Idas e vindas de pareceres com opiniões divergentes entre autoridades em Saúde do Estado, entre eles o ex-secretário de Saúde, Geraldo Resende, e até relicitação com novo impasse são alguns dos elementos que se somam à briga judicial que travou a construção do bunker para abrigar acelerador linear e ativar o centro de radioterapia do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul). Com isso, o tratamento para pacientes com câncer, que nos últimos anos registrou fila de espera por sessões de radioterapia, segue prejudicado.
Na semana passada o Jornal Midiamax noticiou que a briga judicial entre o Governo Federal e a Engtech Construções e Comércio Ltda-EPP, contratada pelo Ministério da Saúde em 2018, paralisa as obras desde junho de 2019.
O MPF (Ministério Público Federal) iniciou investigação no mesmo ano para apurar a paralisação das obras, e o inquérito com mais de 600 páginas revela novos capítulos da novela que se transformou a reativação do serviço no Hospital Regional. A reportagem teve acesso ao inquérito.
O HRMS foi totalmente descredenciado dos serviços de radioterapia em 2008. Na época, o setor de oncologia do hospital foi entregue para empresas terceirizadas. As contratações que consumiram milhões dos cofres estaduais e federais foram investigadas pela Polícia Federal e culminaram na Operação Sangue Frio.
Dez anos depois, o Ministério da Saúde lançou o PER-SUS (Plano de Expansão da Radioterapia no SUS), que previa a reativação da radioterapia no HRMS. O projeto total para a implementação do centro de radioterapia custaria R$ 9,4 milhões à União, conforme informou o Ministério da Saúde em resposta aos questionamentos do MPF, ainda em janeiro de 2020. Desse montante, R$ 6,4 milhões seriam destinados para a obra do bunker e R$ 2,7 milhões foram para a compra do acelerador linear. Pouco mais de R$ 250 mil ficaram para projeto de construção e fiscalização da obra.
A paralisação das obras pela empresa Engtech travou o andamento do projeto, que foi apenas 25% finalizado e o Ministério da Saúde chegou a relicitar a obra, mesmo em meio à briga judicial que tramita na 3ª Vara Federal do Distrito Federal.
Informações repassadas pelo Ministério da Saúde ao MPF revelam que em junho de 2020 o Governo Federal contratou a empresa Engemil - Engenharia, Empreendimentos, Manutenção e Instalações LTDA, e chegou a emitir nota de empenho de R$ 2 milhões para que a empresa desse continuidade às obras do bunker e finalizasse os 75% restantes do projeto.
Na época, contudo, a União condicionou o início das obras ao desfecho do processo judicial com a empresa Engtech, contratada inicialmente. Emperrado por demora na emissão de carta precatória para realização de perícias na obra em Campo Grande, o processo que tramita no DF até hoje não teve desfecho.
Em meio ao impasse, no ano seguinte, em 2022, o Ministério da Saúde não chegou a autorizar o reinício das obras e em dezembro do ano passado o Governo Federal publicou a relicitação da obra, ou seja, decidiu contratar uma nova empresa para assumir a construção do bunker.
A empresa que apresentou a melhor proposta na época foi a JH Distribuidora de Alimentos Ltda, mas, segundo o Ministério da Saúde, a empresa não apresentou documentos técnicos necessários e não se habilitou para ser declarada como vencedora. Instalada no Rio Grande do Sul, a empresa é do ramo de distribuição de alimentos, mas também atua com construção de edifícios. Até então, a relicitação segue indefinida.
Enquanto o MPF-MS investigava a paralisação da obra, a Justiça Federal analisava batalha jurídica e o Ministério da Saúde fazia relicitação para contratar nova empresa para tocar a construção do bunker, o Governo de Mato Grosso do Sul e a direção do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul procurou o Ministério da Saúde, por meio de ofício, para dizer que não tinham mais interesse no centro de radioterapia.
Em parecer assinado em novembro de 2021 pelo então secretário estadual de saúde Geraldo Resende e pelo diretor-presidente do HRMS, Lívio Viana de Oliveira Leite, os dois afirmam que o Governo do Estado não queria mais que o hospital integrasse o PER-SUS.
"Solicitamos respeitosamente a retirada deste Hospital Regional de MS, do Plano de Expansão da Radioterapia (PER/SUS), declinando assim, da construção do banker para receber o acelerador linear nesta instituição", diz trecho do ofício n. 2390/Funsau/2021 assinado por Lívio Leite, que deixou a direção do hospital em 2022.
Em documento assinado pelo então secretário Geraldo Resende, o Estado justifica que a rede oncológica de Mato Grosso do Sul já era até então composta também pelo Hospital Universitário da UFMS e pelo Hospital de Câncer Alfredo Abrão, instituição filantrópica que recebe recursos do município, estado e União para operar.
Confira abaixo os ofícios na íntegra:
Diante dos ofícios da SES e do HRMS, o MPF chegou a cobrar novas manifestações de todos os envolvidos na investigação para saber qual seria o desfecho e se a apuração poderia até ser encerrada.
Na época, o Estado justificou que além da paralisação e o impasse nas obras do bunker e dos investimentos já feitos no Hospital Alfredo Abrão, uma ausência de "demanda reprimida", ou seja, fila de espera, também descartaria a necessidade de um novo centro de radioterapia.
A informação foi reforçada pela SES-MS em reunião com o MPF, por videoconferência, em março de 2022. O então assessor especial da Diretoria de Atenção à Saúde da SES, Antônio Lastória, afirmou que Mato Grosso do Sul não registrava demanda reprimida para tratamento de radioterapia.
Mas a informação repassada ao Ministério da Saúde e ao MPF pela SES, em novembro de 2021 e depois em março de 2023 era pontual. Tanto que algum tempo antes, em fevereiro de 2020, a prefeitura de Campo Grande divulgou que a fila de espera por radioterapia em Campo Grande tinha 239 pacientes.
E a fila voltou a ser realidade neste ano, quando o Hospital de Câncer paralisou os atendimentos, em março de 2023, em razão de greve que deixou mais de 300 pessoas sem tratamento oncológico.
Além da espera por radioterapia em Mato Grosso do Sul, viagens de pacientes oncológicos para centros de referência em tratamento, como o Hospital de Barretos, no interior de São Paulo, também continua sendo realidade para quem enfrenta a batalha contra o câncer no Estado.
Estimativa do Governo do Estado em 2018, época do início da construção das obras do bunker indicava que anualmente 37,9 mil pacientes de Mato Grosso do Sul com câncer tinham que viajar até Barretos para conseguir tratamento.
A reportagem questionou a SES-MS sobre a atual demanda de pacientes com câncer que são submetidos a radioterapia, mas não houve retorno.
Mas, o Governo do Estado mudou de ideia mais uma vez. Em documento assinado em janeiro de 2023, o novo secretário estadual de Saúde, Maurício Simões Corrêa encaminhou ofício ao MPF informando que o Estado é favorável à conclusão da obra para a reativação do centro de radioterapia do HRMS. Confira o ofício abaixo na íntegra:
Não houve andamento na investigação desde a última manifestação do Estado. O inquérito do MPF foi prorrogado por 1 ano em maio de 2022 e o prazo vence neste mês. A investigação é comandada pelo procurador Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves.
Até o momento, o entrave na briga judicial entre a primeira empresa contratada, a relicitação para a conclusão das obras e finalmente a entrega de um novo centro de radioterapia do HRMS seguem indefinidos em Mato Grosso do Sul.
O Jornal Midiamax procurou a SES-MS e o HRMS para mais informações sobre a atual demanda para pacientes oncológicos em tratamento em Mato Grosso do Sul. A reportagem questionou se há fila à espera de sessões de radioterapia e em quanto o serviço será expandido se o centro de radioterapia do Hospital Regional for entregue.
A reportagem também questionou onde está guardado ou "emprestado" o acelerador linear que terá como destino o bunker em construção no HRMS. Todos os questionamentos não foram respondidos até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para manifestações.