Existe uma velha máxima no futebol: "Todo grande time começa por um grande goleiro". Mas podemos criar a partir desta uma nova (se é que já não foi criada): a de que todo grande goleiro precisa de um grande preparador. E é debaixo do sol escaldante do Mato Grosso do Sul, no centro-oeste do Brasil, mais precisamente na
cidade de Naviraí (distante 358 km da capital Campo Grande), que encontramos um filho de suíço trabalhando e fazendo trabalhar duro seus pupilos do CEN (Clube Esportivo Naviraiense). A descendência europeia, no entanto, fica apenas na certidão de nascimento do catarinense Luiz Antônio Meyer, especialista, há décadas em preparar goleiros para tentar impedir a alegria máxima do futebol: o gol. Sua filosofia de vida:
RESPEITO NÃO SE IMPÕE...SE CONQUISTA!
Entre tantos profissionais por Meyer lapidados, destacam-se nomes que atuaram no Marília Atlético Clube (MAC) como Marcelo Cruz, campeão da A2 e vice do Brasileiro da Série, ambos em 2002 pelo Tigre, e Mauro, campeão do Brasileirão 2004, pelo Santos.
Em um bate-papo descontraído (vários e alguns anos de amizade), o preparador de goleiros conta como superou o luto na juventude pelo futebol; a breve carreira de goleiro, com "direito" a gol do Fantástico e seus clubes de coração. "Sou Chape e maqueano", revela.
ÓRFÃO
Meyer é catarinense de Abelardo Luz, terra-natal do craque Paulo Roberto Falcão , que brilhou nas décadas de 1970 e 1980 nos campos do Brasil (internacional e Seleção Brasileira) de da Itália (ídolo da Roma). É filho de um relacionamento entre a enfermeira gaúcha Elza Danicolo e o médico suíço Cristiano Meyer, então diretor do hospital onde nasceu em 16 de março de 1964.
"Fui criado por uma família suíça. Quando nasci, minha mãe me deu em adoção", conta Meyer. Com apenas três meses de vida, ele já estava morando na vizinha Xanxerê (SC), onde passaria toda infância e juventude: "Fiquei lá até meus pais falecerem", acrescenta.
Meyer perdeu o pai quando tinha apenas 7 anos, em 1971. Onze anos depois, a mãe faleceu de câncer. Aos 18 estava órfão, o que o fez um adulto precoce. "O futebol foi uma boa saída para mim. Nunca me envolvi em drogas e não fumo. As vezes bebo uma cervejinha com os amigos e família", afirma.
GOL DO FANTÁSTICO
Aos 17, Meyer já havia iniciado a carreira como goleiro, no Joinville (SC). Poucos meses depois, mudou-se para a Chapecoense, em Chapecó (SC), para ficar mais próximo de casa da família e cuidar da mãe, em Xanxerê (SC).
Após a estreia como profissional – um empate sem gols contra o Inter de Lajes (SC) – deixou a Chape. Mas, precisou voltar às pressas, buscado em casa por dois diretores. Como o titular e o reserva estavam sem condições de jogo, sobrou para ele a titularidade, se vendo com a camisa 1 em suas mãos e um futuro promissor que o aguardava.
O jogo contra o Figueirense terminou empatado em 1 a 1. "Mas, infelizmente eu tomei um gol do meio da rua. Um tal de Hélio de um chutasso na gaveta. Foi o gol do Fantástico. O Léo Batista ainda disse: "bateu sem chances para Luiz Antônio"", recordou Meyer.
HOMENAGEM PÓSTUMA
O jovem e promissor goleiro ficaria mais um ano na Chape e iria para o Inter de Lajes, onde conquistaria seu primeiro título como jogador no Catarinense, ainda pelo sub-20. A faixa foi colocada com todo o carinho a no túmulo da mãe. Meyer ainda venceria a divisão de acesso pela Caçadorense, em 1989, passaria por outros clubes, mas uma bursite no ombro esquerdo fez com que aquele jovem e talentoso goleiro pendurasse precocemente as luvas aos 25 anos. "Tive que parar, não aguentava mais as dores atrozes que os movimentos provocavam", lamenta-se Meyer.
Embora tivesse encerrado a carreira de goleiro, Meyer voltou à rotina de treinos, de luvas calçadas, ainda na Caçadorense, mas como preparador.
Em sua última exibição debaixo das traves em meados de 1990, Meyer se destacou na goleada de 4 a 1 contra o Criciúma, em Caçador (SC). Mesmo com a derrota, o time então dirigido por Levir Culpi conquistou a Taça Governador do Estado.
VEIA POÉTICA
Em 1995, Meyer volta à Chapecoense, onde perpetuaria seu nome além dos gramados. Além de preparar os goleiros do verdão do oeste catarinense para o
estadual, o profissional se dispôs a escrever o novo hino do clube. "Demorei duas horas e quarenta minutos para montar (sic) a letra", revela.
A nova música, que se tornou o hino oficial do clube seria executada na conquista do estadual da elite de 1996. Vinte anos depois, a tragédia do voo da Chape colocou em evidência aspectos históricos do clube e Meyer seria lembrado também como compositor. "Perdi dez amigos naquele acidente fatídico. Foi algo que marcou muito", lamenta.
MAQUEANO CONVÍCTO
Naquele ano de 2016, Meyer estava em sua terceira e breve passagem pelo Marília, clube em que acumulou mais acessos de todos em que trabalhou: quatro de 17 já conquistados. Em 1999, subiu da extinta "B1" (4ª Divisão) para Série A3; em 2001, da A3 para A2; em 2002, da A2 para elite e da Série C para B do Brasileiro. Ao todo, Meyer já atuou em nove títulos na carreira.
"Não é fácil passar pelo futebol de São Paulo e ainda conquistar um acesso. Imagine quatro", afirmou Meyer. "Além da Chape, o Marília é o time do meu coração. Ter morado em Marília foi excelente. E olha que já passei por muitos lugares".
Entre tantas conquistas, o preparador destaca as alcançadas em seu próprio estado. "Tenho acessos e títulos nas duas divisões inferiores e na elite catarinense", cita. Ele ainda levantou troféus no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul.
CAMPEÃO NA TAILÂNDIA
Além dos estaduais brasileiros, Meyer também faturou uma competição nacional, mas a 17 mil quilômetros do Brasil. Em 2007, sagrou-se campeão da Copa Yamaha pelo Tobacco Monopoly Thailandia, no sudeste asiático. Meyer ficou por lá por apenas uma temporada. No entanto, suficiente para aprender tailandês a ponto de cantar em karaokês nas horas vagas. Um pastor brasileiro que morava por lá lhe ajudou como intérprete. Anos depois, novo amigo acabou por falecer de Covid napandemia.
No campo, Meyer levou o goleiro à seleção nacional da Tailândia, que conquistou a Copa da Ásia. "Foi uma experiência pessoal e profissional muito interessante ter trabalhado lá. Não tenho intenção de sair do meu país novamente, mas quem sabe volte pra lá, caso apareça uma proposta interessante, afinal deixei as portas abertas naquele continente, onde tive meu trabalho reconhecido", acrescenta.
FAMÍLIA: PORTO SEGURO
Residente há dez anos em Dourados (MS), Meyer é casado com Iara e pai de Andressa e Janaína, filhas do relacionamento anterior. A rotina caseira estimula e inspira o preparador de goleiros a perseguir suas próximas metas.
"Quero muito ser campeão pelo CEN na elite e vamos trabalhar muito para garantir o título", afirmou. Aqui no Naviraiense, fui muito bem acolhido pela diretoria, pelo Carlos talão presidente, o diretor Cícero e os demais que a compõem a diretoria do CEN. A seriedade com que essas pessoas trabalham, dão mostras de que temos amplas condições de chegar ao nosso objetivo"
Mesmo toda a experiência e conquistas na carreira, Meyer não cogita qualquer possibilidade de aposentadoria. "Mas, vai chegar uma hora que a potência vai diminuir", pondera. Até lá, o preparador terá que lidar com o equilíbrio entre o corpo e o tempo, o que nos remete ao relógio e, convenhamos... de relógio e funcionabilidade, um filho de suíço entende... e muito!
De uma coisa não tenham dúvidas: Meyer um sujeito obstinado e desafio é algo que ele não teme... pelo contrário, o impulsiona!