O voo ainda pende por uma autorização da FAA (agência que regula aviação e lançamentos espaciais comerciais nos Estados Unidos), mas no mês passado representantes da entidade disseram esperar ter uma nova licença para voo pronta para meados de março, o que casa com os planos da companhia.
Este terceiro voo terá um perfil diferente dos outros dois e, apesar de ser mais curto, será mais complexo e com testes adicionais.
Nas duas primeiras tentativas, realizadas em abril e novembro do ano passado, o plano era realizar um voo de cerca de 90 minutos -uma "quase órbita"- com uma reentrada natural sobre o oceano Pacífico, próximo ao Havaí.
Vale lembrar que em nenhuma das ocasiões esse plano foi cumprido à risca. Na primeira tentativa, em abril, falhas de múltiplos motores antes mesmo da separação dos estágios colocou fim ao voo. Na segunda, o segundo estágio chegou a atingir o espaço, mas apresentou comportamento anômalo pouco antes do fim da queima dos propulsores e se autodestruiu. O primeiro estágio também foi perdido, logo após a separação, por uma dificuldade de reacender os motores com combustível chacoalhando violentamente dentro dos tanques.
Seguindo o padrão de desenvolvimento da SpaceX, que envolve testes e falhas precoces para identificar e corrigir cedo problemas de projeto, cada missão vai um pouco mais longe que a anterior. Em sua conta no X (antigo Twitter), Musk disse que a chance de que o foguete atinja a órbita neste terceiro voo é de quase 80%.
Desta vez, em vez de durar 90 minutos, a ideia é que a missão se estenda por cerca de 65 -com o primeiro teste de reacendimento dos motores do segundo estágio a ser realizado no espaço, durante uma queima controlada que levará a nave a reentrar na atmosfera sobre o oceano Índico. É uma manobra não prevista nos dois voos anteriores e que será essencial aos próximos, já que o objetivo do Starship é ser totalmente reutilizável, com recuperação do primeiro e do segundo estágios.
Um segundo teste adicional incluído na fase orbital do voo é a transferência de combustível. Para o Starship cumprir sua missão de levar astronautas à superfície da Lua, será preciso demonstrar a capacidade de reabastecê-lo em órbita -algo jamais feito para veículos dessa escala.
Ainda não será desta vez que ele se acoplará a outro Starship para transferência direta de combustível de um para outro, mas a SpaceX fará um teste preliminar para observar o comportamento do processo de reabastecimento ao transferir propelente de um tanque para outro, dentro do mesmo veículo.
E a terceira novidade agregada ao teste será a abertura e fechamento da porta de carga do veículo. Ela não estará presente na versão do Starship que levará astronautas à Lua, mas é essencial para os planos da SpaceX de usar o novo foguete como um capaz transportador de satélites à órbita. O sucesso contínuo do projeto Starlink, que usa uma rede satelital para fornecimento de internet em escala global, está atrelado ao bom desempenho do Starship.
A médio prazo, a SpaceX espera substituir seus principais foguetes em operação (Falcon 9 e Falcon Heavy) pelo Starship, que, a despeito de ser o maior e mais poderoso lançador já construído, seria totalmente reutilizável e mais capaz e barato que seus antecessores, capaz de levar mais de cem toneladas de cada vez à órbita terrestre (ou mesmo à Lua ou a Marte, com reabastecimento orbital).
A empresa também espera que voos rotineiros do Starship com satélites Starlink, a exemplo dos que acontecem com o Falcon 9, permitam rapidamente qualificar o veículo para missões tripuladas, que exigem uma certificação de segurança mais elevada.
Nesse processo, há barreiras técnicas e também burocráticas. No constante cabo-de-guerra que trava com a FAA, a empresa já anunciou que pretende realizar até sete voos do Starship ainda neste ano (conta este de março). Detalhe: a licença ambiental obtida para a operação do foguete em Boca Chica previa um máximo de apenas cinco. A SpaceX aposta que a demonstração de seu sistema de dilúvio da plataforma de lançamento, testado com sucesso no segundo voo, contenha quaisquer danos ambientais e permita maior frequência de voos no futuro.
A empresa está numa corrida contra o tempo, se quiser cumprir o prazo (recém-esticado pela Nasa) para a primeira missão tripulada à superfície da Lua neste século, neste momento marcada para o fim de 2026. Serão necessários muitos voos e demonstrações técnicas (inclusive um pouso e uma decolagem bem-sucedidos na Lua sem tripulação) até que isso possa acontecer. Para que se tenha uma ideia, só para abastecer um Starship totalmente em órbita terrestre, os engenheiros da SpaceX estimam que serão necessários cerca de dez lançamentos (e essa é uma conta otimista).
Mas, claro, o foguete pode se tornar comercialmente operacional para lançamentos de satélites bem antes disso. Caso cumpra com sucesso os objetivos deste terceiro voo, o caminho já estará aberto para o voo de cargas úteis com ele em futuras missões.