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Bela Vista

Moradores do centro de São Paulo se assustam com aumento da criminalidade e cogitam abandonar a região


Não é de hoje que a população que vive no centro da cidade de São Paulo reclama do aumento da violência e da sensação de insegurança na região. Casos de furtos de celulares por pessoas em bicicletas ocorrem na Avenida Paulista — cartão postal da capital e do Estado —, no Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, próximo à Santa Casa, na Santa Cecília, perto do metrô da República e ruas adjacentes, na Bela Vista, na Sé. Quase não se sabe de partes do centro que não tenham sido cenários de crimes. Os moradores da região percebem uma escalada na quantidade de novos casos, o que vem impondo medo, sensação de impotência, decepção e até a vontade de mudar de casa, em busca de bairros mais seguros. É o caso de João da Silva [nome fictício], que não quis se identificar por medo da exposição, e que mora no centro de São Paulo há dois anos. Ele reclama do aumento da violência no período e já planeja para deixar o local nos próximos meses.

João mora na rua Helvétia, do lado do bairro da Santa Cecília. A rua tornou-se uma das mais faladas na região e no noticiário nos últimos meses por ter se tornado o principal ponto de aglomeração da Cracolândia após fortes operações policiais na Praça Princesa Isabel, nos Campos Elísios, no final de 2022. “Nos últimos dois anos, houve nitidamente uma piora da situação. Dá para ver isso pelo aumento do número de furtos pelo bairro, pelo entorno. Vários amigos foram roubados por aqui. Acompanho meus amigos nas redes sociais e também já presenciei muitas vezes essas situações, furtos e essas coisas. Notei o aumento. Agora, a gente não consegue mais fugir. Antes, tentava se prevenir não dando bobeira, não andando com o celular na mão, saindo com o mínimo de dinheiro possível de casa. Mas, agora, estão começando a acontecer assaltos e arrastões até em bares, que é quando as pessoas pensam que estão seguras, que não estão expostas. Nem nesses espaços a gente tem segurança mais aqui no centro”, relata.

Com a sensação de insegurança elevada e medo constante de andar na rua, João da Silva já comenta que pretende se mudar para outro bairro. “O motivo principal da mudança é a segurança. Quero ir para um bairro onde tenha um pouco mais de liberdade e confiança para utilizar a cidade. Comecei a cogitar me mudar da região porque meu contrato de aluguel vai terminar neste ano. Então, me abri para uma possibilidade de um bairro que, pelo menos, me passe uma sensação de mais segurança. Provavelmente, vai ser um lugar mais caro do que aqui, pela qualidade do espaço que eu tenho hoje. Mas quero, pelo menos, que tenha essa sensação de segurança, principalmente naquilo que não está no meu alcance controlar. Eu posso evitar dar bobeira com o celular na mão em qualquer bairro, mas tem outras coisas que acontecem no centro além disso. Então a ideia é mudar para um bairro onde eu tenha menos esses problemas, como o excesso de moradores de rua e usuários de drogas, essas situações como arrastões… Esse tipo de coisa eu quero evitar”, diz.

A ideia da mudança para outra região da cidade de São Paulo ganha força para João à revelia de desvantagens que ele acredita que terá em outros pontos da vida, como aumento de custo e o distanciamento de amigos e de espaços que ele costuma frequentar. “O convívio nos locais que eu frequento, os lugares que meus amigos moram, ambientes que eu frequentava muito… Talvez eu deixe de frequentar um pouco ou vá gastar muito mais para frequentar, por causa do transporte”, calcula. “Tem situações nas quais temos que pensar um pouco em nós mesmos, no nosso bem-estar. Principalmente por não ser da cidade de São Paulo, acho que tenho que tomar escolhas que fazem mais sentido para minha saúde e bem-estar.”

O maquiador Edgar Cardoso, 35, que mora no bairro da Vila Buarque, foi vítima de um assalto no dia 26 de janeiro, na rua Marquês de Itu, próximo de onde mora e também de um bar que foi invadido e roubado no dia 24 de janeiro por um grupo de bandidos — o que foi chamado por alguns jornais de “arrastão”. Não muito distante dali, a menos de 500 metros, há um posto policial, em frente à Praça Rotary. “Estava com um amigo, indo para um bar, guardei meu celular na cueca, inclusive. Eu não estava com muita coisa, apenas uma bolsa pequena. Não sei se eles já estavam de olho em mim ou se me viram guardando o telefone. Vieram três caras, que eu não sei de onde surgiram, um deles com uma faca, tentando cortar a minha bolsa, mas não conseguiu. Um segundo foi direto no meu telefone. Não fizeram nada com o meu amigo, por isso acredito que já estavam observando a gente. Ainda puxaram a minha bolsa e me derrubaram antes de saírem correndo com as minhas coisas. Tentei pedir ajuda e correr atrás deles, mas não consegui”, relembra.

A ocorrência foi o primeiro assalto de Cardoso na região, onde mora há um ano e meio. Até então, ele afirma que se sentia seguro: “Por mais que aqui seja uma região onde há bastante pessoas em situação de rua, eu me sentia seguro, porque nunca ninguém tinha mexido comigo ou me abordado. E eu tento não marginalizar essas pessoas, acredito que elas estão ali por uma questão social e econômica, questões das vidas delas. Então, sempre andei por aqui, é onde eu moro. É o meu bairro, pelo amor de Deus, eu quero poder andar na região do centro, próximo à minha casa. Eu estou [morando] justamente aqui porque eu trabalho com entretenimento, à noite, então aqui é fácil para ir ao meu trabalho. Eu quero me sentir seguro para andar aqui. Eu me sentia seguro por estar próximo da minha casa, achava que isso não ia acontecer. Mas sinto que, de uns tempos para cá, isso tem mudado muito. O centro vem ficando mais perigoso, com certeza”, comenta o maquiador.

Para ele, o aumento da criminalidade na região tem várias justificativas, a começar pelas crises econômicas e sociais que o país enfrenta, mas ele também vê na proximidade da Cracolândia — mesmo sem culpar os dependentes químicos diretamente — a criação de um ambiente propício para que os bandidos se fixem na região e consigam passar despercebidas para cometer os roubos, furtos e outros crimes. “Acho que, às vezes, falta um certo policiamento também, uma fiscalização mais pesada. O meu iPhone ficou a duas quadras da minha casa por dois dias depois do assalto [de acordo com o iCloud, sistema capaz de encontrar o celular por GPS]. Fui até a delegacia, e os policiais me disseram que não poderiam fazer nada, que eu tinha que ligar no 190 para chamar uma viatura para ir comigo até o lugar onde estava o meu iPhone. Mas, também me disseram que, se estivesse dentro de uma residência, por exemplo, que a polícia não poderia entrar, mas somente abordar pessoas na rua. A gente fala ‘ainda bem que não aconteceu comigo, dos males o menor’, mas a sensação de impotência que fica é a pior parte. É muito triste, principalmente andar com essa sensação hoje na minha cidade. Nunca passei por uma situação dessa na zona leste”, relata o maquiador com decepção.

“O centro dessa nossa cidade cosmopolita é tão bonito. A gente gosta de morar no centro, tem coisas muito interessantes na região. Eu acho que a vida noturna no centro pode ser muito mais valorizada, segura e plural. Acho que todo mundo deveria poder circular pelo centro dessa cidade, que é tão gigantesca e maravilhosa, se houvesse mais segurança”, lamenta Edgar Cardoso.

Além dos furtos frequentes, roubos em aumento considerável e arrastões como do vídeo acima, outra modalidade de crime que vem assustando a população no centro da cidade são os roubos conhecidos como “quebra-vidro”, em que os bandidos se aproveitam de sinais de trânsito para quebrar vidraças de carros parados e puxar rapidamente pertences como celulares e bolsas. Edison, que trabalha como motorista de um aplicativo de viagens, fala sobre a quantidade de vezes que já presenciou vidros de outros carros sendo quebrados por bandidos que agem rapidamente, “dando um bote” no celular das vítimas, seja passageiros ou motoristas. “Com a gente [motorista de aplicativo] é mais difícil eles mexerem, porque está sempre rodando, passando nas mesmas regiões. Mas acontece bastante com passageiro ou motorista comum”, relata, enquanto conduz seu veículo pela Bela Vista. Ao passar próximo da rua da Abolição, ao lado de um viaduto, ele completa, baixando o vidro, com coragem: “Pode olhar aí o chão, essa parte aqui toda [do centro da cidade] é cheia de cacos de vidros, de tanto que eles quebram. Aqui acontece o tempo todo. E tem passageiro que não colabora. A gente avisa do perigo, pede para guardar o celular, mas eles não guardam por se sentirem seguros dentro do carro, o que chama a atenção da bandidagem”.

A reportagem solicitou uma entrevista com o novo secretário de Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, mas a SSP-SP alegou incompatibilidade de agenda, indicando o contato do delegado Jair Ortiz, responsável pela 1ª Delegacia Seccional, lotada no centro da cidade. A tentativa de contato com o delegado também não foi bem sucedida, e a delegacia enviou uma nota informando que “ações permanentes de inteligência e investigação vêm sendo desenvolvidas na região central da capital, visando a identificação e prisão dos autores dos delitos”. O texto ainda exemplifica a atividade policial dizendo que, na última terça-feira, 7, um dos autores do crime conhecido como “quebra-vidro” foi identificado e preso após intenso trabalho de campo e investigação. Também informa que na última quinta, 9, ocorreu a prisão de mais um criminoso que realizava o mesmo tipo de ação em carros parados no trânsito, “além de inúmeras prisões relativas ao tráfico ilícito de entorpecentes e receptação de produtos de crimes, todas realizadas pelas unidades que compõem esta seccional”. “O trabalho diuturno continua pelos distritos policiais sob nossa coordenação, em operação permanente e diuturna, com o escopo de mais prisões e responsabilização aos autores de crimes cometidos no centro da capital do Estado”, finaliza a nota.

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