O trabalho, que tem como primeiro autor Erez Zimmerman, estudante de doutorado do Instituto Weizmann de Israel, foi fruto de um bocado de sorte, combinado à grande agilidade para observar um evento astronômico literalmente bombástico em tempo real.
Tudo começou em 19 de maio do ano passado, quando o astrônomo amador japonês Koichi Itagaki reportou a descoberta da SN 2023ixf –um ponto brilhante antes não observado na famosa Galáxia do Cata-Vento (também listada como NGC 5457 ou M101). Trata-se de uma bela espiral, comparável à nossa Via Láctea, localizada a cerca de 21 milhões de anos-luz daqui –distância até modesta, pelos padrões extragalácticos.
Assim que recebeu a notificação da descoberta, apenas horas depois de ter ocorrido, o grupo de Avishay Gal-Yam, orientador de Zimmerman no Weizmann, solicitou tempo de observação no Telescópio Espacial Hubble, da Nasa. Ninguém sabe quando uma supernova vai aparecer no céu, mas eles já tinham um programa destinado a observar, em luz ultravioleta, qualquer supernova que aparecesse, demandando uso prioritário quando a ocasião surgisse.
Não ajudou que a descoberta tenha ocorrido numa tarde de sexta-feira e o casamento de Zimmerman estivesse marcado para dali a dois dias. Cenas de astronomia explícita transcorreram nas horas e dias subsequentes, conforme o grupo colhia imagens e espectros da SN 2023ixf. "É muito raro, como cientista, ter de agir tão depressa", disse Gal-Yam, em nota do Instituto Weizmann. "Tivemos muita sorte de ter esse programa rodando quando a supernova mais próxima em uma década explodiu na M101", contou Zimmerman à Folha.
O esforço valeu a pena. "Fomos capazes -pela primeira vez- de observar uma supernova enquanto sua luz estava emergindo do material circunstelar em que a estrela em explosão estava envolvida", diz Zimmerman. "Já tivemos espectros de supernovas do Tipo II que foram observadas mais cedo, mas nunca no ultravioleta, já que isso exige um telescópio espacial como o Hubble para observar, pelo fato de a atmosfera absorver radiação ultravioleta."
Cabe aqui uma pausa para falar do que produz as supernovas, em particular as de Tipo II, como a estudada agora pelo grupo. Elas são o resultado da morte de estrelas de alta massa, muito mais parrudas que o Sol. Quando o combustível nuclear que as alimenta está para terminar, elas se transformam em supergigantes vermelhas, astros bastante inchados com ventos estelares poderosos, que fazem com que o astro vá perdendo massa -literalmente soprando para longe suas camadas exteriores.
Quando a fusão nuclear se torna completamente inviável, algo diferente acontece: o núcleo da estrela implode, esmagado por sua própria gravidade (agora não mais contida pela energia gerada no interior da estrela). Um efeito rebote gera uma explosão, com tal luminosidade que a estrela sozinha pode brilhar mais que uma galáxia inteira, com centenas de milhões de sóis.
Contudo, essa luz toda, para sair, precisa atravessar o material cincunstelar ejetado durante as fases finais de vida da estrela. Pois bem, o que os astrônomos liderados pelo grupo israelense conseguiram foi observar justamente esse processo em que a luz da explosão vai atravessando a matéria circundante e ganha o espaço exterior, podendo chegar até nossos telescópios.
Entender como exatamente evoluem essas grandes explosões cósmicas é um dos desafios fundamentais para compreender como o próprio Universo evolui. Afinal, sabemos que o Big Bang, ocorrido há 13,8 bilhões de anos, produziu apenas hidrogênio, hélio e lítio. Todos os outros elementos da tabela periódica, dentre eles alguns caros à vida, como carbono, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre, foram produzidos no coração das estrelas. E as supernovas em particular têm um papel muito importante na polinização de nuvens de gás com esses elementos, dando origem a novos sistemas estelares e planetários, além de tudo que eles contêm. (Sim, todos os átomos do seu corpo que não são hidrogênio foram produzidos um dia no interior de estrelas, antes de serem espalhados na nebulosa que deu origem ao Sol e a sua família de planetas.)
Analisando dados de raios X e ultravioleta colhidos respectivamente pelos satélites Swift e Hubble, da Nasa, além de várias observações feitas por telescópios em solo, e observações de arquivo da Galáxia do Cata-Vento que a mostravam antes da explosão, os pesquisadores conseguiram criar o quadro mais completo já produzido de uma supernova, mapeando as duas camadas exteriores da estrela explodida e estimando a massa desse material, bem como a massa original da estrela pré-explosão.
Os números sugerem duas hipóteses: ou ela perdeu muita massa nas décadas que precederam a explosão (algo que não é suportado pelos atuais modelos de evolução estelar) e o caroço que restou dela se tornou uma estrela de nêutrons, ou a massa "desaparecida" está agora comprimida em um buraco negro resultante da explosão. São de fato esses os dois possíveis desfechos para um astro que explodiu como supernova, e em geral é muito difícil identificar qual deles é o certo.
Neste caso, contudo, o estudo detalhado pode acabar revelando o que restou da estrela explodida. Se a matéria sumida que supostamente foi ejetada estiver no entorno do astro, ela continuará a emitir raios X por vários anos. Se, contudo, ela "desaparecer" nesse tipo de radiação, é sinal de que o objeto virou mesmo um buraco negro. Os pesquisadores certamente ficarão de olho.
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