Ao longo da última semana, o Metrópoles levantou os bastidores da unidade alvo de operação da Polícia Civil do DF (PCDF). De acordo com o inquérito, o estabelecimento utilizava medicamentos sem autorização para dopar os pacientes que recusavam submeter-se ao tratamento. Além disso, não possuí licença da Anvisa e nem a autorização do Corpo de Bombeiros do DF (CBMDF) para funcionar.
O local fica em um rancho para eventos no Incra 6, em Brazlândia. O espaço foi alugado pelo casal. A atividade, chefiada por Wendel e Adriana, levantou suspeita dos investigadores em julho do ano passado, quando, à época, com apenas 6 dias de internação, o paciente João Bosco Pinto Correia, 54, faleceu.
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Conforme informou a família à reportagem, que pediu para ter a imagem preservada, João deu entrada em 29 de junho. “No dia 6, eu recebi a notícia que meu irmão estava morto. Aparentemente, era uma clínica que não levantava nenhuma suspeita”, conta Carlos Alberto Correia, 56.
Carlos recebeu a indicação de onde buscar auxílio por meio de um conhecido, o qual já havia colocado um parente na unidade. Antes da internação, conheceu o local pessoalmente, mas não desconfiou do que se passava ali. A previsão dada pelos “especialistas” seria do tratamento de João durar o prazo de seis meses. No período, Carlos teria que desembolsar R$ 1.200, por mês, além da entrada, no valor de R$ 1.000, valor pago à vista via Pix.
“Apresentaram toda estrutura, tudo bem organizado. Eu levei meu irmão vivo e recebi ele morto. Ele não merecia uma morte assim”, lamenta Carlos Alberto.
Aos familiares, a clínica alegou que João teria sofrido um infarto. No entanto, segundo Carlos, o irmão não apresentava histórico de doença cardiológica. Somente com o laudo cadavérico veio à tona os indícios de irregularidade no lugar que operava na clandestinidade.
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Doses superiores à prescrição
No corpo de João, foram encontrados diferentes medicamentos de uso controlado. À polícia, testemunhas afirmaram terem ministrado, em pelo menos duas ocasiões, dosagens cinco vezes superiores: o médico teria prescrevido oito gotas de rivotril, à noite, e teriam sido colocadas 40 em compostos chamados de “danoninho”.
A conclusão do exame laboratorial revelou a presença de benzodiazepínicos e neozine no organismo do paciente, ambos usados para sedação em transtornos de ansiedade. “A morte ocorreu por edema e hemorragia pulmonares de causa compatível com intoxicação por substâncias comumente utilizadas no tratamento de dependência química”, apontou o laudo.
Interdição judicial e prisão
Com o avançar da investigação, a polícia pediu a suspensão temporária da clínica, que contava com cerca de 50 internados. O pedido acabou deferido pela Vara Cível de Brazlândia, em janeiro. Entretanto, os investigadores identificaram o descumprimento da decisão judicial. Na ocasião, os pacientes foram levados para clínicas parceiras do casal, que atuam de modo semelhante à clínica investigada, no Entorno do Distrito Federal. “Em situações piores e sem fiscalização semelhante”, flagrou a PCDF.
Diante do fato, a 18ª DP pediu pela prisão temporária de Wendel e Adriana, além busca e apreensão. A Justiça, novamente, atendeu o pedido, sendo cumprido os mandados na madrugada de segunda-feira (6), no âmbito da Operação Loki. Na residência foram encontradas medicações sem as devidas receitas médicas, receituários em branco e uma arma de fogo falsa.
No momento da abordagem, o casal sustentou que os medicamentos psicotrópicos possuem receitas e pertenciam a pacientes recém-transferidos, mas não soube explicar como substâncias ilícitas idênticas às apreendidas foram encontradas no corpo de João Bosco sem prescrição médica e levaram a óbito.
A reportagem apurou que testemunhas ouvidas no decorrer da investigação confirmaram que Wendel e Adriana utilizavam tais medicamentos de modo indiscriminado, sem prescrição médica. A clínica ainda é suspeita de promover torturas de física e psicológica. Mesmo com todos os itens apreendidos, a 3ª Vara de Entorpecentes do DF colocou em liberdade provisória o casal, após audiência de custódia realizada nessa quarta-feira (8/2).
Cooperação dos funcionários
A reportagem conversou com vizinhos do endereço onde funcionava a clínica. Os moradores informaram terem presenciado, em diversas ocasiões, pacientes serem “humilhados” pelos funcionários e tentativas de fugas.
“Houve duas ocasiões onde vi pacientes passando pulando a cerca e passando por dentro da minha chácara, numa tentativa de fugir. Eles eram humilhados constantemente, os funcionários falavam: "sua família não te quer mais. Você está aqui porque eles não te amam". Já cheguei a falar que não precisava desse tratamento”, revela Débora*.
Ainda segundo a investigação, a conduta era tolerada e incentivada por Wendel e Adriana. “Inserida na cultura trabalhista dos colaboradores formais e informais da empresa investigada”. Tais funcionários seriam ex-pacientes considerados “recuperados”.
Outro lado
O Metrópoles não conseguiu contato com a defesa dos investigados. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
*nome fictício à pedido da entrevistada.
The post Dopagem, tortura e humilhação: os crimes dentro da clínica do “terror” first appeared on Metrópoles.