Placar está em 6 a 0; mecanismo dá a determinadas autoridades direito de serem julgadas por crimes comuns apenas por tribunais superiores
O ministro e presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, retomou nesta sexta-feira (12) o julgamento virtual de duas ações que alteram o atual entendimento sobre a aplicação do foro por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado. Ao votar pela manutenção da prerrogativa de foro, nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, após a saída da função, o magistrado estabeleceu a intenção da maioria e aumentou a diferença no placar, que está em 6 a 0. No entanto, o ministro André Mendonça, que também se manifestou, fez um "pedido de vista", o que significa a suspensão do julgamento para ter mais tempo de análise, recurso usado anteriormente por Barroso. Ainda não há data para retomar a votação.
O foro privilegiado é um mecanismo jurídico que garante a determinadas autoridades públicas o direito de serem julgadas por crimes comuns apenas por tribunais superiores.
O ministro Barroso concordou com o argumento do relator, ministro Gilmar Mendes, de que o envio do caso para outra instância quando o mandato se encerra produz prejuízos. "Esse 'sobe-e-desce' processual produzia evidente prejuízo para o encerramento das investigações, afetando a eficácia e a credibilidade do sistema penal. Alimentava, ademais, a tentação permanente de manipulação da jurisdição pelos réus", afirmou.
Ainda faltam votar Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Nunes Marques. No julgamento virtual, não há discussão. Os ministros votam por meio do sistema eletrônico da Corte. Se houver um pedido de vista, a sessão é suspensa. Quando ocorre um pedido de destaque, o julgamento é reiniciado no plenário físico.
A proposta de alteração na regra está sendo discutida em dois processos no Supremo. O ministro Gilmar Mendes é o relator das duas ações.
Na primeira, os ministros analisam um habeas corpus apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que pede para enviar ao STF uma denúncia contra ele, que foi apresentada à Justiça Federal. O outro processo é um inquérito que investiga a ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES) por suposta corrupção passiva, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Gilmar Mendes havia votado para ampliar o alcance do foro. Segundo ele, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída das funções. Isso valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos.
Gilmar argumentou que é preciso "recalibrar os contornos" do foro privilegiado. Ao pedir que o processo fosse incluído na pauta, o ministro afirmou que a tese trazida a debate não apenas é relevante, como também pode reconfigurar o alcance de um instituto que é "essencial" para assegurar o livre exercício de cargos públicos e mandatos eletivos, garantindo autonomia aos seus titulares.
O julgamento foi retomado quase seis anos após o Supremo limitar o mecanismo que estabelece quem pode ser investigado, processado e julgado no STF.
Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o Supremo bateu o martelo para restringir o alcance do foro privilegiado. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.
Mesmo com a mudança, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele —de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.
A reabertura do debate ocorre em uma nova composição do STF. Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram a Corte.
Gilmar defendeu a aplicação imediata da nova interpretação de aplicação de foro privilegiado aos processo em curso, "com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior".
A discussão ganhou tração em meio à transferência das investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao STF. O deputado Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia Federal como mandante do crime, era vereador na época.
O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação justifica o deslocamento do caso ao Supremo.
Fonte: R7