Entre as frentes de ação, a ministra destacou a necessidade do enfrentamento ao chamado “machosfera”, ambiente virtual que reúne milhares de homens que partilham uma ideia comum: o ódio às mulheres. “A misoginia é reiterada nas redes sociais por grupos organizados, os chamados espaços machosfera. Eles utilizam o discurso de ódio, da pedagogia de desumanização do outro. Buscam legitimar a relação de desigualdade de gênero, usando um vocabulário comum”, disse a ministra e informou que há, pelo menos, 80 canais apenas em uma mídia social, que atacam, sobretudo, mulheres mais influentes, como políticas e jornalistas.
“Você é um orgulho para nós de Mato Grosso do Sul. Seja muito bem-vinda ao nosso Estado, à nossa Casa”, disse o deputado Pedro Kemp em saudação à ministra Cida Gonçalves. O parlamentar também falou que sentiu muito feliz com o plenário lotado, sobretudo com a participação das mulheres. “Nós temos que acreditar que é possível erradicar a violência contra as mulheres, acabar com o feminicídio. E agora temos um ministério específico para discutir políticas públicas e resgate dos direitos das mulheres”, afirmou.
De acordo com o deputado, há três fatores que impulsionaram o crescimento da violência contra as mulheres nos últimos anos. “Consideramos três motivos: redução no orçamento das políticas públicas das mulheres; a pandemia, que comprometeu o serviço de atendimento e fez com que os homens passassem mais tempo dentro das casas; e o avanço do movimento de extrema direita, que fortalece a cultura machista”, elencou o parlamentar. “Precisamos superar essa cultura. E uma forma de vencer isso é através da educação de nossas crianças. Precisamos começar da educação infantil para que os meninos respeitem as meninas”, finalizou.
“É preciso ecoar essa dor tão silenciada”, disse liderança indígena
Por cerca de quatro horas, várias pessoas, sobretudo mulheres lideranças de movimentos, ocuparam a palavra. Entre elas, a representante das mulheres guarani kaiowá, Jaque Kuna Aranduhá. Ela enfatizou que a violência contra as mulheres indígenas não é cultural. “Essa violência é estrutural, é uma herança da colonização, da invasão de 523 anos de nossos territórios”, disse. “Vamos caminhar juntas, vamos tecer juntas. É preciso ecoar essa dor tão silenciada. Eu trouxe aqui, ministra, um documento da nossa assembleia. É a voz da nossa dor na escrita de vocês. É preciso uma política específica de enfrentamento da violência contra as mulheres indígenas, porque essa violência têm suas especificidades”, cobrou.
Bruna, a voz da sobrevivência
Entre as várias pessoas que fizeram uso da palavra na tarde desta quinta-feira, uma voz foi de sobrevivente. “Eu reescrevi a minha história. Eu me reconstruí como mulher”, disse Bruna Oliveira, que quase foi morta em 2017. Na madrugada do dia 4 de novembro daquele ano, o ex-companheiro de Bruna invadiu a casa dela e passou a espancá-la enquanto ela dormia. “Acordei atordoada e saí correndo”, contou. Ela correu por seis quadras, mas o homem ainda a alcançou e atropelou com uma moto. Agredida com um pé de cabra, Bruna teve os braços quebrados e fraturas na cabeça. “Cheguei ao hospital com exposição do crânio e levei mais de 20 pontos na cabeça”, rememorou.
Bruna também contou que as pessoas que testemunharam a violência, nada faziam. “Quando ele falava "ela é minha mulher", as pessoas iam embora”, lembrou-se, enfatizando que sofria, naquele momento, além da violência física pelo ex-marido, a violência da omissão. “Estou reescrevendo minha história”, reforçou Bruna, que está grávida de sete meses, gestando um menino, o Joaquim. “Hoje, eu tenho uma família e vou colocar no mundo um homem que vai respeitar as mulheres”, finalizou.
Uma morte a cada seis horas
Bruna Oliveira é sobrevivente de uma estatística, que apresenta no Brasil números alarmantes. Em 2022, 1.410 foram vítimas de femicídio no país, conforme dados do Atlas da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mencionados pela ministra Cida Gonçalves. Esse número corresponde à média de um assassinato de mulher, pelo simples motivo de ser mulher, a cada seis horas.
Situação crítica também apresenta Mato Grosso do Sul. Conforme o Mapa do Femicídio 2022, elaborado pelo Governo do Estado, ocorreram 34 femincídios em 2021. Nesse ano, 17.856 mulheres registraram boletins de ocorrência devido a algum tipo de violência doméstica e familiar. Isso significa que, a cada 15 minutos, uma mulher comparece a uma delegacia para denunciar a violência e buscar ajuda.
Audiência
Também participaram do evento o presidente da Casa de Leis, deputado Gerson Claro (PP), as deputadas Mara Caseiro (PSDB) e a Lia Nogueira (PSDB), os deputados Lucas de Lima (PDT), João César Mattogrosso (PSDB), Renato Câmara (PDT) e Professor Rinaldo Modesto (Podemos), a deputada Camila Jara (PT), o deputado federal Geraldo Rezende (PSDB), a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (Patriota), a vereadora Luiza Ribeira (PT), secretária adjunta da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania, Viviane Luiza da Silva, que representou o governador Eduardo Riedel (PSDB), entre outras autoridades,
Antes da audiência, a ministra Cida Gonçalves deu entrevista coletiva em que afirmou que Mato Grosso do Sul está entre os estados prioritários nas políticas do Governo Federal de enfrentamento da violência contra as mulheres.