Uma empresa de transporte de passageiros que há cerca de quatro anos atua no aeroporto de Campo Grande, fazendo concorrência ao serviço de táxi convencional, é usada para repassar dinheiro a um dos desembargadores que na quinta-feira da semana passada (24) foi afastado de suas funções por conta da suposta venda de sentenças judiciais.
Conforme a investigação da Polícia Federal, a empresa Rodar Serviços de Táxi e Transporte Personalizado repassou ao menos R$ 147.594,00 para Ana Carolina e Marcos Abreu, filhos do desembargador Vladimir Abreu, um dos cinco afastados desde o último dia 24 por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ainda de acordo com a investigação da Polícia Federal, o principal sócio desta empresa é o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apontado como um dos principais operadores do suposto esquema de venda de sentenças envolvendo magistrados e seus filhos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
No caso da Rodar, os repasses aos filhos de Vladimir de Abreu eram feitos por uma terceira pessoa, identificada como Flávio de Moraes. Ele é o proprietário original da Rodar e em outubro de 2022 vendeu 80% da empresa para Mirella Thomaz da Silva Cunha, esposa do advogado Félix Jayme. Atualmente, o sócio da empresa é o próprio advogado.
Segundo informações obtidas no COAF relativas a 22 de outubro de 2022 a 12 de outubro de 2023, "a principal remetente de valores para a conta de FLÁVIO DE MORAIS é MIRELLA THOMAZ DA SILVA CUNHA, esposa do investigado FELIX JAYME DA CUNHA, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 3 lançamentos".
E, no mesmo período em que recebia o dinheiro de Mirella, Flávio fazia os repasses aos filhos do magistrado, aponta o relatório da Polícia Federal, que tem mais de 800 páginas descrevendo o que os investigadores apontam como esquema de venda de sentenças judiciais.
A investigação aponta que Flávio de Moraes e Marcos Abreu (filho do desembargador) são muito próximos. Entre os dias 25 de abril e 10 de maio deste ano, período em que seus telefones foram granpeados pela Polícia Federal, trocaram 71 mensagens por aplicativo e 21 ligações telefônicas.
Em seu relatório, a PF deixa claro que não conseguiu identificar o motivo das transferências de Flávio para os filhos do magistrado. Porém, deixa claro que a suspeita principal é de que a empresa de transporte era utilizada como uma espécie de tabela para fazer o pagamento de supostas decisões judiciais vendidas por Vladimir Abreu.
A RODAR
Embora não tenha alvará de táxi, que é um documento emitido somente para pessoa física no município de Campo Grande, a empresa Rodar conseguiu se instalar no aeroporto de Campo Grande e atua há cerca de quatro anos.
Logo após sua chegada, os taxistas convencionais foram "expulsos" das proximidades do portão de desembarque do aeroporto e tiveram de estacionar seus veículos na Avenida Duque de Caxias, a mais de 200 metros de distância.
Os espaços anteriormente cedidos as táxis, que pagam taxa de uso do solo para poderem atuar no aeroporto, foram cedidos aos cerca de 30 veículos desta empresa. Os carros, porém, não pertencem à Rodar, mas a particulares dispostos a prestar serviço. Normalmente, o usuário do serviço já deixa o local com sabendo o valor da corrida, que é semelhante aos valores cobrados pelos taxistas convencionais.
Porém, por conta da pandemia, o número de passageiros no aeroporto despencou e tanto a Rodar quanto os táxis convencionais perderam boa parte de sua clientela. Por conta disso, os táxis convencionais acabaram desistindo do servço e aqueles que sobraram foram aceitos novamente dentro do espaço do aeroporto, mas em uma área sem cobertura.
Depois da chegada da Aena, empresa espanhola que assumiu o aeroporto, a empresa Rodar saiu do meio do saguão de desembarque e conseguiu um espaço igual ao que é cedido a outras empresas que atuam no aeroporto. Seus motoristas faziam uma espécie de corredor polonês oferecendo seus serviços às pessoas que desembarcam no aeroporto.
Contudo, por não pagar pelo aluguel, conforme informaram taxistas que concorrem com a Rodar, ela foi expulsa da parte interna e agora aborda passageiros na parte externa do aeroporto. "Essa empresa é um jabuti. Alguém colocou ela aqui e nem mesmo o pessoal que trabalha nela sabe como chegou e como se mantém aqui", relatou um taxista que pediu para não ser identificado.
Em consulta ao Diogrande, a Rodar não aparece em nenhum edital ou concorrência pública pela qual ela tenha passado para adquirir o direito de explorar o serviço nas ruas de Campo Grande. As únicas vezes em que aparece é pelo fato de estar em débito com o ISS e por ter levado duas multas por operar como serviço de táxi sem ter o alvará para isso.
O Correio do Estado ligou para o número de telefone de Flávio Moraes que aparece no relatório da PF, mas não conseguiu contado com ele para que pudesse explicar os repasses que fez aos filhos do desembargador.