O municĂpio de Ribas do Rio Pardo - a 97 km de Campo Grande - possui 11 vereadores para representarem os interesses da população no Legislativo Municipal. Mas, nas eleições deste ano, verifica-se situação que chama atenção: sete dos onze parlamentares que concorrem à reeleição são denunciados por crimes como corrupção, associação criminosa e prevaricação.
Conforme documento o qual a reportagem do Jornal Midiamax teve acesso, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) ofereceu denĂșncia após concluir investigação sobre trama em que os vereadores teriam pressionado o prefeito João Alfredo Danieze (PT) a pagar "mensalinho", sob ameaças de iniciarem processo de cassação na Câmara Municipal.
Foram denunciados os seguintes vereadores: Ălvaro Andrade dos Santos "Nego da Borracharia" (PP), Anderson Arry JanuĂĄrio Guimarães "Anderson Arry" (PSDB), Edervania dos Santos Malta (PP), Isac Bernardo de AraĂșo (Pastor Isac) - renunciou ao cargo -, Luiz Antônio Fernandes Ribeiro "Luiz do Sindicato" (PSDB), Paulo Henrique Pereira da Silva "Paulo da Pax" (PRB), Rose Pereira "Rozenir Pereira" (PSDB), Sidinei Fontebasse Ferreira "Cascãozinho" (PP) e Tiago Gomes de Oliveira "Tiago do Zico" (PSDB).
Com exceção de pastor Isac e Tiago do Zico, os demais concorrem à reeleição com apoio do PSDB - partido chefiado pelo ex-governador Reinaldo Azambuja em MS -. Eles apoiam a eleição de Roberson Luiz Moureira (PSDB).
Conforme a denĂșncia, o prefeito João Alfredo assumiu a prefeitura de Ribas do Rio Pardo, eleito pelo Psol. Assim, não contava com base sólida no Legislativo.
Para os investigadores do Gaeco, ficou claro que grupo de vereadores se uniu para se aproveitar da situação do prefeito João Danieze e negociar o pagamento de um "mensalinho", ou seja, recebimentos mensais para garantir que eles votassem a favor do prefeito em projetos na Câmara Municipal.
Consta na denĂșncia que as negociações foram lideradas pelo vereador Luiz do Sindicato, então presidente da Câmara.
Os parlamentares buscavam receber valores mensais de R$ 5 mil do prefeito. O "mensalinho" aumentaria para R$ 10 mil para cada um com o decorrer do tempo. Esse era o preço imposto pelo grupo para apoiar o prefeito.
Conversa gravada mostra o vereador Luiz do Sindicato pedindo o pagamento dos valores diretamente ao prefeito. O vereador usava termos como "auxĂlio" e "complemento de salĂĄrio" para se referir aos valores ilĂcitos que pretendia obter.
Ele negociou em nome dele e dos vereadores Anderson Arry, pastor Isac, Paulo da Pax, Rozenir Pereira, Edervania Malta e Cascãozinho. As chantagens constam em confissão assinada por Luiz do Sindicato em acordo com o Gaeco de não persecução penal. Com isso, se livrou de ser denunciado por corrupção passiva.
Todas as propostas feitas pelo grupo foram negadas pelo prefeito João Danieze.
Tudo começou com o falecimento por covid do secretĂĄrio de desenvolvimento econômico do municĂpio, DuĂlio Jurado Fernandes. Dessa forma, o grupo de vereadores se associou para fazer investida contra o prefeito. O objetivo era indicar um novo secretĂĄrio. O grupo estava de olho em possĂveis negociatas na pasta, jĂĄ que Ă© a secretaria que atua diretamente com a Suzano, que instalou a maior fĂĄbrica de celulose do mundo na cidade, com investimento previsto de R$ 22,2 bilhões.
Para isso, definiram que indicariam o assessor parlamentar Jefferson dos Santos AtaĂde "Careca" para ocupar o cargo. PorĂ©m, atuaria como um "laranja". Ele atuava no gabinete do vereador Nego da Borracharia.
Nesse tempo, os parlamentares receberam suposta denĂșncia que poderia levar a cassação do prefeito João Danieze. Então, aproveitando-se disso, o vereador Nego da Borracharia iniciou as investidas para a nomeação de seu assessor, que tambĂ©m Ă© seu tio para o cargo de secretĂĄrio.
Ao Gaeco, o prefeito confirmou que houve uma reunião com Nego da Borracharia, Anderson Arry e Tiago do Zico, que pressionaram pela nomeação. Caso atendesse ao pedido, o prefeito poderia contar com eles e outros parlamentares como base na Câmara.
De acordo com o apurado pelas investigações do Gaeco, alĂ©m da alegação de formar base do prefeito, os vereadores denunciados utilizaram sua atividade polĂtica para forçar o prefeito a cumprir exigĂȘncias.
A primeira investida do grupo foi em 7 de abril de 2021, quando abriram uma Comissão Parlamentar Processante para cassar o mandato de João Danieze. O processo foi anulado por decisão judicial.
Depois, em 25 de agosto do mesmo ano, sem conseguir o que queria do prefeito, o grupo instaurou novo procedimento contra o prefeito. Dessa vez, foi aberta uma CPI (Comissão Parlamentar de InquĂ©rito). Mais uma vez, João Danieze precisou recorrer à Justiça.
Por fim, em 30 de maio de 2022, houve nova Comissão Processante para tentar cassar o mandato do prefeito João Danieze. A tentativa de derrubar o prefeito foi mais uma vez suspensa pela Justiça.
O Gaeco apontou que todas as tentativas apresentavam denĂșncias frĂĄgeis e estavam em descompasso com a legislação, evidenciando a motivação manipulatória dos atos.
As investigações concluĂram que o candidato derrotado nas urnas, JosĂ© Domingues Ramos, o ZĂ© Cabelo, do PSDB, estaria agindo pelos bastidores nas tentativas de derrubar o prefeito.
Conversas interceptadas pelas investigações revelaram que havia trama para avançar na cassação do prefeito, que não atendeu aos pedidos ilĂcitos do grupo.
Art. 288 do Código Penal (associação criminosa):
Art. 319 do Código Penal (prevaricação):
Art. 317 do Código Penal (corrupção):
O vereador Nego da Borracharia disse que a denĂșncia surgiu por ele ter denunciado o prefeito. "Sim, o denunciei, como Ă© meu dever enquanto vereador, e não hesitarei em fazĂȘ-lo novamente se surgirem novas provas. Afinal, a principal função do Legislativo Ă© fiscalizar o uso correto do dinheiro pĂșblico".
Ainda, negou qualquer envolvimento nas acusações de participar de suposta tentativa de receber "mensalinho". "Eu jamais compactuaria com algo desse tipo, pois tal prĂĄtica vai contra os princĂpios que defendo".
Por fim, disse que aguarda ser notificado pela Justiça. "AtĂ© o momento, não hĂĄ provas concretas contra mim. AliĂĄs, os depoimentos em si são bastante contraditórios, e o delegado responsĂĄvel na Ă©poca não ouviu mais ninguĂ©m, limitando a investigação".
O vereador Cascãozinho tambĂ©m disse que ainda não foi notificado judicialmente. " Se de fato a citação ocorrer, a eventual documentação processual serĂĄ analisada e ofertada a necessĂĄria resposta, de modo que, neste momento declara que nem um ato de seu exercĂcio de mandato legislativo municipal findarĂĄ declarado ilegal".
A vereadora Edervânia Malta negou ter envolvimento com as prĂĄticas apontadas pelo Gaeco na denĂșncia. "Não tive e não terei nunca envolvimento nenhum com esse tipo de comportamento. A Justiça investigarĂĄ e aqueles que se envolvem com isso devem arcar com as consequĂȘncias".
Ainda, considerou com a denĂșncia teria motivação eleitoreira. "Esses atos Ă© para desestabilizar a campanha, mas sigo firme nos meus projetos e não irei me abalar".
Tomatinho tambĂ©m afirmou não ter conhecimento do teor da denĂșncia. No entanto, negou as acusações feitas pelo Gaeco. "Nunca participei de qualquer ato ilegal em desfavor do atual prefeito, o que tramitou pelo legislativo municipal foram ações de vereadores que de fato pretendiam a cassação dele", declarou.
Por sua vez, Careca disse que não irĂĄ manifestar declarações no momento. "Não hĂĄ nenhum tipo de posicionamento pois a investigação Ă© sigilosa. Mas, aguardo o judiciĂĄrio a retirada do sigilo para poder dar mais esclarecimentos".
Adriano confirmou que atuou como assessor do vereador Luiz do Sindicato em outros mandatos e limitou-se a dizer que não estĂĄ sabendo da denĂșncia.
Todos os demais denunciados foram devidamente acionados pela reportagem, mas não responderam. O espaço segue aberto para posicionamentos, que podem ser acrescentados após a publicação.