As advogadas Emanuela Barros e Melissa Constantino, que representam a indígena, afirmam que a decisão é "equivocada", porque ela nem sequer foi ouvida no inquérito policial -o depoimento da jovem à Polícia Federal estava marcado para 14 de junho, mas foi cancelado pelo arquivamento dos autos no MPF e na Justiça Federal.
"Os acusados tiveram a oportunidade de contar suas versões dos fatos à polícia, mas a jovem não. Sendo assim, o encerramento se dá com base apenas na versão dos acusados, desconsiderando o que a vítima tem a relatar sobre o ocorrido", dizem as advogadas, em nota.
Elas avaliam entrar com um pedido de impugnação do arquivamento. "E vamos dar continuidade a ação trabalhista que movemos contra os acusados", diz Emanuela.
Na justificativa presente nos autos, o MPF argumenta que não foram identificados indícios do crime. Diz também que, embora os direitos trabalhistas da mulher indígena não tivessem sido "respeitados em sua integralidade", a vítima não teria sido submetida a "trabalhos forçados, jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho".
O órgão diz ainda que ela vivia sob as mesmas condições de "higiene, saúde, alimentação, habitação e segurança de seus empregadores", com direito a folgas do trabalho e "possibilidade de realizar cursos de formação fora do ambiente residencial e de trabalho."
As advogadas rebatem a informação. Segundo elas, a força-tarefa realizada pelo Ministério Público do Trabalho teria constatado as condições degradantes de trabalho, como o fato de que a vítima dormia em um colchão no chão e, portanto, "não gozava das mesmas condições de seus empregadores".
"A decisão pelo arquivamento ignora todas essas irregularidades e o fato de que a empregada doméstica teve de fugir do local de trabalho e só conseguiu denunciar a situação a que estava passando com a ajuda de terceiros, primeiramente uma vizinha que a acolheu e, depois, o trabalho de suas advogadas e do MPT", dizem elas.
A advogada Emanuela Araújo afirma também que a indígena foi assediada sexualmente pelo patrão, que chegou a instalar uma câmara de vídeo no banheiro que ela usava.
Procurado, o MPF, por meio de sua assessoria, informou que o arquivamento foi solicitado por duplicidade. "Os mesmos fatos já estão sob investigação em um procedimento que está sob sigilo, portanto, não podemos fornecer informações adicionais".
A defesa, porém, afirma desconhecer outra apuração sobre o caso e diz que a vítima precisa ser ouvida.
À época que o caso foi revelado, em março deste ano, os empregadores assinaram um termo de ajustamento de conduta, em que acordaram o pagamento inicial de R$ 20 mil à vítima, em dez dias, pelos direitos trabalhistas.
"Esse tipo de decisão [pelo arquivamento] vai favorecer que situações semelhantes voltem a ocorrer, porque a pessoa faz tudo isso, paga e sai ilesa", diz Emanuela.
A jovem vivia na aldeia indígena Cartucho, no Amazonas. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ela soube da vaga em um anúncio no Facebook e sua viagem para Sorocaba foi paga pelos patrões.
Ainda segundo o órgão, o combinado seria a jovem receber um salário mínimo pelo trabalho de babá, mas, desde a sua chegada, foram descontadas as despesas da viagem. Depois, R$ 350 foram deduzidos do pagamento, sob a justificativa de o casal ter comprado um celular para a babá.
Depois que a indígena começou a fazer o curso da área de enfermagem, pago pelos patrões, ela diz que passou a receber apenas R$ 5 (resultado do desconto das mensalidades).
Segundo a advogada Emanuela, outra jovem indígena também já tinha sido trazida pelo casal nas mesmas condições. "Seria importante a investigação da Polícia Federal para saber se não há atuação de uma rede de pessoas aliciando jovens indígenas para trabalho análogo à escravidão em São Paulo."