A Mãe Baiana Adna Santos, de 60 anos, é coordenadora da Rede de Saúde Afrodescendente (Renafro), e disse que sua expectativa é a melhor possível: “eles [os Orixás] me garantiram essa boa notícia. O comando está com Exu, Iansã e Iemanjá, e eles disseram para virmos aqui hoje, e que o Brasil está sendo vigiado por todos os lados. Lula está no poder e nós estamos com ele”, disse a mãe de santo.
O babalorixá da Organização do Povo Guerreiro Joel Oxalá confirma o otimismo manifestado pelos orixás. “Lula é de Xangô, e Xangô me disse que 2023 será um ano de justiça e de fazer todas as intervenções que foram deixadas de lado pelo governo passado”, disse. Segundo ele, neste 1º de janeiro, com liberdade de expressão e democracia, o olhar do governo voltou focar “as minorias que ficaram excluídas ao longo dos últimos anos”.
“Tenho certeza de que este será um governo de respeito aos grupos que formam a diversidade e as tradições desse país, após anos de retrocessos, racismo, intolerância e perseguições”, disse ele à Agência Brasil.
“Estamos aqui por uma causa nobre em defesa das comunidades tradicionais, dos quilombolas, dos povos indígenas e de tradição africana, e pela cultura popular em geral. Quem ganha com isso é o Brasil porque quem faz o país crescer é o povo que está na ponta”, acrescentou.
A índia Pataxó Flor Guerreira, que vive em uma aldeia na divisa de Bahia e Minas Gerais, disse que o governo recém-empossado trará oportunidade aos indígenas. “O novo governo representa uma oportunidade para retomarmos e reconquistarmos nossos direitos e de termos de volta as práticas constitucionais que foram rasgadas pelo último governo não apenas em relação a direitos indígenas, mas de diversos outros grupos”, disse Flor Guerreira.
Segundo ela, a luta de seu grupo não está restrita aos povos indígenas. “Lutamos pela vida de todos; pela terra, pela água, pelos brancos, negros; pelo povo gente e pelo povo bicho; pelo povo bom e pelo povo ruim também, para que evoluam”, acrescentou.
Outro indígena, mas de uma terra bem mais distante – a Bolívia –, também veio a Brasília para mostrar apoio ao novo presidente. Segurando uma bandeira Wiphala, que representa paz, unidade, solidariedade e harmonia entre as diferentes etnias do Império Inca, Juan Cusicauki, 53 anos, é da etnia Aimará (da Era Pré-Colombiana) e vive em São Paulo. Ele conhece os problemas vividos por seus conterrâneos nas periferias paulistas.
“Meus conterrâneos têm sofrido muitos problemas, que vão desde documentação até opressão e humilhação. A situação tem piorado muito desde a saída da presidenta Dilma [Roussef]. Ficou mais difícil o acesso à escola pública e a programas sociais”, disse.
A esposa de Cusicauki é a brasileira Aloha Queiroz, 45 anos, que faz performances para chamar a atenção sobre a violência praticada contra mulheres. Ela acompanhou o marido na viagem e se disse tão otimista quanto ele. “Tenho muita esperança de que a situação venha a melhorar, de forma a revertermos o recente aumento de feminicídios, observado desde o início da pandemia”, disse.
Outro grupo que manifestou identificação com as pautas do novo governo é o LGBTQIA+. Arquiteto e professor universitário, Miguel Carraza, 34 anos, viajou de Uberlândia (MG) até Brasília para participar deste importante momento histórico.
“Os últimos 4 anos foram muito ruins porque nunca nos sentimos abraçados pelo governo. Fomos colocados como pessoas sem direito. A sensação é de que o governo que se inicia vem para nos abraçar. Somos todos iguais e acreditamos no Brasil. Para o país avançar é fundamental o respeito ao povo e aos direitos humanos”.
Vestindo uma camisa do Movimento dos Sem Terra (MST), o servidor da Câmara Legislativa de Toledo (PR) Evânio Guerrezi disse que também foi vítima de preconceito em seu estado pelo simples fato de se dizer de esquerda.
“Há um anti-lulismo muito forte no Paraná devido à influência de alguns poderosos do agronegócio no estado. Inclusive já tive meu carro apedrejado por esse motivo, quando tentamos passar em um bloqueio feito por apoiadores do ex-presidente”, disse Evânio.
Ele disse que vê no MST uma "importante ferramenta" em prol da justiça social, da distribuição de renda, do acesso a comida e a teto pela população. “São problemas seculares que têm, no MST, caminho para serem solucionados. Afinal, são os pequenos produtores que colocam 70% dos alimentos que chegam nas mesas das famílias brasileiras”, complementou.
Também vinda do Paraná, a policial penal federal Amanda Teixeira, 36 anos, disse ter vivido dificuldades por integrar uma categoria “empoderada e protegida" durante os quatro anos de governo bolsonarista. “Isso acabou dando a alguns colegas uma sensação de poder acima daquele a ela atribuído. Esse flerte foi bastante prejudicial no cotidiano de meu trabalho”, disse.
A expectativa da policial é de que a data de hoje simbolize “a troca do ódio pelo amor", retomando a construção de uma sociedade mais solidária e com políticas públicas mais eficientes.
Cego de nascença, Lucas Costa, 17 anos, viajou com sua avó Maria do Carmo, 58 anos, por 36 horas, de Belém do Pará até Brasília. Estudante do 3º ano do ensino médio disse que as políticas de educação foram prejudicadas nos últimos anos para aqueles que, como ele, precisam de cuidados especiais.
“Percebi as primeiras dificuldades a partir de 2018. O último ano que tivemos algum suporte foi 2019, mas em 2020 todos os projetos foram cortados. Durante a pandemia a coisa piorou ainda mais, mas tenho boas expectativas para os próximos quatro anos. Será um período de muita luta, até porque não basta mudar o governo. É necessário que haja colaboração do Legislativo, do Judiciário e da própria sociedade, que em geral é diretamente influenciada por seus governantes”.
Maria do Carmo, que criou Lucas, disse ter chorado nos últimos quatro anos pela situação de seu “filho-neto” na escola, com a perda de profissionais que o ajudavam no desenvolvimento escolar.
“Felizmente estamos mudando de um governo insensível para um extremamente sensível a pessoas que têm situação similar à de meu neto”.
Os dois vieram em uma caravana com cerca de 50 pessoas que durante toda viagem cantavam músicas que citavam o nome do novo presidente.
Longina Miliana de Oliveira, 78 anos, é uma das vítimas do rompimento da barragem em Mariana (MG). “Até o desastre, eu podia pescar e tinha uma roça, mas desde então não tenho mais nada”, disse a integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que percorreu mil quilômetros de Periquito (MG) até a capital federal.
“Foram 18 horas de viagem com muita festa, mas me sinto de alma lavada porque desde o ocorrido [em 2015] não recebi nenhum centavo dos responsáveis pelo rompimento da barragem”. Agora, com a expectativa de apoio do novo governo, a expectativa dela é de que essa situação se reverta.
Conhecido pela alcunha maratonista cangaceiro, o pedreiro Francisco Ricardo, 55 anos, deixou de correr a São Silvestre deste ano para estar em Brasília e acompanhar de perto a posse de Lula. A viagem, de Iguatu (CE) até Brasília, foi longa: mais de 1,7 mil quilômetros.
“Minha motivação para vir foi a esperança de termos um governo que crie mais empregos para os nordestinos. A situação em nossa região piorou muito nos últimos anos. Desde a saída da Dilma, os políticos acham que nós, nordestinos, somos ignorantes e tentam nos enrolar. Mas nós sabemos que tudo que vinha sendo feito até então parou desde o início do governo Temer”, disse.
Ivanil Costa, à esquerda - Pedro Peduzzi/Agência BrasilTrajando uma camisa vermelha da Seleção Brasileira, o arquiteto Ivanil Costa, 38 anos, disse que a recente passagem de ano não foi de 2022 para 2023. “Foi uma virada de 2018 para 2023”, disse ao criticar a interferência da Lava Jato naquele pleito.
“Eu entendo que é importante haver, de tempos em tempos, alternância de poder porque é positivo a competição entre diferentes grupos políticos. Mas acho que a Lava Jato acabou interferindo de forma negativa, ao subverter o processo judiciário, prendendo antes mesmo de ouvir a versão dos acusados. Foi uma atitude estranha que só depois pudemos entender a real motivação: tirar Lula de cena e abrir espaço para um governo de extrema direita”, acrescentou o arquiteto que viajou de Belo Horizonte até Brasília.
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