A tensão na Cisjordânia entre Israel e Palestina ganha um novo episódio a cada ano que passa, visto que ambos os lados disputam o domínio daquela região. Em 2023, de janeiro até 22 de março, 87 palestinos já morreram nos confrontos, enquanto do lado israelense foram 13 mortos. Além disso, uma cidadã de nacionalidade ucraniana também morreu. Este é o início de ano mais mortal desde 2000, com uma média de mais de uma fatalidade por dia, de acordo com a contagem do Ministério da Saúde da Palestina. O confronto entre as partes está longe do fim, ainda mais agora com o início do Ramadã – mês sagrado dos muçulmanos em que as tensões tendem a aumentar -, que começou no dia 22 de março e vai até 21 de abril, e com dois lados extremistas. Do lado de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aliado aos partidos de extrema-direita, e do lado Palestino, o Cova dos Leões, grupo militante que surgiu no ano passado e luta contra a ocupação israelense. A Organização das Nações Unidas pediu nesta quarta-feira, 22, que israelenses e palestinos reduzam as tensões e evitem qualquer provocação no Ramadã, cuja celebração coincide este ano com a Páscoa. “Peço a todas as partes que evitem atos unilaterais que aumentem as tensões. Este deve ser um período de reflexão e celebração religiosa segura e pacífica para todos”, disse Tor Wennesland, enviado da ONU para o Oriente Médio, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele afirmou estar “muito inquieto com o crescente ciclo de violência que ameaça mergulhar palestinos e israelenses ainda mais nesta crise mortal, ao mesmo tempo em que se corrói ainda mais a esperança de uma solução política”.
Em entrevista ao Portal Jovem Pan, a doutora em relações internacionais e coordenadora de projeto no Instituto Brasil-Israel Karina Calandrin explica as razões por trás da piora nas relações. “Partidos de extrema-direita de Israel tem um discurso forte anti-árabes e eles os veem como terroristas que não são capazes de dialogar. A situação deve piorar porque tende a expandir os assentamentos na Cisjordânia e a ocupação, eles até falam em anexação”. Comprovando o que a especialista falou, na terça-feira, 22, o parlamento israelense alterou uma lei de 2005 e abriu caminho para o retorno dos colonos judeus a quatro assentamentos na Cisjordânia, uma medida condenada pela Autoridade Palestina e pela União Europeia. A decisão foi anunciada três dias depois que Israel e Palestina renovaram o compromisso conjunto de reduzir as tensões e pôr fim às medidas unilaterais antes do início das celebrações religiosas. A revogação de certas cláusulas em uma lei de retirada anterior permitirá que moradores judeus retornem ao lugar que foram obrigados a desocupar sob a condição de aprovação dos militares israelenses. A autoridade Palestina denunciou rapidamente a medida. “Esta é uma decisão condenada e rejeitada e é contrária a todas as resoluções de legitimidade internacional”, disse Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do presidente palestino Mahmoud Abbas.
Desde a guerra de 1967, Israel estabeleceu cerca de 140 assentamentos em terras que os palestinos veem como o centro de um futuro Estado. Além dos lugares autorizados, grupos de colonos construíram dezenas de postos avançados sem permissão do governo. A maioria das potências mundiais considera os assentamentos construídos no território ocupado por Israel na guerra de 1967 como ilegais sob a lei internacional, e sua expansão como um obstáculo à paz. Calandrin ressalta que Israel não se importa com o que a comunidade internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU) pensam e “provavelmente vai querer aprovar leis que reduzem direitos dos cidadãos árabes israelenses”, o que contribuirá para o aumento da tensão na Cisjordânia, fala a especialista. Samuel Feldberg, cientista político e pesquisador do Centro Dayan da Universidade de Tel Aviv, concorda. Ele pontua que essa aliança que Netanyahu fez para voltar ao poder no final de 2022 talvez seja a maior tragédia que a sociedade israelense está vivendo. “Se aliou à extrema-direita e isso se reflete nas políticas que adotam em relação à administração dos territórios na Cisjordânia”. Ele também destaca que a percepção de que Israel está dividida estimula uma posição mais radical dos palestinos.
O que é a Cisjordânia?
Conforme explica Calandrin, a Cisjordânia é um território que Israel considera parte de seu Estado, mas a ONU e outros países, como o Brasil, classificam como parte de um futuro Estado palestino. Contudo, desde 1967, quando teve a Guerra dos Seis Dias, um conflito entre israelenses e árabes, Israel começou a ocupar o território depois que venceu a guerra e construiu cidades, porém, não as anexou, o que faz com que não sejam parte do seu território. Os palestinos, por sua vez, reivindicam essa área. Desde 1995, quando acordos foram assinados, a Cisjordânia está dividida da seguinte maneira:
Feldberg pontua que existem outras duas razões que fazem com que Israel queira a Cisjordânia. A primeira delas é que todos os locais sagrados do judaísmo estão localizados na região. A segunda é uma questão de segurança, uma vez que o local é cercado de uma cadeia de montanha que controla o ponto de vista estratégico da costa de Israel, então, se tiver uma sociedade hostil a eles controlando aquele território, a segurança israelense fica “extremamente comprometida”. A questão na Cisjordânia é bastante delicada, ainda mais quando se leva em consideração que a autoridade palestina Mahmoud Zeidan está enfraquecida e não há eleição na região desde 2006, quando as últimas aconteceram e houve um golpe de Estado por parte do Fatah – partido que comanda o território – ao não aceitarem a vitória do Hamas.
Essa fraqueza é utilizada no discurso de Netanyahu, que se aproveita da situação para falar que a autoridade palestina é fraca e o Hamas – grupo que surgiu como partido político e depois passou a representar aqueles que não se sentiam representados por Zeidan – é terrorista, pois eles fazem uso da violência para lutar por seus direitos. “Esse é o grande problema quando extremistas se apoderam da agenda. Temos um governo de direita com propostas de atuação muito incisivas, e do lado palestino, uma liderança fraca e pouco conhecida pela população, o que abre margem para atuação desses grupos mais radicais”, explica Feldberg. O pesquisador fala que ‘“vivemos um momento em que a autoridade palestina vem se deteriorando, o líder já é uma pessoa de idade e não há definição de um sucessor, além de ser considerado extremamente corrupto”. Ele ainda menciona o surgimento do grupo Cova dos Leões, que tem lutado com os israelenses. Essas circunstâncias, junto com “a falta de expectativa dos jovens os leva a buscar alternativas e, nesse caso, é a da violência. O grupo tem atraído jovens que querem usar a força contra Israel”, acrescenta. Contudo, para ele, “é mais uma organização que surge, vai ter sua área de atuação, período de expressão, mas provavelmente não vai levar a nenhuma mudança significativa do equilibro de força’.
Calandrin fala que a situação na Cisjordânia é um círculo vicioso, porque ao ter dois extremos, um alimenta o outro. “É um ciclo que se autoalimenta. O discurso que pautou a campanha de Netanyahu é o da segurança. Toda vez que aumenta a violência na Cisjordânia e em Gaza, ele usa esse discurso para defender a visão dele de mundo e se fortalecer, para falar que não dá para conversar com os palestinos porque são terroristas e que só ele consegue manter os israelenses seguros”. Já do outro lado, os palestinos “conseguem, a partir da violência de Israel, infligir e aglutinar um discurso anti-Israel forte e ganhar legitimidade no movimento”, diz. A especialista também fala que “na guerra de narrativas, Israel perde todas as vezes, porque sempre que um míssil é lançado pela Palestina, mesmo que ele seja contido pelo sistema antimísseis, o país retalia, e quando isso acontece, morrem centenas de palestinos. Aí aparece [na mídia] que a Palestina lançou mil mísseis e ninguém morreu, mas Israel retaliou, e matou vários”. Calandrin finaliza dizendo que essa situação faz com que seja difícil pensar em uma solução para a Cisjordânia.