"Como o cinema nacional é uma releitura da nossa realidade, ele ajuda o jovem a entender a realidade brasileira, os meandros socioeconômicos, as questões sociais envolvendo pobreza, miséria. Nosso cinema tem um olhar muito atento para essa questão", afirmou.
Segundo Braga, carregar essa bagagem para a prova facilita a visão de mundo e o entendimento das questões pelo estudante, até na busca da resposta correta. "O Enem tem a característica de ser uma prova com visão social bem definida, que se preocupa com classes menos abastadas, com grupos sociais menos abastados. Por isso, sem dúvida nenhuma, é cultural e academicamente importante."O professor de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rafael de Luna Freire disse à Agência Brasil que o cinema nacional pode também ajudar o jovem a ter uma visão mais crítica e abrangente da sociedade brasileira, da história do Brasil e do mundo. "Hoje em dia, produzem-se continuamente, em formato audiovisual, notícias, informes. Vemos vídeos do que, anteriormente, só líamos, mas também, ao longo da história, até meados do século 20 e, depois, pela televisão também, tornaram-se a principal forma de registro do cotidiano, da história."
Para Luna Freire, tais filmes, sejam de ficção, sejam documentários, tornam-se um meio privilegiado de as pessoas pensarem no passado. "Obviamente, não é um passado neutro, objetivo, mas filtrado por quem fez o filme, como fez, quando fez, com que intenção. Mas, de algum modo, é uma possibilidade de ter acesso a imagens que nos transportam para aquele momento."
O problema, segundo Luna Freire, é ter acesso a esses filmes porque nem tudo de mais importante que foi feito está disponível para as novas gerações na internet, como muita gente supõe. Apesar de tudo, o que existe é fundamental que seja mais conhecido, ressaltou o professor, lamentando que muita coisa tenha se perdido pela falta de interesse no passado e na preservação doesse material. O governo atual permite que a data dedicada ao cinema brasileiro seja um momento de celebração, disse o professor.
Ele destacou o restabelecimento da normalidade, que é saber que o cinema é um patrimônio coletivo da atual e das futuras gerações e que isso tem que ser preservado por ser importante para a identidade cultural dos brasileiros, para sua formação como nação e povo, para pesquisa, para criação histórica, para estudo, entre outros motivos. "Temos que celebrar que voltamos ao senso comum de que não podemos simplesmente desprezar e condenar isso à destruição, seja deliberadamente ou por descaso."
Para Thiago Braga, alguns filmes nacionais espelham de forma especial a realidade brasileira. Que horas ela volta?, escrito e dirigido por Anna Muylaert e protagonizado por Regina Casé, é um deles. A obra trata das relações patronais que permeiam a vida de uma empregada doméstica que representa a maior parte da população brasileira cuja renda é inferior a R$ 3 mil mensais. "É um filme extremamente relevante."
Segundo Braga, outro exemplo é Cidade de Deus, filme de Fernando Meirelles, que teve repercussão internacional. "Talvez o que mais tenha tido [repercussão] nos últimos anos". A obra mostra a realidade de favelas e periferias, a disputa de poder e o estabelecimento do poder paralelo. "O filme trata da violência urbana, mostra cidadãos querendo crescer social e economicamente pelas vias tradicionais, mesmo morando em um ambiente em que o poder paralelo se estabeleceu. É um filme importantíssimo."
Podem ser citados também Carandiru, longa-metragem que mostra a realidade dos detentos na maior prisão da América Latina durante a década de 1990 e propõe reflexão sobre a situação prisional no Brasil, violência policial e a agressão aos direitos humanos, e Bacurau, que ajuda a compreender o descaso com as classes menos abastadas no Brasil, refletindo sobre desigualdade social e o chamado complexo de vira-latas em relação aos estrangeiros.
Outro exemplo é Ilha das Flores, curta-metragem da década de 1980, premiado no Festival de Cannes, na França, que aborda a desigualdade social, além da desumanização dos mais pobres, e traz uma história delicada para refletir sobre o papel da humanidade no Brasil e no mundo. Na edição deste ano, em Cannes, o longa A Flor do Buriti (foto), produzido pela brasileira Renée Nader Messora e pelo português João Salaviza, recebeu o prêmio de Melhor Equipe na mostra Um Certo Olhar. O filme aborda os últimos 80 anos de história dos Krahô, povo indígena que vive no norte do Tocantins, na divisa com os estados do Maranhão e do Piauí.