O presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, visita o Cais do Valongo com representantes do movimento negro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Revelado em 2011 em escavações realizadas durante as obras de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, o Cais do Valongo foi local de desembarque de mais de um milhão de escravos, provenientes da África. Sua importância histórica desperta a atenção de estudiosos e pesquisadores. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi o maior porto receptor de escravos do mundo.
A situação do local já vinha preocupando o Ministério Público Federal (MPF) nos últimos anos, que chegou a mover ações judiciais para que fossem cumpridos compromissos assumidos com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2017, quando local recebeu o título de Patrimônio Mundial. Pesquisadores chegaram a temer pela perda do título diante de decisões do governo de Jair Bolsonaro, que extinguiu o comitê gestor participativo e o plano de gestão.
Com outros espaços localizados ao seu redor, o Cais do Valongo forma hoje o circuito Pequena África, que resgata o apelido dado pelo sambista Heitor dos Prazeres à zona portuária da cidade. Ele inclui, por exemplo, o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), o Instituto Pretos Novos (IPN) e a Pedra do Sal. Um guia lançado pela prefeitura do Rio lista 38 pontos culturais e gastronômicos entre locais e edificações históricos, espaços culturais, bares e restaurantes.
Galpão
O galpão do Armazém Docas Dom Pedro II, cuja construção original na segunda metade do século 19 foi conduzida pelo engenheiro negro André Pinto Rebouças, também é parte do circuito. Atualmente sob responsabilidade da Fundação Palmares, ele se encontra bastante deteriorado e está fechado. João Jorge avaliou que será preciso um projeto mais ambicioso para a recuperação do imóvel. Segundo ele, a Fundação Palmares já assumiu um compromisso com a Justiça Federal e com o MPF nesse sentido e irá atrás dos recursos.
“Esse é um caso emblemático. Os últimos três anos foram de total abandono. Vejam um lugar bonito como esse, com essa luz. Se puder ser utilizado, se for devolvido à comunidade, vai ser maravilhoso”, disse. Em fevereiro, o Iphan defendeu que o local se torne um Centro de Referência da Celebração da Herança Africana. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através de seu presidente, Aloizio Mercadante, já anunciou disposição para investir em um museu sobre a história da escravidão.
“Temos alguns recursos sinalizados, a gente sabe que não é o suficiente, mas já é um começo. Alguns projetos já estão em fase de preparação de contratação. Vamos fazer uma limpeza, restabelecer a energia elétrica e a rede hidráulica, reparos de telhado e estrutura”, disse Marco Antônio Evangelista da Silva, servidor de carreira da Fundação Palmares escolhido por João Jorge Rodrigues para assumir o Departamento de Proteção ao Patrimônio.
Ele destacou que a forma de ocupação do espaço e o nome que será dado passará por uma definição do comitê gestor participativo, já reativado pelo governo Lula. Composto por representantes de diferentes órgãos públicos e de entidades da sociedade civil, ele reassume a responsabilidade pela definição de diretrizes de gestão e de valorização do Cais do Valongo, tal como previsto em compromisso firmado junto à Unesco. Alguns integrantes do comitê acompanharam a visita realizada pelo presidente da Fundação Palmares.
“Tem que haver um protagonismo da sociedade civil, principalmente das comunidades sensíveis do território”, pontua Leonardo Matos da Costa, que é chefe-executivo da Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura do Rio de Janeiro (Cepir) e representa o órgão no comitê.
Nova direção
Ativista cultural e militante do movimento negro, João Jorge Rodrigues ocupava a presidência do grupo Olodum e foi nomeado há três semanas pelo presidente Lula para comandar a Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. Suas primeiras medidas buscaram reverter decisões tomadas pelo presidente anterior, Sérgio Camargo, que ficou no cargo durante a maior parte do governo de Jair Bolsonaro. Decretos que dificultavam o registro de comunidades quilombolas e que vedavam homenagens a pessoas negras em vida, por exemplo, foram revogados.