mulher leva a um acréscimo de 11 horas semanais nos serviços do lar.
As desigualdades de gênero no trabalho entre casais brasileiros são marcadas por posição no curso da vida, disponibilidade de tempo, recursos relativos em uma família, respostas compensatórias e neutralização dos desvios de gênero, segundo o estudo. O texto acrescenta também que o tempo é maior quando há presença de filhos.
“A diferença nas atividades de cuidados e trabalhos domésticos se explica pelas questões de normas sociais. A maternidade é um fator crucial, e a literatura tem se debruçando muito em identificar esses fatores ultimamente, combinado com a questão de normas culturais, de que o homem deve ser o provedor e a mulher, a cuidadora. E essas diferenças vão refletir em uma série de outras diferenças no mercado de trabalho, como desigualdade de rendimento e de participação”, explica a pesquisadora do Ipea Ana Luiza Neves.
O impacto das crianças pequenas na jornada da mulher é o dobro em comparação a nos homens, mas diminui à medida que os filhos crescem. Por outro lado, a presença de adolescentes (15 a 18 anos) alivia a carga de trabalho para os pais. A publicação mostra que há ainda uma tendência de gênero: filhos de ambos os sexos reduzem o tempo gasto pelos pais, mas apenas filhas adolescentes contribuem para a redução das responsabilidades reprodutivas das mães.
Moradora de Águas Claras, Lidiany Krüger, de 37 anos, entende bem o resultado do estudo. “Eu trabalho na Secretaria de Planejamento do Governo do Distrito Federal e também faço as tarefas domésticas. Em uma conta média, dá umas 20 horas por semana com os serviços de casa”, conta. “Eu tenho duas crianças, de 8 e de 13 anos de idade, então, ainda tem essa parte”, acrescenta.
A profissional pública explica que todas as tarefas domésticas recaíam sobre ela até maio deste ano, quando teve um burnout — distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. Após o diagnóstico, o companheiro de Lidiany começou a dividir os serviços do lar.
“Ele está trabalhando em casa agora, então, tem ajudado mais ainda. Por exemplo, ele não sabe cozinhar, mas finaliza a mesa, lava as louças, enfim. Nós dividimos as funções, porque sozinha eu não dou conta. E ainda coloco os meus filhos para ajudarem, para construírem esse entendimento de que todos têm que contribuir”, destaca Lidiany.
O estudo do Ipea trata também da dinâmica com outros adultos, além do casal, na residência. Nesse caso, o trabalho doméstico dos homens é reduzido, especialmente se essa pessoa for uma mulher.
“A presença de idosos com 80 anos ou mais de idade afeta de maneira diferente as mulheres e homens, aumentando a carga de trabalho reprodutivo delas — ter um filho de 4 a 5 anos —, mas não gerando efeito sobre eles. Esse resultado equivale cerca de 3,5 horas por semana para as mulheres e sem efeito para os homens”, diz a publicação.
“Aqui e em países ocidentais é assim que ocorre. Vamos supor que haja um idoso na família. Geralmente, quem cuida é a mulher. A mulher cuida dos seus pais, principalmente com as questões de saúde e de envelhecimento. São normas sociais sempre cunhadas dessa forma. Por que a mulher tem que trabalhar e cuidar do filho ou dos pais, enquanto o homem tem que apenas trabalhar no mercado [de trabalho]?”, questiona Ana Luiza.
Nesta semana, a americana Claudia Goldin foi agraciada com o Prêmio Nobel de Economia por seus estudos sobre o papel feminino. Terceira mulher a ganhar o prêmio, a professora da Universidade Harvard foi distinguida por “ter feito avançar nossa compreensão dos resultados das mulheres no mercado de trabalho”, anunciou o júri.
Ana Luiza Neves destacou que a pesquisa feita pela ganhadora do Nobel de Economia é justamente na linha de entender a participação das mulheres no mercado de trabalho e as diferenças de rendimentos no contexto americano, mas que seus resultados se aplicam também para outros países, principalmente os ocidentais.
“Golden foi importantíssima em colocar tais questões, não só em apontar as diferenças, mas em analisar os fatores da desigualdade e de vulnerabilidade. Seus estudos mostram desde a importância das pílulas contraceptivas em gerar uma liberdade maior para a mulher no sentido de retardar o casamento e influenciar nas decisões de escolha de carreira até a questão da maternidade, e quanto isso é um obstáculo na carreira das mulheres”, diz a pesquisadora do Ipea.
Fonte: R7