A estratégia usada para tentar evitar novos roubos e furtos, contudo, tem obrigado moradores da região a atravessarem o chamado fluxo de dependentes químicos no meio da rua para conseguirem sair ou chegar às suas casas, provocando ainda mais insegurança.
No fim do horário comercial, as calçadas da Rua dos Gusmões, por exemplo, entre as esquinas das ruas dos Andradas e Santa Efigênia, ficam completamente inacessíveis para pedestres.
As vias concentram centenas de usuários de drogas, no chamado fluxo da Cracolândia, que passou a ser itinerante na região central da capital paulista, desde que foi dispersado pela polícia, da Praça Princesa Isabel, no ano passado.
O acesso à calçada é impedido por meio de cones, nos quais são afixadas fitas de isolamento, semelhantes às usadas pela polícia em locais de crime.
Nas esquinas com as Ruas Santa Efigênia e Andradas também são colocados gradis, para reforçar a inacessibilidade. Nas calçadas ainda ficam seguranças particulares, sob guarda-sóis, contratados pelos comerciantes.
A estrutura é montada, segundo apurado pelo Metrópoles, com o intuito de evitar o arrombamento de comércios, em sua maioria de produtos eletrônicos.
O fechamento das calçadas, no entanto, obriga moradores a caminhar em meio ao fluxo de usuários de drogas e de carros, incluindo no horário em que buscam os filhos na escola.
A reportagem conversou com moradores da região entre terça e essa quarta-feira (12/4). Todos pediram para não terem os nomes publicados, por medo.
Uma moradora da Rua dos Gusmões afirmou “pensar muito antes de sair” de casa para a rua.
“Eu programo a minha vida, meu dia a dia, com base no fluxo da Cracolândia, com base na decisão deles em ficar aqui, de usar droga aqui e fazer o que bem entendem aqui.”
A mulher acrescentou colocar os pés para fora de seu apartamento somente para ir ao trabalho ou para compromissos importantes. Ela não realiza saídas para lazer e reclama da falta de acessibilidade às calçadas, entre o fim da tarde e início das manhãs.
“Entendo que os comerciantes querem segurança, mas com isso eles tiram nosso direito de caminhar nas calçadas e nos obrigam a nos arriscar no meio dos nóias [dependentes químicos].”
As calçadas ficam bloqueadas entre o fim da tarde e início da manhã, de segunda a sexta-feira, além dos fins de semana e feriados.
Uma recepcionista de 31 anos, também moradora da Rua dos Gusmões, afirmou ser obrigada a passar com os filhos no meio dos usuários de drogas, quando volta com as crianças da escola.
“Como as calçadas ficam bloqueadas, sou obrigada a andar no meio dos drogados, com um filho em cada mão, desviando de lixo, de droga, de usuário de droga, de toda a nojeira que se transformou a nossa rua. Isso interfere muito em nossa rotina e não temos para onde correr”, lamentou.
A recepcionista disse ainda ter tentado argumentar com os comércios, que alegam ser o bloqueio das calçadas resultante de “ordens superiores”. “Me sinto muito impotente com isso”, acrescentou a moradora.
Um analista de 28 anos também se sente mal ao ter que circular com os filhos, quando volta com eles da escola, em meio aos usuários de drogas pela Rua dos Gusmões.
Ele caminha com as crianças porque o fluxo de dependentes químicos fica muito concentrado, principalmente por causa do fechamento das calçadas, impossibilitando até a passagem de carros.
“Depois que fecham as calçadas, muda tudo. Não há segurança. Ficamos reféns.”
Ele acrescentou também não conseguir mais pedir comida por delivery, por causa do grande volume de usuários de drogas nas ruas. Os entregadores não se arriscam em meio ao fluxo.
O analista inclusive usa seu horário de trabalho para levar mantimentos e itens comprados no mercado, com seu carro, até seu apartamento. “Faço isso durante o dia, quando o fluxo está em outros pontos. Isso impede que saqueiem minhas compras”, explicou.
Uma farmácia no centro de São Paulo foi invadida e saqueada por usuários de drogas da Cracolândia, na manhã do último dia 7, posteriormente a uma ação conjunta da Prefeitura e das polícias Militar e Civil na região.
Imagens de câmera de segurança e vídeos feitos por testemunhas mostram o momento em que os usuários invadem o estabelecimento, que fica na avenida São João. Um mercadinho vizinho também foi saqueado.
Os registros também mostram o cenário de destruição no local após a invasão (veja abaixo).
Dois dias depois, usuários de drogas tentaram furtar uma lanchonete, também no centro de São Paulo. O grupo tentou levar uma televisão e um computador do estabelecimento, mas não conseguiu.
A Subprefeitura da Sé afirmou ao Metrópoles que, até o momento, não há registros de denúncias sobre calçadas obstruídas por comerciantes.
“A Secretaria Municipal de Subprefeituras, por meio da Subprefeitura Sé, informa que será programada uma ação de fiscalização em conjunto com a Guarda Civil Metropolitana e Polícia Militar no local”, diz trecho de nota.
A Polícia Militar afirmou não ter recebido denúncias sobre o fechamento de calçadas na região de Cracolândia.
Já a Polícia Civil afirmou que se reuniu com comerciantes locais”a fim de estabelecer estratégias de atuação para coibir os crimes na região”, sem especificar como.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU), da Prefeitura de São Paulo, afirmou que a Guarda Civil Metropolitana realiza o patrulhamento comunitário e preventivo da região, 24 horas por dia, por meio de rondas periódicas.
As ações da GCM, acrescentou, visam garantir a proteção da população local, das pessoas em situação de vulnerabilidade e dos agentes públicos das Secretarias de Assistência Social, Saúde e Subprefeitura “durante a execução dos atendimentos e serviços no território.”
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