Se for mantido o atual projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2023, o Ministério da Saúde terá o menor orçamento dos últimos dez anos (R$ 149,9 bilhões), o que representa uma redução de R$ 22,7 bilhões em relação a 2022, descontados os gastos com a Covid-19.
Isso ocorre em um momento em que o SUS viu seus gargalos aumentarem devido à pandemia e aos efeitos do teto de gastos de 2016, que limita os gastos federais e tem impedido, na prática, o aumento de recursos para saúde e outras áreas sociais. A medida retirou quase R$ 37 bilhões do sistema público entre 2018 e 2020, segundo cálculos do CNS (Conselho Nacional de Saúde).
"O cenário é catastrófico. Precisamos recompor o orçamento, com, no mínimo, aquilo que já estava previsto", afirma o presidente do CNS, Fernando Pigatto. Na quarta passada (26), o CNS encaminhou uma carta para a Relatoria da Saúde da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando a retirada de recursos do SUS para 2023.
O corte deve atingir a oferta de medicamentos gratuitos, contratação de médicos, vacinação, ações para prevenção e controle de HIV Aids e as demais infecções sexualmente transmissíveis, além de hepatites virais e tuberculose.
Nas ações de imunização, por exemplo, o orçamento passou de R$ 13,6 bilhões em 2022 para R$ 8,6 bilhões. "A prioridade do SUS a partir de janeiro terá que ser a criação de uma força-tarefa para aumentar a cobertura vacinal infantil para acima de 90%. Estamos sob o sério risco de reintrodução de doenças já erradicadas", diz Adriano Massuda, médico sanitarista e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Em setembro, a Opas (Organização Pan-americana para a Saúde), braço nas Américas da OMS (Organização Mundial da Saúde), declarou o Brasil como país de muito alto risco para pólio.
Desde 1989 não há casos casos da doença, mas desde 2015 o país registra queda progressiva das taxas de imunização. Em 2021, a cobertura da pólio em crianças menores de 1 ano chegou a 70% -ante uma meta de 95%.
Para 2023, há previsão ainda de redução do piso de atenção primária e de ações para prevenção, controle e tratamento do HIV Aids e as demais ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), além de hepatites virais e tuberculose.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, vislumbra uma grave crise de distribuição de medicamentos devido aos cortes. "Não pode faltar remédio para hemofílico, para transplante, para pacientes com HIV, para a Farmácia Popular, mas já está faltando e vai piorar muito se o orçamento não for revisto."
Para Massuda, será preciso um bom diagnóstico das necessidades e das áreas afetadas para então ser proposto um "orçamento de guerra". Segundo estimativa do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), seria necessário um aporte adicional de R$ 8 bilhões só para dar conta da demanda que deixou de ser atendida durante a pandemia.
Também é urgente dar vazão à grande demanda de exames, cirurgias e procedimentos de baixa e média complexidade que ficaram represados. Houve diminuição de mais de 900 milhões de procedimentos, de acordo com a Fiocruz, que comparou os anos de 2020 e 2021 ao período pré-crise sanitária. Uma saída, sugere Massuda, é envolver estados e municípios em mutirões emergenciais.
Para ele, o enfrentamento de doenças cardiovasculares e dos casos de câncer que ficaram sem diagnóstico e agora surgem mais agravados vão demandar linhas de cuidados envolvendo serviços públicos e privados.
Outra prioridade é o fortalecimento da atenção primária, com expansão do ESF (Estratégia Saúde da Família). Os resultados do Previne Brasil têm mostrado dados preocupantes: apenas 11% dos municípios conseguiram cumprir metas de controle de diabetes e 12% da hipertensão.
Entre as razões atribuídas ao desempenho ruim está o fato de que muitos municípios não conseguem contratar médicos para a atenção primária. Só no Estado de São Paulo, as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) paulistas perderam mais de 2.200 médicos em oito anos, segundo levantamento realizado pelo Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo).
"Com a destruição do Mais Médicos, 15 mil médicos foram retirados das periferias. Cerca de 45 milhões de brasileiros tinham médicos e deixaram de ter", diz Vecina Neto.
A pesquisa do Conasems comparou dados do primeiro semestre de 2014 -quando estava em vigor o programa Mais Médicos, implantado na gestão de Dilma Rousseff (PT)- com o mesmo período de 2022, com números de seu substituto, o Médicos pelo Brasil, em vigor há cerca de três anos no governo de Jair Bolsonaro (PL).
"Há um consenso no país de que temos que recuperar a atenção básica, investir em telessaúde, organizar regiões de saúde. Temos toda a possibilidade de construir uma agenda convergente em defesa do SUS", diz Massuda, da FGV.