Será que poderia haver pensamento mais pertinente sobre a inveja que o defendido por Alcalá Zamora? Ele afirma que “Os ataques da inveja são os únicos em que o agressor preferiria, se pudesse, ocupar o papel da vítima”. De certa forma, essa ironia do ex-presidente espanhol encontra eco nas reflexões do antropólogo francês René Girard. De acordo com sua teoria, a inveja é intensificada quando desejamos aquilo que vemos sendo desejado por outros. Essa condição se acentua especialmente nos casos em que nos relacionamos com os nossos pares. Surge nessas circunstâncias um ciclo de imitação e rivalidade que alimenta e realimenta a inveja.
Nada de novo na história da humanidade. Está no princípio dos ensinamentos bíblicos. É comum as pessoas mencionarem o episódio de Caim e Abel para se referir à inveja. Essa citação é uma prova de que esse sentimento remonta aos tempos mais remotos e é perene na vida de todos nós. A inveja não é, portanto, um fenômeno dos tempos atuais. Ao contrário, está presente na nossa vida desde os primórdios. Deveríamos, por isso mesmo, ter aprendido mais sobre esse sentimento nas pessoas com as quais convivemos e, principalmente, em nós mesmos.
Aristóteles também dedicou profunda reflexão na tentativa de elucidar as manifestações desse sentimento que, vez por outra, pode atacar todos nós. O pensador grego afirma em sua obra "Arte retórica" que “invejamos aqueles que nos são iguais por nascença, parentesco, idade, disposição, reputação, bens em geral”.
Em tão poucas palavras, ele nos ajuda a compreender em que situações somos tocados por esse sentimento. Deduzimos por essa perspectiva o motivo de não sentirmos inveja de um aprendiz despreparado ou de um pesquisador que ao final da vida alcançou um feito extraordinário. Essas pessoas são percebidas por nós como extremos de inferioridade ou superioridade. Estão distantes demais para serem comparadas diretamente à nossa própria condição.
Podemos buscar explicações em outro brilhante pensador, Friedrich Nietzsche. A maneira como ele interpreta a inveja é bastante curiosa. Nietzsche considera que a inveja pode ser observada como uma forma de reconhecimento do valor alheio. Entende que “a inveja é a consciência da inferioridade”. Para o filósofo alemão a inveja indica a percepção de falta em nós mesmos em comparação com os outros.
Tendo em vista as teses defendidas por esses estudiosos, a inveja surge em relação àqueles que percebemos como nossos iguais, que compartilham nossas ambições e competem pelos mesmos objetivos. Como consequência, não invejamos aqueles que possuem interesses e vivem em circunstâncias distintas das nossas. Aristóteles esclarece ainda que invejamos aqueles que triunfam facilmente onde nós fracassamos ou onde nossos sucessos exigiram grandes sacrifícios.
Portanto, a inveja está presente naqueles que convivem no mesmo ambiente, como ocorre com familiares, amigos, colegas de trabalho ou concorrentes. Esta proximidade acentua o sentimento, pois essas pessoas, ainda que não tenham consciência, se rivalizam no mesmo espaço e buscam se sobressair nas mesmas esferas. Temos de considerar ainda que o fato de a inveja participar do nosso cotidiano não deve criar em nós uma postura paranoica. Na verdade, essa consciência é fundamental para entendermos as suas manifestações e termos assim condições de lidar com elas de maneira adequada.
Como sugere o provérbio popular, a prevenção é sempre prudente: “se estiver na crista da onda”, talvez seja conveniente “botar as barbas de molho”. Não custa nada se curvar a algumas medidas adotadas já pelos nossos antepassados, como pôr um galho de arruda atrás da orelha e tomar um banho de sal grosso, para se proteger das influências negativas do “olho gordo”. Se você for como eu, também não acredita nessas baboseiras, mas, como dizem os espanhóis: "No creo em brujas, pero que las hay, las hay". Siga pelo Instagram: @polito