Cacique Raoni coloca cocar na cabeça do presidente Lula (PT) durante encerramento do Acampamento Terra Livre –
LUCAS LACERDA E JIÃO GABRIEL
FOLHA DE S.PAULO SÃO PAULO e BRASÍLIA – A demarcação de seis terras indígenas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta sexta (28) foi bem recebida entre lideranças do movimento indígena, embora houvesse expectativa para a entrega de 14 novas homologações.A etapa é o último passo do governo para considerar as terras oficialmente demarcadas. Uma das razões para a escolha dos territórios pode ter sido, além do longo tempo de espera, a baixa probabilidade de conflitos e disputas legais.
Apesar da previsão inicial, as seis homologações foram recebidas como bom sinal de Lula, que estava acompanhado da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, da ministra Sônia Guajajara e de outras autoridades e de lideranças, como o cacique Raoni.
A assinatura foi realizada na cerimônia de encerramento do Acampamento Terra Livre, em Brasília. As TIs (Terras Indígenas) homologadas foram Arara do Rio Amônia, no Acre; Kariri-Xocó, em Alagoas; Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul; Tremembé da Barra do Mundaú, no Ceará; Avá-Canoeiro, em Goiás; e TI Uneiuxi, no Amazonas.
“Eu quero não deixar nenhuma terra indígena que não seja demarcada nesse meu mandato de quatro anos”, disse Lula.
O coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígena do Brasil), Kleber Karipuna, disse que já era sabido que provavelmente as 14 demarcações não seriam concluídas ainda em abril.
Para ele, os documentos precisariam ser analisados novamente após a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não fez demarcações. “Não sabemos que tipo de medida foi tomado, então precisávamos de uma análise técnica.”
A Funai, agora no ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática e sob o comando de Joenia Wapichana, precisou rever a situação de cada território —tarefa concluída em março. Em seguida, a Casa Civil também começou a analisar os processos, e apenas seis casos foram concluídos até o momento.
“O movimento indígena tem um papel de articular e cobrar, e a gente vai continuar fazendo esse papel. Mas, claro, em um diálogo muito próximo agora com o governo, com lideranças que estão dentro do governo”, afirma Karipuna.
O coordenador executivo diz que demandas ainda não atendidas, como a dos guaranis, do Morro dos Cavalos, e dos pataxós, vão continuar na pauta de cobranças do movimento.
“Tentamos dialogar e trazendo a realidade. Na região dos Pataxós [na Bahia], por exemplo, não é só um problema de demarcação da terra, porque só homologar não vai zerar o problema de conflitos com os fazendeiros e invasores do território“.
Para Beto Marubo, líder da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), o movimento do governo é parte da resposta a demandas dos movimentos indígenas, como o fortalecimento da Funai. “Também temos demandas de regulamentação do poder de polícia da Fundação, porque faz sentido um órgão com atribuição de proteger e fiscalizar esses territórios.”
Marubo disse que a demarcação dos territórios vai além da conquista para os povos indígenas. “É uma conquista em termos também econômicos, já que isso é parte do enfrentamento às mudanças climáticas. Além, claro, dos compromissos de metas [de redução de emissões de gases de efeito estufa] e de proteção ambiental.
Na TI Tremembé da Barra do Mundaú, Adriana Tremembé disse a demarcação é uma ferramenta para enfrentar a pressão econômica.
“São 12 países que querem construir rede hoteleira dentro do nosso território. Lutamos contra especulação imobiliária e contra a construção de parques eólicos. É uma conquista após décadas em que isso não acontecia no Ceará”, afirmou a liderança.
Já Chiquinho Arara, cacique geral do povo Apolima-Arara, a homologação é uma etapa da mobilização antiga.
“Resistimos por 523 anos e continuamos a luta. Precisamos continuar na luta, com apoio do governo federal, para que a terra seja fiscalizada e tenha seu merecido desenvolvimento econômico e social”, afirmou.
“Contamos muito com o apoio do governo Lula para esses processos fundiários, porque as terras indígenas são os territórios mais preservados no Brasil.”
Para o antropólogo Tiago Moreira, do ISA (Instituto Socioambiental), a escolha dos territórios pode ter partido de aspectos simbólicos e de viabilidade política.
“O governo escolheu seis áreas que aparentemente não têm grandes conflitos, ao mesmo tempo em que têm um peso muito grande de espera pelo reconhecimento. É resolver essa pendência histórica.”
Quatro das TIs tiveram a portaria declaratória do Ministério da Justiça emitida ainda nos governos anteriores de Lula. A TI Tremembé da Barra do Mundaú recebeu a determinação em 2015, sob Dilma Rousseff (PT) e a Avá-Canoeiro, ainda no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1996.
Historicamente, segundo Moreira, o reconhecimento de terras indígenas enfrentou menos conflitos, e situações menos complexas, nas duas décadas seguintes à promulgação da Constituição Federal.
“E aí sobrou o passivo fora da Amazônia Legal, com áreas de conflito e sobretudo judicializadas.”
Ele diz que a sinalização do governo ajuda a resolver outro problema, que é a falta de segurança jurídica para a promoção de políticas públicas.
“O elemento mais importante é esse gesto da homologação, porque muitas vezes uma prefeitura não vai instalar escola ou posto de saúde na terra indígena porque falta a homologação”, explica.