O surreal coro de fantasmas dessa canção, improvável topo das paradas inglesas, impressionante como é, não chega a ser tão assustador como a letra da canção que descreve com perfeição um Reino Unido que só começava a experimentar as consequências dos anos Margareth Tatcher. E onde, sim, todos os pubs estavam fechados.
"Você se lembra como era no tempo antes da cidade fantasma? A gente dançava, cantava e a música tocava no pedaço", canta Hall no trecho menos ululante da música –aqui vertido para o português numa tradução livre. Era o retrato cruel de uma juventude que não via futuro pela frente.
A não ser talvez, na própria música. Hall teve a sorte –e o talento– de compor num período pós-punk, quando o pop inglês explodiu para todos os lados. As paradas iam do novo romantismo do Duran Duran ao gótico de Siouxie & The Banshees; da multi-etinia sonora do Culture Club ao "synth pop" do Soft Cell; das guitarras apaixonadas dos Smiths ao violão de Elvis Costello; do glamour tribal de Adam & The Ants ao ska do Specials.
Era natural que essa cornucópia musical inspirasse aquele garoto que se sentou inspirado a cantar ouvindo "Young Americans", de David Bowie em 1975. E não apenas aquela mistura de pós-punk e sons caribenhos que era a marca registrada do Specials.
Depois dessa breve encarnação, Hall formou, junto com Lynval Golding e Neville Staple, seu parceiros já no Specials, o Fun Boy Three, que levou o pop para um outro patamar. Pop? Tribal? Ska? Fantasmagoria? Soft rock? Passo doble? Ganha um passeio no "Tunnel of Love" –o túnel do amor–, uma das melhores faixas da banda, quem conseguir colocar um rótulo nesse também breve projeto.
Também não menos frutífero. Foi nessa época que Hall teve um relacionamento com Jane Wiedlin, guitarrista e cantora da icônica banda americana de new wave, The Go-Go's, um namoro que rendeu uma fenômeno raro no pop –um sucesso da mesma música e duas versões completamente diferentes, "Our Lips Are Sealed", roqueira com a banda das meninas, futuro-percussiva no trio de Hall.
Absurdamente inventiva, o FB3, como eram conhecidos, ainda emplacou hits numa exuberante parceria pop com outro trio, esse, de mulheres, o Bananarama. O maior deles foi "Really Saying Something", uma genial mistura de ritmos e décadas musicais, parte "girl group" dos anos 1960, parte Olodum (premonitoriamente), parte mantra futurista.
Numa nova reinvenção, em 1984, Hall embarcou no Colourfield, quase um projeto solo. Com menos sucesso, é verdade, mas com o legado de pelo menos um hit memorável (e fofo): "Thinking of You". E dali em diante, vários discos solos e reuniões nem sempre felizes com o The Specials. A não ser, talvez, pela bem-sucedida turnê de 30 anos da banda, por volta de 2009.
A morte de Terry Hall chocou seus companheiros de geração ingleses. Se você tem mais de 50 anos, talvez beirando os 60, vai reconhecer os nomes por trás de vários tuítes e postagens no Instagram que pipocaram em tributo a esse artista que, como escreveu Billy Bragg, "estava dedicado a desafiar a imagem de quem éramos nós no final dos anos 1970".
Esse "nós", claro, inclui o próprio Bragg, adorado compositor folk, também cronista desse período triste da vida dos ingleses. Se Bragg, no entanto, ia direto ao assunto com seu violão, Hall alcançava uma visão maior, e ainda mais pop, com sua música.
Talvez você estranhe tantos elogios para uma figura cujo nome é hoje tão pouco familiar quanto seu rosto, com aquela expressão sempre um pouco assustada. Mas é na perfeição de suas canções e das suas interpretações que Hall deixa sua marca.
Ele é, como tantos que passaram pelo universo do pop, um artista fundamental para a gente seguir se perguntado se existe a fórmula perfeita entre o que o coração precisa dizer e os seus ouvidos vão gostar de ouvir.