No fim do ano passado, uma auditoria do órgão de fomento detectou possíveis irregularidades na prestação de contas de docentes ligados ao Instituto de Biologia da estadual de Campinas.
Até o momento foram identificados supostos desvios de recursos destinados a 28 professores. Servidores afirmam que os valores subtraídos podem passar de R$ 2 milhões. A Fapesp não cita valores. A Unicamp, por sua vez, diz que "a soma é vultosa".
Uma investigação preliminar conduzida pela direção do instituto aponta a atuação de uma ex-funcionária da Funcamp (Fundação de Desenvolvimento da Unicamp), fundação sem fins lucrativos ligada à universidade. Ligiane Marinho de Ávila, 36, foi demitida por justa causa no último dia 18 de janeiro, depois do caso ter sido descoberto.
A reportagem tentou contato com Ligiane na tarde desta quinta-feira (8). Ela atendeu, mas desligou o telefone assim que soube do que se tratava. A reportagem enviou mensagens em seguida, mas ela não respondeu.
Apesar de a investigação apontar que a funcionária teria desviado o dinheiro sem o conhecimento dos docentes, a Fapesp afirmou à reportagem que os pesquisadores são responsáveis pela gestão financeira dos recursos que recebem. A agência informou que, caso as irregularidades se comprovem ou não sejam sanadas, os professores terão de devolver os valores.
O suposto desvio foi descoberto quando a Fapesp identificou irregularidades na prestação de contas de um pesquisador do Instituto de Biologia. Quando pediu esclarecimentos, descobriu que o mesmo ocorria com outros pesquisadores da unidade.
Cabe aos pesquisadores realizar as prestações de contas de como as verbas de suas pesquisas são utilizadas. Porém, ao menos desde 2018, Ligiane se tornou responsável por esse trabalho -ela era contratada pela Funcamp havia cerca de dez anos e atuava na Secretaria de Apoio ao Pesquisador do Instituto de Biologia. A funcionária tinha acesso a todos os dados financeiros dos projetos dos docentes.
Na mesma época em que passou a ser responsável pela prestação de contas, Ligiane abriu, em 12 de abril de 2018, uma microempresa em seu nome, que tinha como atividade a manutenção e reparação de equipamentos e produtos não especificados. A empresa foi encerrada no mês de janeiro deste ano -seis dias após a sua demissão.
Segundo a investigação do instituto, ao longo desse período, ela emitiu diversas notas frias em nome da empresa dela, como se fossem de manutenção e outros serviços prestados aos pesquisadores, desviando assim as verbas da Fapesp destinadas a pesquisa.
Colegas de trabalho estranhavam a vida acima do padrão que a contratada da Funcamp levava, inclusive com frequentes trocas de veículos. O mais recente, um Chevrolet Equinox, é avaliado em cerca de R$ 200 mil. Ela costumava responder que vinha de uma família de posses.
Os servidores da universidade se mostram incomodados com o caso e pressionam por uma medida mais enérgica da direção em relação à ex-funcionária. A situação levou a Coordenação do Instituto de Biologia a divulgar um comunicado explicando as ações adotadas.
No documento, a coordenação diz que, nos meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, foi identificada uma série de inconsistências no trabalho de uma servidora. A primeira delas é o fato de ela manter uma empresa de prestação de serviços desde 2018.
"Além do fato em si, identificamos também que a servidora incluía notas fiscais de sua empresa (e de duas outras) e recibos forjados nas prestações de contas de 28 de nossos docentes. Não obstante, a servidora fazia TEDs (Transferência Eletrônica Disponível) com valores variáveis para sua própria conta", traz trecho do comunicado interno.
"O conjunto dessas ações levou ao desvio de uma soma vultosa", completa a mensagem.
O instituto diz que comunicou o ocorrido a todas as instâncias envolvidas, pediu a abertura de um inquérito na Polícia Civil e aguarda posicionamento da Fapesp.
Segundo o comunicado, praticamente todos os trabalhos da SAIP-IB (Secretaria de Apoio Institucional ao Pesquisador) estão voltados a identificar e listar todas as fraudes para servirem como provas.
"Solicitamos a compreensão e paciência de toda a comunidade até que tenhamos novas definições sobre o caso e sobre o próprio funcionamento da SAIP-IB", diz o comunicado.
Em nota, a Unicamp confirmou que o instituto está apurando o possível desvio, mas disse que não poderia fornecer nenhuma informação ou detalhe sobre o caso sob risco de prejudicar as investigações.
Já a Fapesp declarou que segue as investigações e diz ter ampliado as análises para outras prestações de contas realizadas pelos pesquisadores em questão.
"Caso eventuais irregularidades se comprovem e não sejam sanadas, a Fapesp cobrará dos pesquisadores a devolução dos recursos. Ao mesmo tempo, a Fapesp vai acompanhar as providências legais que os pesquisadores e a instituição de pesquisa à qual estão vinculados estão tomando, enquanto vítimas do apontado crime", disse em nota.
A fundação destacou ainda que todos os pesquisadores que recebem recursos da Fapesp devem prestar contas seguindo "regras estritas". Disse ainda que os pesquisadores podem contar com apoio administrativo das instituições de pesquisa à qual estão vinculados, como no caso da Funcamp.
"Se a instituição de pesquisa, ou sua fundação de apoio, por meio de seus servidores ou empregados, descumprem seus compromissos em relação ao combinado com os pesquisadores, naturalmente surge uma relação de responsabilidade dessas instituições para com o pesquisador", disse.
O QUE É A FUNCAMP
A Funcamp é uma fundação de direito privado e sua principal atividade é ser intermediária entre terceiros e a Unicamp no que se diz respeito aos recursos financeiros, físicos e humanos em favor de convênios e contratos, viabilizando projetos acadêmicos voltados ao desenvolvimento do ensino superior e da pesquisa científica e tecnológica do Brasil.
No site da fundação, consta que são mais de 1.500 projetos, que movimentam mais de R$ 600 milhões por ano.
OUTRO CASO
Um esquema parecido de desvio de verbas de pesquisa levou um professor da USP a ser condenado, em dezembro de 2023.
A Justiça Federal entendeu que ele liderou um esquema que teria desviado cerca de R$ 930 mil do programa de pós-graduação em zoologia do Instituto de Biociências da universidade.
Marcelo Rodrigues de Carvalho emitia notas frias de compras de materiais e equipamentos em quantidades despropositadas, muito acima das que poderiam ser utilizadas nos laboratórios do departamento.
O ex-professor disse na defesa apresentada à Justiça que não houve desvio e que não se apropriou de verbas públicas.