A cantora quer ser vista como uma divindade. Para isso, encarna uma criatura inspirada em Afrodite, a deusa grega da fertilidade, da beleza e do amor –sem abrir mão de sentimentos como fúria e ressentimento.
O disco começa com a faixa "Nunca Mais", em que ela narra uma paixão fracassada. "Ou fica pra vida toda ou pra nunca mais/ anel no dedo, dedo no block, quem você quer enganar?", entoa a cantora, com rispidez na voz.
Ela anunciou o fim do seu casamento com o produtor Sérgio Santos em outubro do ano passado. Na época, a cantora se limitou a dizer ter vivido uma linda história de amor e que seu ex-marido era um homem incrível.
Não é o que ela dá a entender nas músicas. Iza volta a imprimir o sentimento de amargor no seu timbre rouco em "Tédio", a quarta faixa do álbum, ao dizer que não há remédio que cure uma relação desgastada. "Tá tão difícil de esquecer/ o que me contam de você/ só agora eu posso te ver, chato, mimado, tão blasé/ não tem mais remédio pra nós dois", ela diz, na canção.
Iza nega que seja um recado para o ex. "Essa arte fala mais sobre mim mesma do que sobre qualquer outra coisa. Passar por esses altos e baixos faz parte da construção da nossa personalidade. Não estou endereçando essa música especificamente a ninguém."
Ainda assim, ela admite ter cantado com raiva de propósito. "Na vida a gente sente frustração, dor, tédio, raiva, deboche. Passei por esses sentimentos até me apaixonar de novo. Não tinha como eu falar sobre outra coisa. É um desabafo", conta.
"Afrodhit" foi produzido em seis meses, de fevereiro a julho deste ano, depois de Iza decidir jogar um disco pronto no lixo. "Estava ruim. Quando a gente faz música, pelo menos para mim, é que nem perfume. Você vai usar aquele negócio e lembrar exatamente o que estava fazendo no dia, das sensações que estava tendo e de quem era naquele momento." Santos, seu ex-marido, era quem produzia suas canções na época.
Iza vinha sendo cobrada há anos pelos fãs por um disco novo. Desde "Dona de Mim", de 2018, ela só lançou singles e um EP. Nas redes sociais, muita gente diz que ela parou de fazer música para se dedicar a gravar comerciais de marcas como Smirnoff, PicPay, Garnier, Tim e Decolar.
"Nunca parei de lançar música. Pode não ter sido no volume que as pessoas esperavam, mas decidi que não trabalho para ninguém. Eu faço publicidade para caramba sim e me orgulho disso. Quando eu era criança, não via um bando de mulher preta retinta na TV. Estou ocupando espaço", diz.
A verba que ela ganhou com publicidade a ajudou a manter sua equipe empregada ao longo de 2020, quando a pandemia impediu a cantora de fazer shows.
À época era Jair Bolsonaro, desafeto de Iza, quem governava o país. Quando shows voltaram a ocorrer, ainda sob o mandato do ex-presidente, viralizou na internet um vídeo da cantora dançando no palco enquanto o público xingava o presidente com palavrões.
"Não fiquei pensando muito nas consequências", diz ela, quando questionada se teve medo de afastar bolsonaristas. "Na primeira eleição [em 2018], era um cenário, mas na segunda era outro. Era um cenário pós-pandêmico e eu tinha perdido duas pessoas na minha família para a pandemia. Não tinha como não falar sobre."
Mais feminista que antes, e empoderada após sua separação, Iza quer cantar sobre vivências femininas e amor próprio.
Exemplo é o clipe de "Fé nas Maluca", primeiro single do álbum, em que ela fala sobre relacionamentos tóxicos a partir da história do nascimento da personagem que inventou para o novo disco. A criatura com pedras preciosas nas unhas é arrancada à força das rochas onde vive por garimpeiros. Explorada dia e noite, ela consegue fugir quando conhece uma humana interpretada pela funkeira MC Carol.
O vilarejo em que se passa a história do clipe foi inspirado no cenário árido do filme brasileiro "Bacurau", diz a cantora. Mas as referências cinematográficas vão além. Segundo Iza, a criatura surgiu da união dos extraterrestres do longa-metragem "Cocoon", de 1985, e dos seres marítimos vistos em "Splash - Uma Sereia em Minha Vida". É uma mistureba.
"Fé nas Maluca" leva Iza ao trap e ao funk, gêneros pouco explorados antes em sua carreira. "Coloquei no disco tudo que eu gosto de música preta. Sempre gostei de funk, é uma uma joia nacional. Mas é um ritmo ainda marginalizado."
O disco tem também as vozes dos rappers L7nnon e Djonga, da nigeriana Tiwa Savage, conhecida por dominar o afrobeat, do cantor Russo Passapusso, que faz parte da banda BaianaSystem, e da novata King. São todas pessoas negras.
Quando ficou famosa, Iza sentia que seu lugar na indústria era instável, o que afirma ter relação direta com o racismo. Ela foi descoberta pela gravadora Warner Music Brasil em 2016, depois de fazer sucesso com covers de Beyoncé e Rihanna publicados no YouTube.
"A gente não pode errar, não pode estar desarrumada nem despenteada, não pode falar palavrão. Esse medo me adoecia. A música 'Fé' representou uma virada para mim, a Iza de antes jamais lançaria essa música", diz, relembrando o single que lançou em junho do ano passado.
Ela está mais desbocada para falar de sexo também. Em "Fiu Fiu", idealiza um "moreno misterioso", com "cara de puto, cabelinho na régua, entradinha na cintura e um requebrado", incorporando sensualidade nos vocais. O tesão por um homem novo volta a aparecer nas faixas seguintes, "Sintoniza" e "Exclusiva".
"Tô amando quando você desce/ tá tocando meu umbigo com a testa/ tô tocando pedaço do céu/ sentindo de novo como é amar", diz o refrão de "Exclusiva", que Iza afirma ser uma canção sobre orgasmo escrita para o jogador de futebol Yuri Lima, seu novo namorado. É ele quem faz a cantora redescobrir o sexo depois de um período de turbulência.
Agora Iza prepara seu show para o festival The Town, irmão paulistano do Rock in Rio, onde ela comandou um show elogiado no ano passado. Cantar em festivais como esses costuma ser visto como uma comprovação do talento de um artista, diz ela.
E na pele de sua Afrodhit, aos 32 anos, com milhões na conta e uma nova paixão, Iza se sente mais legitimada do que nunca.