A fundação do estado de Israel foi uma necessidade política, mas principalmente histórica para dar, após mais de 2 mil anos, um lar para o povo judeu. Se muitas nações árabes se empenharam constantemente para eliminar o estado judeu, um outro país trabalhou e ainda trabalha de maneira dura para que Israel continue forte em seu direito à soberania. Os Estados Unidos sempre estiveram na retaguarda de Israel desde o final da década de 1940 pelo seu interesse estratégico em ter um aliado de peso em uma região do mundo tão rica e ao mesmo tempo tão diametralmente oposta aos valores ocidentais.
Todavia, os vínculos entre americanos e israelenses vão além dos interesses geopolíticos e econômicos, mas chegam até mesmo a milhões de relações familiares, que nos ajudam a entender essa aliança tão duradoura. O segundo país com maior número de judeus no mundo, após Israel, é os Estados Unidos, onde mais de 7 milhões de pessoas de origem judaica não apenas residem, mas têm muitas posições de destaque nos mais diversos setores da sociedade, estando até mesmo presentes em relevantes cargos do governo atualmente, como é o caso do Secretário de Estado, Antony Blinken.
Se essas sete décadas de aliança foram escritas com fortes demonstrações de apoio e amizade, os últimos 12 meses têm sido especialmente tensos entre Washington e Jerusalém, já que a resposta extremamente forte de Israel em Gaza após aos ataques terroristas sofridos, tem reverberado de forma muito negativa para o presidente Joe Biden em um ano eleitoral.
A dinâmica das redes sociais onde as guerras são acompanhadas em tempo real como séries de streaming, possibilitou pela primeira vez na história que todos tivessem acesso a imagens, relatos e análises que muitas vezes contrariam a postura oficial das diretrizes da política externa do governo norte-americano. Manifestações em favor dos palestinos, contra o estado de Israel e até mesmo favoráveis ao Hamas e outros grupos terroristas ocorreram em múltiplos estados americanos em campi de universidades pelo país.
Por mais que os manifestantes sejam eleitoralmente irrelevantes para a decisão em novembro, a retórica por eles trazida é válida de se tentar compreender. Em um país de grande mudança demográfica nos últimos 30 anos e com um perfil cada vez mais eclético nas preferências políticas, algumas opiniões consideradas cristalizadas na sociedade anteriormente, agora dão sinais de mudança. O apoio incondicional a Israel era por todos esses 75 anos considerado algo irreversível nas pautas americanas, mas durante os últimos meses vemos que essa não é mais a postura adotada.
Apesar de continuarem como fortes aliados e as entregas de armamentos continuarem em dia, as falas de repreensão à conduta israelense por parte do governo americano e as claras proibições na adoção de certas práticas militares, deixam claro que algo está mudando dentro da doutrina estadunidense, ou pelo menos dentro das diretrizes oficiais do partido democrata.
A incapacidade de convencimento de Joe Biden para que Netanyahu e o Hamas selassem um cessar-fogo, além da pressão interna para que se adote outra relação perante Israel, vemos que o desgaste entre esses velhos aliados é mais do que evidente. O premiê israelense sabe que a ajuda militar americana é fundamental para um desfecho vitorioso de seu país nas guerras em curso, além de ser crucial para a existência e proteção constante de Israel mediante as constantes ameaças que lhe cercam.
Contudo, Netanyahu não hesitou em não seguir as sugestões de Biden e Blinken e não se preocupou com a reação americana ou mundial de suas ações. Talvez o primeiro-ministro saiba que lidar com Biden é uma questão temporária, dada a saída certa do mandatário americano do cargo em janeiro de 2025 e, por isso, focaria mais em construir relações nos bastidores com Donald Trump e Kamala Harris, que de fato terão a posse da caneta decisória em breve.
Há também quem diga que Netanyahu tenha consciência do quão simbiótica é a relação entre Estados Unidos e Israel, e consequentemente, tem a certeza de que por mais que ultrapasse certos limites do que os americanos acham aceitável atualmente, eles não poderiam de maneira alguma abandonar Israel por conta de seus próprios interesses.
Hoje Joe Biden e Benjamin Netanyahu tiveram um importante telefonema, onde diversos temas envolvendo o Oriente Médio foram discutidos, incluindo uma possível resposta conjunta dos dois países aos ataques iranianos da semana passada. Detalhes sobre a conversa ainda não foram revelados à imprensa, mas cada vez mais fica óbvio que essa relação, outrora fraterna, está descompassada e muito provavelmente nunca viveu tantos dias seguidos de crise.