Alvo de buscas hoje em operação que investiga o monitoramento ilegal de celulares de autoridades pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) pode dar adeus à disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro. O pré-candidato é considerado pela Polícia Federal suspeito de comandar um sistema paralelo usado para vigiar integrantes do judiciário, políticos e até jornalistas considerados críticos à gestão de Jair Bolsonaro. Suspeitas envolvendo a chamada “Abin paralela” vieram à tona em reportagens de órgãos de imprensa ainda no governo anterior. Dois dias antes de deixar a agência para concorrer à Câmara em 2022, o então diretor-geral determinou a abertura de um expediente interno, mas a apuração não avançou. Novas denúncias na imprensa, então, levaram à Polícia Federal a abrir sua própria investigação. Concluiu-se que funcionários da Abin e da PF, nomeados por Ramagem, conseguiram acessar de forma clandestina o sinal de celulares de diferentes alvos sem o conhecimento das operadoras de telefonia. Adquirido da empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o software FirstMile se conecta à infraestrutura de telefonia.
O monitoramento por geolocalização não inclui acesso a conteúdo de conversas ou mensagens, mas permite traçar um rotina de deslocamento do usuário e, por meio do cruzamento com sinais de outros aparelhos, determinar eventuais encontros entre os alvos. A PF tem indícios de que um dos primeiros alvos teria sido o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), durante sua gestão como governador do Ceará. Em função da onda de violência promovida pelo crime organizado no estado em 2019, o petista chegou a pedir apoio da Força Nacional. Teriam sido monitorados na mesma época o senador Davi Alcolumbre e o ex-deputado Rodrigo Maia, que comandavam o Senado e a Câmara, respectivamente. Ambos foram acusados nas redes bolsonaristas de planejar um “golpe parlamentarista” contra Bolsonaro. Apoiador do ex-presidente, Roberto Jefferson chegou a falar publicamente sobre o suposto golpe. Mesmo sem provas, o conteúdo foi repercutido por Bolsonaro em uma de suas lives. Investigadores também suspeitam que Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes foram monitorados clandestinamente, em meio às tensões entre Executivo e Judiciário.
Por meio da representante brasileira Suntech, a Cognyte fechou ao menos três contratos com a Abin, em montante superior a R$ 17 milhões. Durante sua gestão, Ramagem elevou o nível de sigilo dessas aquisições. Esses contratos também estão sendo investigados pela PF, que, durante operação em outubro passado, cumpriu mandados de busca e apreensão na própria sede da agência. A investigação, que já conta com a colaboração interna de ex-servidores, deve seguir a hierarquia de comando da Abin, então sob controle do GSI de Augusto Heleno, braço-direito de Bolsonaro. Os investigadores não descartam entrar no entorno familiar do ex-presidente, considerando denúncia feita pelo ex-ministro Gustavo Bebianno, pouco antes de morrer em março de 2020, acusando Carlos Bolsonaro de tentar montar uma ‘Abin paralela’ no Planalto. Na ocasião, Bebianno disse que ele e o também ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz foram contrários à ideia. Ironicamente, um dos investigados pela PF é o empresário Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general e representante da Cognyte. Ele foi alvo de buscas ainda em outubro. Carlos sempre negou as acusações.