"Nós estamos a par dos esforços de Washington para atrair o setor privado e fazê-lo servir suas ambições militares espaciais. [Tais sistemas] serão um alvo legítimo para medidas retaliatórias, inclusive militares", disse a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova.
Ela comentava reportagem publicada sábado (16) pela agência de notícias Reuters, segundo a qual o contrato secreto assinado em 2021 pela empresa SpaceX, de Musk, com o órgão americano que controla satélites de espionagem visa criar essa nova rede, chamada de Starshield (escudo das estrelas, em inglês).
Seria a versão secreta e militar do Starlink (link das estrelas) de Musk, a constelação que provê internet por satélite para 2,6 milhões de usuários no mundo -o mais polêmico deles, as Forças Armadas da Ucrânia.
A transposição do embate entre o Kremlin e o Ocidente, exacerbada pela invasão do país de Volodimir Zelenski em 2022, já havia chegado recentemente ao espaço, quando foi vazada a preocupação da Casa Branca com algum tipo de arma nuclear para ser usada em órbita pela Rússia.
Ao fim, era fumaça: tratava-se uma especulação sobre uma arma antissatélite, destinada justamente a destruir equipamentos como o de Musk, que ainda nem existe.
Tanto Rússia, como EUA e China testam tecnologias no setor, que tem implicações complexas: se um satélite for explodido por um míssil, como vários já foram em testes, seus destroços orbitam a Terra de forma descontrolada, tornando-se um risco para a navegação espacial.
Mais recentemente, a ciência do setor foca em armas para desabilitar os satélites, tornando-os cadáveres orbitais de rota previsível.
Órgão que contratou Musk, o NRO (Escritório de Reconhecimento Nacional, na sigla inglesa), pagou US$ 1,8 bilhão (R$ 9 bilhões hoje) ao empresário cofundador da Tesla, criador da SpaceX e dono do X (ex-Twitter), entre uma miríade de outros negócios.
A empresa já faz rotineiramente lançamentos civis e militares para os EUA com o foguete Falcon 9 e que ganha manchetes periódicas com os testes do Starship, maior modelo já criado pelo homem, que visa a volta humana à Lua.
Para ganhar o contrato, segundo analistas do setor espacial, Musk lançou o primeiro satélite do Starshield como um teste em 2020. Desde então, segundo a Reuters, dezenas de modelos já foram ao espaço, visando criar um ambiente ainda mais sofisticado de vigilância espacial -já há centenas de satélites espiões no espaço desde a Guerra Fria.
Musk já estava no centro das atenções russas devido à Starlink, uma rede comercial que começou com 67 satélites em 2019, pulou para 2.000 em 2022 e hoje está em 5.500 unidades em órbita. Vendida como algo benigno, para levar internet a populações desassistidas, rapidamente a operação ganhou contornos estratégicos.
O bilionário colocou a Starlink à disposição, por um preço não sabido, para a Ucrânia. O país invadido, que tinha capacidades limitadas de comunicação militar online, passou a ser visto como um campo de provas para as guerras do futuro.
Ao mesmo tempo, isso levantou dúvidas acerca da sapiência de deixar uma tarefa tão vital para Estados na mão da iniciativa privada, o que ficou claro quando foi revelado que Musk desabilitou a Starlink na região da Crimeia para evitar ataques de precisão da Ucrânia na península anexada por Vladimir Putin em 2014.
O empresário disse que não poderia ser cúmplice de "um grande ato de guerra" que poderia levar a uma resposta nuclear por Moscou. Resta saber quais as condições impostas por Washington em seu novo contrato, dado que não se fala aqui de um país atacado por uma potência nuclear, e sim a maior força militar que já operou na história do planeta.
Até aqui, nem o NRO, nem a SpaceX, comentaram o caso em detalhes. O órgão apenas confirmou que busca criar "o mais capaz, diverso e resiliente sistema de reconhecimento, vigilância e inteligência espacial que o mundo já viu", afirmou.
O tema é tão sensível que a própria existência do contrato só veio a público em fevereiro, em uma reportagem do Wall Street Journal.
A questão ucraniana gerou outra dor de cabeça para a SpaceX recentemente. A Câmara dos Representantes dos EUA está investigando os relatos de que terminais terrestres da Starlink foram comprados pelas Rússia para operar com a rede sobre a Ucrânia e regiões fronteiriças, replicando a capacidade de Kiev e estudando suas fraquezas.
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