De acordo com a decisão do juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, a ação afirmativa "cria hipótese não prevista em lei, qual seja, a de cotas para estudantes trans e, por consequência, suprime vagas da livre disputa".
O anúncio dos aprovados seria feito no mesmo dia da emissão da liminar. Eram nove vagas adicionais, geradas, no último ano, por decisão da reitoria. Ou seja, o número de vagas de ampla concorrência não foi afetado.
A ação pública a motivar o despacho foi movida pelos advogados Bruno Cozza Saraiva e Djalma Silveira da Silva. Nenhum deles respondeu aos contatos da reportagem. No pedido, os homens argumentam ser a promoção de cota para trans "política ideológica que, há tempos, vem ocupando as universidades brasileiras" e não haver lei a possibilitar criação deste tipo de programa.
Os juristas também criticam dados demográficos extraoficiais sobre a população trans citados pela FURG como argumento para a promoção das vagas. "Se todos esses dados não aparecem nos documentos oficiais, no censo demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e, sobretudo, na mídia, qual a comprovação de que eles existem?", questionam.
A ausência de levantamentos oficiais sobre transexuais no país é criticada por entidades que atuam na área e assunto recorrente na nova secretaria de defesa dos direitos LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Estudos sobre a população dependem de iniciativas como a realizada em 2021 pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), que estimou serem 3 milhões de transgêneros no Brasil, cerca de 2% da população adulta.
Também é destacado o trabalho da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que anualmente publica dossiê de assassinatos de membros do grupo.
O último levantamento, divulgado em janeiro deste ano, aponta ser o Brasil, pelo 14º ano consecutivo, o país com maior número total de homicídios de pessoas travestis e transexuais. Segundo ele, 131 indivíduos foram mortos no país em 2022.
Em nota, a FURG diz estar protocolando os recursos devidos para sustentar seu programa de ações afirmativas.
A reportagem apurou que a direção da instituição de ensino acredita ser frágil o argumento utilizado pelo juiz em seu despacho, assim como o dos autores da ação, e revertível pelo artigo 207 da Constituição, que prega a autonomia universitária.
Após a FURG apresentar sua defesa, a parte autora ainda pode apresentar contrarrazões em até 15 dias, o que paralisaria a matrícula dos ingressantes, ao menos, até o fim deste mês. O ano letivo para universidades federais tem início no próximo dia 20.
Marianna Duarte, coordenadora do diretório central dos estudantes da universidade, afirma que a medida foi discutida profundamente e que foi motivada também pela baixa procura de alunos pelos cursos de graduação da universidade.
"Havia demanda e vontade de fazer um projeto como este. A cidade é pequena, então conhecemos membros da população alvo e vimos a expectativa gerada", declara ela.
A articulação contra a liminar também conta com apoio da União Estadual dos Estudantes do Rio Grande do Sul. Vice-presidente da organização, Muryell Teixeira é aluno da faculdade de história da FURG. Ele diz que, historicamente, o estado se contrapõe a projetos ditos progressistas, mas que há "grande aceitação e apoio" às vagas para trans.
Organizações LGBTQIA+, como a Antra, também emitiram notas. A associação diz serem cotas "uma política reparatória importantíssima. E a população trans sofre com a exclusão escolar e violências diversas no ambiente educacional, fazendo com que muitas de nós não consigamos seguir com os estudos. O objetivo principal é propiciar mais igualdade e acesso digno em oportunidades".
Um abaixo-assinado contra a liminar já conta com 86 assinaturas de movimentos sociais, coletivos organizados, partidos, centrais sindicais e diretórios acadêmicos.