A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o compromisso do Brasil para reduzir as emissões de gases do efeito estufa será ambicioso. Segundo ela, todos os setores da economia terão metas de redução de gases, inclusive a agricultura. A criação dessas metas setoriais vai abrir caminho para eventuais punições e taxações? Confira a entrevista com o professor Daniel Vargas, da Fundação Getúlio Vargas.
A meta de redução de CO₂ para agricultura, como defendeu a ministra, significa o quê, na prática?
Significa conjunto de coisas, Kellen. A primeira delas é a seguinte: uma NDC, que é esse compromisso que o país estabelece, pode ter formas diferentes. A absoluta maioria dos países do mundo, desde o acordo de Paris em 2015, adotou NDCs condicionadas predominantemente. Em outras palavras, “nós vamos cumprir um conjunto de objetivos ambientais desde que o mundo nos ajude a financiar, transfira tecnologia ou que o nosso país se desenvolva”. O Brasil optou por um caminho diverso. Nós vamos cumprir com um conjunto de objetivos climáticos, aconteça o que acontecer. Agora, com esse debate sobre detalhar a nossa NDC, especificar por setores as responsabilidades, o que nós estamos fazendo é reconhecer uma espécie de "dívida climática setorial". Uma NDC é um compromisso obrigatório que o país assume perante o mundo e, portanto, uma espécie de “dívida externa”. Ao atribuí-la, por exemplo, ao agro, ao setor industrial ou ao setor de transportes, nós estamos dando número a uma dívida e quase que convidando o setor social, o setor judicial a executarem essa dívida estabelecida por setor.
O agro então passará a pagar por essa “dívida climática” que você bem nomeou anteriormente?
Sinceramente, eu espero que não. E aqui eu acho que para entender qual é a opção que o Brasil pode e deve fazer, é importante olhar para o mundo e ver como os demais países estão se posicionando. Então, 78% dos países do mundo condicionaram seus objetivos climáticos a compromissos internacionais ou expectativas de desenvolvimento. Dos 20% que sobraram, digamos assim, estes na maioria são países ricos, desenvolvidos. As exceções são Índia, China e Brasil. Índia e China disseram: “Eu vou cumprir os meus objetivos climáticos desde que o meu PIB cresça. E vou medir a minha meta em relação à intensidade do crescimento da minha economia”. O Brasil seguiu o perfil europeu, vamos fazer o objetivo climático a qualquer custo. Agora, por que eu acho que também é importante olhar para esse cenário do mundo? Porque quando nós observamos aqui nos nossos vizinhos, na África, na Ásia, a maior parte dos países, quando estabelece compromissos setoriais, estabelece compromissos de adaptação ou de desenvolvimento. E é muito interessante ver como isso é feito. Então, se eu observar, por exemplo, o que é feito na Bolívia, a Bolívia diz: “Eu vou reduzir o meu desmatamento em 80% até 2030. E para isso, 40% do meu compromisso é por esforço próprio, 60% desde que o mundo me ajude”. Portanto, o que nós precisamos entender é de que forma nosso compromisso climático será visto como parte de um compromisso de desenvolvimento sustentável. A opção que a Europa fez foi uma opção particular, que aliás como você mencionou, nem eles estão cumprindo. Não parece que é sábio, inteligente para nós um país com todos os ativos verdes que temos seguirmos esse roteiro.
A nossa audiência deve estar perguntando: o que toda essa discussão quando essa conta pode chegar para mim. Ou seja, quando a ministra do Meio Ambiente diz que os setores devem pagar pelas emissões — ela não usou esse termo, sou eu que estou usando isso —, é algo de curto prazo. Que tipo de ações você vê aí no dar ainda para 24/25?
O que a ministra tem sugerido é que ela vai aumentar a ambição da meta brasileira. Então, um país que já possui uma das mais ambiciosas metas do planeta, senão a mais ambiciosa de todo o planeta, irá aumentar ainda mais esse compromisso e agora estabelecer como ele se divide para setores. Qual a tendência? A tendência é que, à medida que o prazo dessa dívida chegue próximo do vencimento, e ele é 2030, as ações de cobrança no judiciário podem chegar. Aliás, apenas no ano passado, 230 ações climáticas registradas foram protocoladas no mundo. O Brasil já é um dos centros da litigância ambiental, é mais um uma semente, um fertilizante para isso. Além do que, o que tem acontecido é que o setor financeiro começa a incorporar essas dívidas no seu cálculo do dinheiro. Quem deve mais, pega dinheiro mais caro. Se o Brasil é um país que estabelece uma meta mais elevada, também significa que nós podemos ser punidos na hora de captar o dinheiro para financiar nossa produção.